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Monge saltense leva meditação ao alto do Copan

  • Conhecido nacionalmente por levar a meditação ao topo do icônico Edifício Copan, no Centro velho paulistano, o monge Jishô Handa conta sobre a sua vida no Budismo e como a pandemia nos fez dar valor à vida
Monge Handa, há 40 anos fora de Salto, tornou-se monge budista em São Paulo (Arquivo pessoal)

Francisco Handa nasceu em Salto. Em 1989, mesmo sem nunca ter pensado em um dia se dedicar totalmente à atividade religiosa, foi ordenado monge budista pela tradição Soto Zen e recebeu o nome de Jishô Handa. Jishô significa “irradiar da compaixão”. “Seria aquele raio compassivo que a todos ajuda. Um nome bastante inspirador, que quando recebi me fez questionar quem seria eu para ajudar os outros. E a mim, quem me ajudaria? Uma argumentação nada pertinente para aquele momento”, afirma.

 

Seu primeiro contato com o Budismo foi por meio da leitura do livro “Introdução ao Zen Budismo”, o qual, segundo Jishô Handa, foi marcante e diferente de tudo o que já tinha lido, exatamente por colocar o mundo de ponta cabeça. “Era algo mais ousado, mais revolucionário, uma forma de antirreligião”, ressalta. Quando chegou a São Paulo para cursar a faculdade de Turismo encontrou no bairro da Liberdade o templo Busshinji, do qual faz parte até hoje. Com alguns amigos, começou a frequentar as sessões da meditação Zazen. Jishô, na época ainda Francisco, foi uma vez realizar a prática de ficar sentado com as pernas cruzadas, voltado para a parede, quieto por meia hora. Era isso que se fazia lá. Havia um mestre monge, que falava japonês, traduzido em seguida por um monge brasileiro. “Daquilo que ouvia, nada entendia. Entretanto, houve um fascínio por tudo aquilo. Ficar sentado, quieto, diante de uma parede branca era a mais perfeita irracionalidade. Era perturbador, mas também atraente”, relembra.

 

Em 1986, como uma forma de quebrar a rotina exaustiva, ele voltou a meditar, porém sozinho. Até que o monge que dirigia a meditação, vendo sua assiduidade, perguntou a ele o que o motivava a manter aquele ritmo, e a resposta foi: “querer penetrar fundo no zen (zen é como o Budismo chama o estado meditativo profundo e sutil). Na sequência, Jishô recebeu a afirmativa de que deveria se tornar monge. E assim, no sábado seguinte, participou da ordenação, sem saber muito do que aconteceria. Na época, cursando História, todos os seus esforços se voltavam para os estudos acadêmicos, sendo o Budismo o ápice dos seus propósitos. Quando finalizou o doutorado em História, em 2001, assumiu totalmente o posto de monge regular do Templo Busshinji e, em 2004, foi ao Japão treinar em um mosteiro e, desde então, abandonou suas roupas leigas.

 

“Se me perguntarem quais os motivos que me levaram a ser monge, posso dizer que não foi unicamente a realização de minha vontade. Tinha vontade, claro! Mas tinha vontade de fazer outras coisas, como me tornar professor universitário concursado numa instituição pública. Abandonei este projeto. Não me arrependo. Acho que somos aquilo que as condições do universo nos propõem. Isso aconteceu comigo”, destaca.

 

Abraçar a cidade e acolher as dores

 

Handa é responsável pela famosa meditação no alto do icônico edifício Copan (Arquivo pessoal)

Jishô Handa ficou nacionalmente conhecido em 2008, quando a revista Veja noticiou o fato inusitado de ele meditar no topo do Copan, o icônico edifício do Centro velho paulistano. De acordo com o monge, a ideia surgiu da necessidade de levar o Zazen (prática Zen Budista), por meio de um espaço público, para a região central de São Paulo. De início, foi pensado em uma torre na avenida Paulista, mas o Copan acabou virando opção por meio de seus contatos.

 

“O objetivo era abraçar a cidade, que daquele ponto nos parecia uma bolha, como posto numa redoma de vidro. Alguns podem pensar que com a meditação levamos tranquilidade aos habitantes. Nem sei se a meditação tem a capacidade de promover tal fato. Não era isso. O que nos movia a ir meditar no Copan era acolher todas as dores produzidas pela cidade, de seus habitantes sonhadores, dos imigrantes, dos desvalidos, mendigos e sofredores. No momento da meditação, a cidade toda meditava conosco, esquecendo-se das mazelas de uma cidade grande e violenta. Mas, ao mesmo tempo, era a São Paulo que amávamos. Esta tinha sido a cidade que me acolheu, deu oportunidades, conheci muita gente, sofri decepções e fui feliz. Aceitar São Paulo como ela é, em todas as suas contradições. Seria isto também um dos ensinamentos do Budismo, da compaixão e desapego”, explica.

