Reportagem especial traça a doutrina espírita na região e no Brasil sob a influência de Chico Xavier, um dos médiuns mais importantes de todos os tempos
A morte seria o fim de tudo? Existe vida após a passagem pela Terra? Nossa alma terá lugar em outro plano? Perguntas como essas sempre existiram. Várias religiões conseguiram ao longo dos tempos amenizar as dúvidas da humanidade, mas não foram capazes de responder a todas. Talvez por isso, o tema ainda exerça tanto fascínio.
Para muitos, o espiritismo é a chave para várias dessas questões. Nos últimos meses, quando se comemorou o centenário de Chico Xavier, a doutrina ganhou espaço na mídia e virou tema de filmes (como “As mães de Chico Xavier”, que estreou sexta-feira nos cinemas), novelas, livros e seriados. A ideia foi homenagear este médium que, sem dúvida, foi um dos mais influentes líderes espirituais do século passado e que até hoje inspira milhões de pessoas em todo o mundo.
Mas antes de falar sobre esta figura ímpar, é imprescindível esclarecer alguns pontos sobre esta religião que ganha cada vez mais adeptos e que, ao mesmo tempo, ainda é uma incógnita para muitos.
A presidente do Centro Espírita de Itu, Bernadete Ferrari, explica que há uma confusão semântica com relação ao espiritismo por causa da elasticidade que a palavra ganhou no Brasil. “Atualmente é comum que a palavra seja relacionada a qualquer tradição em que a mediunidade seja utilizada como ferramenta”, pontua. Ela acrescenta que grande parte da população associa o termo a outras práticas como, por exemplo, ao candomblé e a umbanda. O que é um grande equívoco. “A palavra espiritismo foi cunhada por Allan Kardec no século XIX, na França, para designar a doutrina espírita codificada por ele”, complementa.
Sendo assim, é correto afirmar que espíritas são somente aquelas pessoas que seguem esta doutrina – que reúne aspectos científicos, filosóficos e religiosos. É importante fazer essa dissociação, segundo ela, porque há inúmeras diferenças entre essas práticas e o espiritismo. De uma maneira geral, praticantes do candomblé e da umbanda também acreditam na reencarnação e veneram a Deus, mas participam de rituais em forma de culto exterior, caracterizados por oferendas materiais. Já no espiritismo, o que prevalece é a constante busca pela evolução dos espíritos. “Posso dizer que as únicas semelhanças é que ambas veneram a Deus e seus emissários, embora de maneiras diferentes, e também que acreditam na reencarnação”, revela Bernadete.
É verdade que ainda há muito a ser dito sobre estas três religiões, mas o fato é que somente uma delas será retratada nesta reportagem. Simplesmente porque a sociedade espírita brasileira vive um momento de comemoração neste mês, quando, no último dia 02, um de seus maiores ícones completaria 101 anos. Para entender melhor qual a importância de Chico Xavier na vida de tanta gente, é preciso saber um pouco mais sobre a doutrina espírita. Bernadete evidencia que o principal propósito do espiritismo é a busca racional dos princípios básicos da vida e do universo. “Buscamos a evolução através do estudo profundo de nós mesmos, de nosso futuro e da imortalidade. Queremos saber quem somos, de onde viemos e para onde vamos, pois só assim poderemos descobrir nossa missão e conseguiremos realizá-la”, complementa.
A presidente do centro mais antigo de Itu explica ainda que o espiritismo é fundamentado no cristianismo e respeita todas as religiões, valoriza todos os esforços para a prática do bem e trabalha pela confraternização de todos os homens – independentemente de sua crença, etnia, sexo, idade ou classe social. Um exemplo disso é que o Brasil, com toda sua diversidade, atualmente é considerado o maior país espírita do mundo. Quem assegura é a FEB (Federação Espírita Brasileira), que calcula a existência de aproximadamente 20 milhões de seguidores e simpatizantes da doutrina em território verde e amarelo. Todas essas pessoas estão sendo orientadas sobre os primórdios de moral que Jesus Cristo deixou, de um modo mais claro e sutil, pois este é o principal objetivo do espiritismo. Além disso, a doutrina espírita auxilia os indivíduos na busca por uma reforma íntima, pela fé e pela esperança num mundo melhor. E tais ideais parecem surtir efeito com sucesso. Muitos afirmam ter passado por grandes (e positivas) mudanças depois que se tornaram espíritas.
