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Post: O mundo pós-pandemia e o debate sobre o meio ambiente

O mundo pós-pandemia e o debate sobre o meio ambiente

  • Os debates sobre o clima vinham em evidência até o surgimento do novo coronavírus;
  • Entretanto, alguns governos e organizações internacionais começaram, em junho, a retomar as discussões num momento que pode ser usado totalmente a favor do meio ambiente

 

A maior preocupação da humanidade neste momento é a pandemia do novo coronavírus. Porém, outra calamidade que se desenha há anos vem tirando o sono de cientistas e de muitos governantes: as mudanças climáticas.

As previsões para a segunda metade deste século, ou seja, daqui a 30 ou 50 anos, não são nada otimistas. Se nada for feito, antes do ano 2080, estimam os ambientalistas, até 3,2 mil milhões de pessoas estarão expostos a uma severa escassez de água e 600 milhões à fome por causa das secas e da degradação e salinização do solo.

As populações pobres, incluindo as dos países desenvolvidos, serão as mais vulneráveis à mudança climática. Os cientistas advertem que o aquecimento afetará todas as formas de vida na Terra, inclusive com sério risco de extinção de 20% a 30% de espécies vegetais e animais. O Brasil já vem enfrentando essas alterações no clima. Nas últimas décadas, por exemplo, a média da temperatura mundial foi elevada em 0,7°C, já no sul do Brasil, o aumento foi de 1,4°C. No nordeste, até o final do século, prevê-se um aumento de até 7°C na temperatura da região semiárida.

Os debates sobre o clima vinham em evidência até o surgimento do novo coronavírus. Entretanto, alguns governos e organizações internacionais começaram, em junho, a retomar as discussões num momento que pode ser usado totalmente a favor do meio ambiente. Durante a quarentena, com boa parte de indústrias paradas ou com baixa produção, aviões em terra e veículos nas garagens, o planeta registrou um dos mais baixos níveis de poluição das últimas décadas, comprovando o discurso de cientistas e ambientalistas sobre a questão da emissão de gases. Grandes metrópoles mundiais, como Nova Delhi (Índia), Seul (Coreia do Sul), Milão (Itália), São Paulo (Brasil), Los Angeles (EUA) e Nova York (EUA), com notória baixa qualidade do ar, observaram uma redução de até 65% na sua poluição atmosférica esse ano.

Para o advogado, com especialização em Direito Internacional e Direitos Humanos e Mestrado em Migração Internacional e Direito dos Refugiados, Mathias Boni, “ainda é muito cedo para comemorar qualquer suposto ganho ambiental que o coronavírus possa ter trazido”. “Primeiramente, porque uma pandemia mortal que tira diversas vidas e devasta economias mundo afora nunca será motivo de comemoração, nem maneira sustentável de recuperar o planeta. Mas pior ainda seria passar por isso sem tirar as lições necessárias. Além disso, essa diminuição temporária das emissões de gás carbônico e poluição ainda não garantem um benefício ambiental concreto a longo prazo”, ressalta. Para ele, “importante para a humanidade agora seria perceber esses impactos iniciais positivos que as quarentenas têm no meio ambiente, refletir sobre a relação da nossa saúde com a natureza e gerar uma transformação concreta e permanente para os próximos anos, revertendo a tendência de aumento anual das emissões das últimas décadas.”

Em junho, o Fórum Econômico Mundial lançou um movimento intitulado “O Grande Reset”, com a intenção de promover a ideia de que o mundo não pode, simplesmente, retornar ao que era antes da pandemia. É preciso repensar o sistema. O Grande Reset prevê a geração de oportunidades com a transição para uma economia de baixo carbono. A proposta apresentada é de utilizar as tecnologias da indústria 4.0 para promover uma nova economia, totalmente sustentável.

O Acordo de Paris estabelece que o mundo deve manter uma elevação das temperaturas em até 2 graus, diminuindo 80% das emissões até 2050. Porém, nenhuma das grandes economias mundiais consegue cumprir os acordos estabelecidos em Paris. Com exceção do período da quarentena no início da pandemia, nenhum país manteve a queda nos níveis de poluição. Na retomada pós-pandemia, apenas a Europa se mostrou, até o momento, engajada num esforço para incluir o combate às mudanças climáticas nos planos de reativação da economia. Tanto que a União Europeia apresentou em maio passado o seu Green Deal, um plano de incentivo econômico que prevê a redução das emissões de carbono.