 

A nossa mente

 

Segundo Jishô Handa, a mente é o tema principal do Budismo. É o campo de todas as ilusões e também da iluminação. Ele explica que a cultura ocidental ensina que a mente deve ser preenchida por informações, por isso se frequenta escola e nos inserem informações, que são consumidas, pensadas, comportadas e valorizadas. “No Budismo, temos que chegar a uma mente mais isenta de informações, uma mente mais pura. No caso, ainda que a mente seja parte do mundo da informação, temos que aprofundarmo-nos até uma mente mais genuína. Esta mente genuína é a mente/Buda. Todos têm a mente/Buda. Não depende de religião e de cultura. A alegoria a respeito deste tema é o seguinte: Buda está sentado numa flor de lótus, o lótus nasce no pântano, mas em hipótese alguma a flor de lótus se deixar sujar pela água pútrida do pântano. Se perguntarmos o que é Buda, posso dizer: é a mente!”, defende.

Monge Handa no templo budista (Arquivo Pessoal)

 

Ele conta que a pandemia trouxe uma nova experiência aos grupos de Zen, a meditação online, afinal os templos ficaram fechados. Por conta disso, Jishô não sabe dizer se a procura pela meditação aumentou ou não, mas reconhece que, em seu templo, o interesse segue grande, como sempre foi! A questão é que todo esse momento mundial trouxe sofrimento, indagações, medo e insegurança. Saber lidar com tudo isso foi complicado para grande parte da população e, até nesse contexto negativo, o Budismo traz um olhar diferente e reflexivo.

 

Para o monge, o sofrimento, conforme os ensinamentos, difere de dor. A dor não pode ser negada, ela existe! “Quando se coloca a questão do sofrimento, a dor multiplica de tamanho, pois trata de uma condição mental. O sofrimento é um dado da mente em sua abstração. A felicidade também pode ser uma abstração. O sofrimento me parece uma forma de apego, uma lamentação pelo que se perdeu. O sofrimento pode perder intensidade quando percebemos que se trata de uma ilusão. Não temos que sofrer por uma criação mental, sem uma substância concreta. Ainda assim, sabedor disso, sofremos. É o ego que não quer ceder, resiste em diminuir de intensidade. O ego é o causador de todo sofrimento. Quando assumimos um papel compassivo, ajudamos alguém sem exigir retorno, o ego é deixado de lado, assim o sofrimento perde relevância. De qualquer forma, o sofrimento não perdura para sempre. Nem mesmo o apego ao sofrimento não dura para sempre”, ensina.

 

Jishô Handa assegura que até o sofrimento tem algo a nos ensinar; afinal, com ele, podemos nos tornar mais fortes. Para o monge, se tem algo que vamos levar desta pandemia é o valor da vida, que até então era desprezado. “Agora sabemos que a vida é frágil, que podemos perdê-la na próxima esquina. Quem sabe, de agora em diante, possamos dar um sentido mais valorizado da própria vida. Se posso perdê-la, não sei quando, faço da minha vida agora uma eternidade. Eu próprio entendi que não posso mais perder minutos de minha vida odiando, pois serão minutos que poderia amar mais. Mas isso é uma questão de escolha. A vida é mais importante do que dedicar às futilidades. Cada um que tenha o seu entendimento. O Budismo não diz o que devemos fazer, apenas aponta possibilidades. Prefiro a alegria ao ressentimento”, pontua.

 

Fora de Salto há 40 anos, o Monge Handa conta que tem uma ligação profunda com a cidade, mas as visitas só eram rotineiras quando seus pais ainda eram vivos. “Daquilo que tenho de lembrança, nada mais existe. É estranho. A cidade que visito, existe apenas em minha mente. Em frente da Matriz (igreja Nossa Senhora do Monte Serrat), aquelas escadarias pareciam mais altas, bem mais altas. Fiquei decepcionado, eram baixas, com poucos degraus. Não importa. Visitar Salto é como nunca ter saído de lá, mas está tão diferente”, conclui.

reportagem de Aline Queiroz
fotos: Arquivo pessoal

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