Nada é por acaso…
A fotógrafa e jornalista Bruna Scavacini, de 21 anos, revela que começou a se interessar pelo assunto quando ainda era uma adolescente. Há cerca de nove anos ela ainda frequentava a Igreja Católica por imposição da família e confessa que não se sentia completa, pois não encontrava respostas para muitos de seus questionamentos. Embora o pai da jovem já fosse adepto da doutrina, foi por curiosidade e a convite de uma amiga que ela participou de sua primeira reunião com um grupo. Desde então não parou mais de estudar. Isso fez com que ela adquirisse discernimento para enxergar a vida. “Hoje compreendo que toda causa tem um efeito e que nada é por acaso. Isso me ajuda a ser uma pessoa melhor”, declara. E Chico Xavier, personalidade que dá o tom desta reportagem, é justamente aquele que ela toma como um verdadeiro exemplo. “Eu o admiro pela pessoa íntegra que ele foi. Um homem humilde, bondoso, trabalhador e que mesmo estando quase cego não deixou de atender aos chamados do espiritismo, tanto psicografando obras quanto auxiliando ao próximo”, diz orgulhosa.
Com o aposentado Luiz Lemuchi, de 67 anos, foi a mesma coisa. Ele iniciou os estudos espíritas em meados da década de 70, quando, segundo conta, buscava explicações para questões que até então não encontrava. “Posso citar a dor física e moral, as desigualdades intelectuais e materiais, a nossa existência e a de Deus também; entre inúmeros outros temas para os quais só encontrei respostas racionais e sensatas a partir do espiritismo”, especifica.
Para ele, a maior lição obtida foi a de compreender a importância dos problemas enfrentados na passagem por esta vida como uma forma de encontrar o equilíbrio de vivência com a certeza de que está sendo amparado por Deus através dos amigos de espiritualidade. Luiz, assim como a jornalista, acredita que o médium mineiro deve ser tido com uma referência de amor ao semelhante. “A extraordinária personalidade de Chico Xavier deve ser de conhecimento de todos e, mais do que isso, servir de exemplo para cada um de nós”, reforça.
Na opinião de Geraldo Francisco da Silva, de 75 anos, o líder espiritual é tão querido porque ele representa um espelho para todos os espíritas. Ele diz isso porque é um estudioso bastante dedicado ao espiritismo e às literaturas de Chico Xavier. “Além de ter sido alguém caridoso e de tão bom coração, ele teve um dom imensurável para a mediunidade. Era capaz de ver, sentir, ouvir e psicografar mensagens dos espíritos, entre tantos outros atributos”, ensina. Geraldo ressalta que o médium foi essencial para a popularização da doutrina espírita no Brasil, principalmente porque teve abertura na mídia para falar sobre os preceitos de Allan Kardec. Isso possibilitou que seus ensinamentos e reflexões chegassem a milhares de famílias, através da televisão, por exemplo, independentemente de terem sido alfabetizadas ou não. Somente alguém tão iluminado e com tanto carisma para conseguir um feito deste porte. Como é possível notar, apenas o dom não é suficiente para o exercício da mediunidade.
Mediunidade
A dentista Andréa Suster, de 37 anos, e a coordenadora de informática Ariette Leitão, de 45 anos, contam que é necessário muito estudo para conseguir realizar este trabalho. As duas são médiuns de vidência do Centro Espírita Jesus, de Salto, onde colaboram efetivamente com todos os procedimentos da casa.
Elas explicam que todos possuem certa mediunidade, mas em proporções que podem variar de uma pessoa para outra. O que determina a intensidade deste fenômeno na vida de cada um é a maneira com a qual ela lida com isso. Quando alguém se dá conta de que tem este dom mais aflorado, ela precisa ter disciplina para saber administrá-lo. “A mediunidade não é um show e não pode ser usada como forma de ganhar dinheiro ou de entretenimento”, alerta Andréa. “Devemos usá-la como uma ferramenta para fazer o bem e proporcionar a evolução dos espíritos; tanto do nosso quanto dos outros”, complementa Ariette.
Para isso existem os centros espíritas, que são, na verdade, sedes de uma escola que é a doutrina codificada por Allan Kardec. Todos os entrevistados compartilham o pensamento de que o espiritismo é, além de religião, ciência e filosofia, uma forma de adquirir conhecimento e sabedoria. Portanto, para quem puder despertar o interesse, é válido enfatizar que tais locais funcionam como pontos de encontro para pessoas com interesses comuns e que estão unicamente à procura de um novo sentido para a vida.
Uma vida de fé
Filho do operário João Cândido Xavier e da doméstica Maria João de Deus, Francisco Cândido Xavier nasceu a 02 de abril de 1910, na cidade de Pedro Leopoldo, em Minas Gerais. Sua mãe morreu quando ele tinha apenas cinco anos. Dos nove filhos do casal (Maria Cândida, Luzia, Carmosina, José, Maria de Lourdes, Chico, Raimundo, Maria da Conceição e Geralda), seis foram entregues a padrinhos e amigos.