As previsões para a segunda metade deste século, ou seja, daqui a 30 ou 50 anos, não são nada otimistas

Lições para o meio ambiente

O biólogo ituano Guilherme Costa, que atua em Poços de Caldas (MG), afirma que “a redução da poluição durante o primeiro período de quarentena nos faz repensar – ou deveria fazer – nosso modo de produção industrial.” “Hoje em dia, praticamente todos os setores da nossa vida dependem da atividade de indústrias, que por mais que estejam atuando em conformidade com as legislações ambientais, o que nem sempre acontece, ainda assim acabam sendo nocivas ao meio ambiente”, realça. 

Para ele, a maior lição que podemos tirar disso tudo em um mundo pós-pandemia é que “toda atividade humana gera impacto positivo ou negativo sobre o planeta e isso nos afeta direta e indiretamente”. “Já é tempo de nós, enquanto sociedade, entendermos que da mesma forma que poluímos, devastamos e degradamos o meio ambiente, só nós podemos reverter essa situação, mas isso só será possível através da mudança de paradigma, da mudança de hábitos e da transformação social”, argumenta.

 “Cada um de nós pode repensar nossos hábitos enquanto indivíduos. Nossas ações no dia a dia possuem impacto na realidade que nos cerca. Você contribui com a preservação do meio ambiente quando escolhe alimentos naturais e orgânicos, quando separa e recicla o ‘lixo’, quando escolhe ir a pé ou pedalando em vez de ir de carro. Claro que não é o suficiente, mas é algo”, complementa.

A também bióloga e consultora ambiental, em Itu, Valéria Rusticci lembra que o sistema implementado pela sociedade há séculos “é vulnerável e mutável”. “Questões pétreas como: ‘necessita-se de consumo para a roda do planeta girar’ são questionáveis. O que realmente importa para sobrevivermos? Temos estudos suficientes para responder sobre impactos sofridos constantemente pela poluição do planeta?”, indaga. Valéria destaca que os governos, antes da pandemia, negociavam arduamente a redução de carbono a menos para frear as mudanças climáticas. “Mas nada de acordo. ‘Não poderemos parar nosso crescimento’, diziam alguns países. E agora pode? São valores em mutação”, comenta.

Guilherme acredita que não será a pandemia da covid-19 que trará essa consciência pela preservação ambiental. O consumismo é apontado como um dos vários entraves nessa questão. “Podemos observar isso com a intensa vontade da população em voltar aos shopping centers para consumir produtos que muitas vezes nem precisam. Outro exemplo é a quantidade de máscaras e luvas descartadas nas ruas e rios das cidades”, alerta.

“Estamos em um momento muito crítico, onde, mais do que nunca, há uma necessidade de se trabalhar a educação ambiental para além da visão reducionista que geralmente aborda apenas os temas de reciclagem, economia de água e plantio de hortas. É preciso romper com velhos paradigmas e trabalhar valores e visões de ecologia social desde cedo com as novas gerações”, orienta, lembrando ainda que “nós, enquanto sociedade, pais e educadores, devemos, além de sermos exemplo em nossas ações no presente, fazer o possível para que os jovens e crianças possam desenvolver a consciência ambiental de maneira natural. Que eles possam entender e sentir que realmente fazem parte do bioma, do ecossistema e que possuem papel fundamental na manutenção da biodiversidade e do meio ambiente. Ou seja, precisamos educar para a vida e não para o mercado de trabalho”.

A empatia, tão falada durante a pandemia, parece estar um tanto distante do setor ambiental. Ao menos é o que observa Guilherme: “Infelizmente, vejo que uma grande parte da população ainda não entendeu a importância que o meio ambiente e, consequentemente, os ambientalistas – profissionais, ativistas e comunidades tradicionais – têm para sua qualidade de vida e saúde.” “Para despertar a empatia pelo setor ambiental e pela natureza, primeiro é preciso que as pessoas entendam que sem o equilíbrio dos biomas e ecossistemas, nós, humanos, estamos fadados à extinção”, explica. Para ele, uma “mudança realmente eficaz nesse sentido só é possível através da educação, em suas diversas formas”.