Chico sofreu muito em companhia de sua madrinha. Contava ele, que apanhava três vezes por dia, com vara de marmelo. Sua mediunidade se manifestou pela primeira vez aos quatro anos de idade, quando respondeu ao pai sobre ciências, durante conversa com uma senhora sobre gravidez. Ele dizia ver e ouvir os espíritos e conversava com eles. Aos cinco anos, morando com a madrinha, Chico via e falava com sua mãe, já falecida. Sempre maltratado, ele chegou a levar garfadas na barriga e foi tachado como louco.
Depois que seu pai casou-se novamente, desta feita com Cidália Batista, e teve mais filhos, Chico pode voltar a viver com ele e novamente em família. Chico estudou apenas até a conclusão do curso primário. Trabalhou a partir dos oito anos de idade, das 15h às 2h, numa fábrica de tecidos. Católico até o ano de 1927, o padre Sebastião Scarzelli era o seu grande orientador religioso.
Quando uma de suas irmãs foi atormentada por espíritos malignos, a família teve que recorrer ao casal de espíritas José Hermínio Perácio e Carmem Pena Perácio, que ajudou na cura da menina. A partir daí, foi mantido o Culto do Evangelho no Lar, até que naquele ano de 1927, Chico decidiu viver pela doutrina espírita.
Dos quatro empregos que teve, trabalhou durante 32 anos na Escola Modelo do Ministério da Agricultura, em Pedro Leopoldo e Uberaba. Nesta última cidade, a partir de 1959, quando para lá se transferiu. Chico sempre se sustentou com seu modesto salário, não onerando a ninguém. Aposentou-se como datilógrafo subordinado ao Ministério da Agricultura. Jamais cobrou pela ajuda que dava como médium. Ganhava, dos mais simples aos mais valorizados presentes (canetas, fazendas, carros), mas, de tudo se desfazia educadamente.
Sempre foi muito criticado por todos e sofreu até atentados, foi chutado e agredido diversas vezes. Mas sempre se manteve em paz, seguindo com a divulgação de sua doutrina. Dos livros psicografados, os quais por Lei lhe pertenciam os direitos autorais, de todos se desfez doando-os a federativas espíritas e a instituições assistenciais beneficentes, num verdadeiro exemplo vivo de cidadania e amor ao próximo.
Chico psicografou mais de 400 livros, mas nunca admitiu ser o autor de nenhuma dessas obras. Reproduzia apenas o que os espíritos lhe ditavam. Por esse motivo, não aceitava o dinheiro arrecadado com a venda. Foram mais de 50 milhões de exemplares vendidos em português, com traduções em inglês, espanhol, japonês, italiano, russo, romeno, mandarim, sueco e braile. Psicografou cerca de 10 mil cartas de mortos para suas famílias. Cedeu os direitos autorais para organizações espíritas e instituições de caridade, desde o primeiro livro.
Chico Xavier faleceu aos 92 anos de idade em decorrência de parada cardíaca. Conforme relatos de amigos e parentes próximos, Chico teria pedido a Deus para morrer num dia em que os brasileiros estivesse muito felizes, e que o país estivesse em festa, por isso ninguém ficaria triste com sua morte. E foi o que aconteceu: o Brasil festejava a conquista da Copa do Mundo de 2002 no dia de seu falecimento.
O médium foi eleito o mineiro do século XX. Recentemente, iniciou-se a construção de um centro em sua homenagem. Antes de sua morte, ele havia deixado uma espécie de código com pessoas de sua confiança para que pudessem ratificar sua presença quando houvesse um contato. (fonte: Federação Espírita Brasileira)
Frases de Chico
Chico Xavier estava sempre pronto a dar uma palavra de conforto e de paz. Suas milhares de frases estão espalhadas em diversas obras e também pelos centros espíritas do país. Abaixo algumas delas:
– “Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim”
– “O Cristo não pediu muita coisa, não exigiu que as pessoas escalassem o Everest ou fizessem grandes sacrifícios. Ele só pediu que nos amássemos uns aos outros”
– “Deus nos concede, a cada dia, uma página de vida nova no livro do tempo. Aquilo que colocarmos nela, corre por nossa conta”
– “Você nem sempre terás o que desejas, mas enquanto estiveres ajudando aos outros encontrarás os recursos de que precisa”
– “Deixe algum sinal de alegria, onde passes”
– “Ama sempre fazendo pelos outros o melhor que possas realizar. Age auxiliando. Serve sem apego. E assim vencerás”
reportagem de Caroline Rizzi
fotos: Reprodução/Federação Espírita Brasileira