Estudantes europeus, nas ruas, alertam para as mudanças climáticas

O mundo pós-corona

Antes da pandemia, as mudanças climáticas eram a maior ameaça à saúde global, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde). A questão agora é: como os países lidarão com isso no pós-pandemia? Para Valéria Risticci, “talvez esses países busquem se apoiar mais nas ciências do que no sistema econômico-financeiro.”. “Quando se alia ciência na tomada de decisão, raramente os resultados são negativos. Não podemos falar a mesma coisa do negacionismo econômico, que muitas vezes opta por referenciar somente uma face deste desafio. A falta da visão integral das situações leva a sociedade a soluções que são para poucos, onde o coletivo é esquecido e o individual é exaltado”, argumenta.

Guilherme teme a posição do Brasil, mas ressalta que nenhuma ação governamental será suficiente para provocar grandes mudanças na população. Para ele, não é possível afirmar como os países reagirão no pós-pandemia, já que “alguns possuem governos mais sensatos que os outros e isso com certeza vai influenciar nas atitudes de cada um – e temo pelo Brasil.” “Porém, na minha opinião, nenhuma atitude vinda dos governos de qualquer país vai ser suficiente para transformar a realidade”, salienta.

 “Como já disse Fritjof Capra, em ‘O Ponto de Mutação’, todas as crises que nossa atual sociedade enfrenta – seja a crise econômica, da saúde, do meio ambiente, do trabalho – são oriundas de uma única crise, que é a forma como enxergamos a natureza, baseada na visão reducionista (sujeito-objeto) que nos desconecta da teia da vida e permite a exploração da natureza pelo homem, a exploração da mulher pelo homem e até a exploração do homem pelo homem”, observa Guilherme, acrescentando que “para sair realmente da crise, independentemente de qual seja, penso ser necessário a união e a solidariedade entre as pessoas”. “Pensar e agir mais por nós mesmos, investir mais na micropolítica, na cooperação e mutualismo entre nós, como comunidade, no sentido de nos tornarmos cada vez mais autônomos, sem depender tanto de um sistema que insiste em tratar a vida como mercadoria descartável”, opina.

Ao comentar o negacionismo, tão evidente nas redes sociais e até por alguns governantes quando os assuntos são pandemia e mudança climática, Guilherme é enfático: “Tanto o egoísmo quanto o negacionismo estão relacionados com a falta de educação e conhecimento. Nos dias de hoje o acesso a uma grande quantidade de informação está cada vez mais fácil. Isso é bom por um lado, mas ao mesmo tempo é perigoso. Vemos muita informação disponível, porém pouca capacidade de assimilação e interpretação dessas informações, o que permite que a desinformação circule com facilidade pela rede. Acredito que a melhor forma de se enfrentar, principalmente o negacionismo, é investir mais na popularização do conhecimento científico, através da educação, fazendo uso de metodologias pedagógicas ativas, onde se estimula o questionamento, a pesquisa em fontes confiáveis de informações. Precisamos começar a trabalhar o método científico na nossa vida. Fazer as pessoas entenderem que a ciência é mais do que uma disciplina escolar ou a profissão dos cientistas.”

 “Outra forma de se popularizar o conhecimento científico é através dos projetos de extensão, que visam fazer o intercâmbio entre conhecimentos com as comunidades”, realça Guilherme.

Para o biólogo, a maior lição tirada de todo esse caos é que o “ser humano não é o centro do universo”. “Nem sequer somos uma espécie superior. Não estamos aqui para dominar a natureza, não estamos aqui para dominar uns aos outros. Nós, enquanto espécie e sociedade, somos frágeis e vulneráveis. Nosso modo de vida, nossos hábitos precisam ser repensados e mudados. A pandemia da covid-19 não é um castigo divino ou uma vingança da Terra. Ela é apenas uma consequência das nossas atitudes, do nosso pensamento antropocêntrico e sem dúvida, da degradação ambiental”, finaliza.

(REPORTAGEM DE RENATO LIMA)

 

fotos: AdobeStock

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