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Mães especiais

O papel das mães especiais na formação de um filho sempre será marcado por lutas para conquistar seus direitos, por ajudar a disseminar a informação correta sobre o diagnóstico dele e por vencer um preconceito que machuca

 

 

 

A maternidade vai além de uma mulher dar à luz um ou mais filhos ou receber em seus braços o tão aguardado filho do coração. É ensinar a amar e ser amada no dia a dia, no cuidado, carinho, troca de olhares e choros, da criança e da própria mãe. É cuidar de todos, proteger e estar sempre à frente de tudo. Ser mãe é tanta coisa ao mesmo tempoque somente com várias definições podemos chegar perto do real significado desse papel. Mas na prática, tudo muda e cada uma exerce a maternidade da sua forma, com suas individualidades, suas dores e amores.

 

 

E quando a maternidade chega com um filho com deficiência? Quando se ouve um diagnóstico que, em um primeiro momento, abre o chão da família e os toma de medos e angústias? Criar uma criança é uma tarefa difícil, mas com algum tipo de deficiência pode ser um pouco mais complicadodevido à rotina de cuidados, atividades, tratamento e algumas consequências do problema.

 

 

A trajetória das mães especiais é sim diferente da maioria das outras mães e não há como negar. Há ainda mais entrega, dedicação e renúncias. Há também uma sensação de vitória a cada conquista e superação. Elas sabem exatamente o significado de um andar, falar, comer sozinho e cada passo dado rumo à independência.  O papel delas na formação dos pequenos sempre será marcado por lutas para conquistar seus direitos, por ajudar a disseminar a informação correta sobre o diagnóstico do seu filho e por vencer um preconceito que machuca.

 

 

Ser mãe especial é ser coragem. Há um provérbio africano muito bonito que diz “é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança”, mas na prática de crianças especiais há um limite e a aldeia se desfaz. Foi o que afirmou LauPatrón, publicitária, escritora e mãe do João Vicente, portador de uma síndrome raríssima autoimune chamada SHUa. Uma das crises da doença provocou um AVC muito grave e João perdeu o controle do próprio corpo, mas não a alegria. Há alguns anos,Lau criou a página “Avante Leãozinho”, onde sempre dividiu com muitas pessoas suas reflexões sobre inclusão e seu processo de aceitação em textos esclarecedores, além de acolher outras famílias que vivem histórias parecidas. Em 2018 lançou o livro 71 leões, que narra os dias de hospital.

 

 

“A realidade é que olhando profundamente, muitas vezes, a mãe é a aldeia inteira. E vai tentar ser, com toda a sua força, e vai se cobrar para que dê conta de tantos papéis, e vai falhar, invariavelmente”, afirma. Mas vai dar conta, pois por mais que as mães achem que não, elas sempre conseguem, se desdobram e seguem em frente, apesar da solidão, tema da sua palestra no TEDx Talk, que viralizou na internet.

 

 

Bia com o filho JP

A diretora de interatividade, Bia Sioli, é uma das mães aldeias que a Revista Regional selecionou para homenagear tantas outras no Dia das Mães. Bia é mãe do João Pedro – o JP, como é carinhosamente chamado desde a gestação – de seis anos, que nasceu com Síndrome de Down e com Tetralogia de Fallot, uma cardiopatia congênita grave, que fez com que ele fosse operado por duas vezes.

 

 

A rotina de tratamentos do João sempre incluiu fonoaudióloga, terapia ocupacional, fisioterapia, equoterapia por um período, além de atividades normais como de qualquer outra criança, como escola e a prática de esportes. As manhãs de Bia sempre foram dedicadas a todas as atividades do filho e a parte da tarde voltada ao trabalho. Adepta do home office, Bia muitas vezes estende a jornada de trabalho pela madrugada, pois é um horário em que a casa está tranquila e quieta e sua produção rende muito bem.

 

 

Com a questão do isolamento social por conta da pandemia do novo coronavírus, a família Sioli Silveira viu a sua rotina virar de ponta cabeça, assim como tantas outras mundo afora. “Todas as atividades externas do João foram suspensas e a única rotina que conseguimos manter foi a de horários de alimentação e sono. Ele é uma criança que dorme cedo, mas acorda muito cedo também e às 5h30 já está ativo pela casa”, comenta.

 

 

Devido à trissomia, João sempre foi uma criança muito estimulada e a falta repentina das suas atividades diárias complicou o começo da quarentena. No começo do isolamento, Bia conta que se precaveu e buscou o material de homeschooling no colégio do João para dar andamento ao processo educativo em casa, procurou diversas atividades na internet, mas o garoto simplesmente não quis fazer e ela não forçou.

 

 

João se deu férias desde o início do isolamento e para Bia restou fazer adaptações caseiras de algumas atividades, como algumas que ele fazia com a terapeuta ocupacional, e introduziu outras como recortar revistas, escrever para o coelho da Páscoa, motivá-lo a contar histórias e dançar. Foi a maneira que ela encontrou de continuar o estímulo, mesmo dentro de casa o tempo inteiro. “Estou tentando fazer com o que o mundo, pelo menos aqui dentro da nossa casa, gire normalmente”, afirma.

 

 

Entre uma atividade e outra, Bia dá sequência ao trabalho. Para ela, a parte mais complicada da nova rotina do isolamento é fazer o João entender que apesar de estarem todos em casa, ao mesmo tempo não estão. “Estamos na sala, o tempo inteiro ao lado dele, mas não fazemos exatamente o que ele gostaria que fizéssemos. Mas quando conseguimos fazer, é muito gostoso. O lado bom é ter os poucos, mas ótimos momentos em família. Quando consigo sair do computador, quando coincide do meu marido também não estar trabalhando, que o João está de bom humor e conseguimos fazer algo juntos como ver um seriado, dançar, ler um livro, é algo realmente gratificante”, comenta. 

 

 

Poder amenizar um pouco a rotina de atividades também foi positivo para a família, principalmente para a criança.“Tiramos da frente todo aquele pacote de atividades que ele faz há seis anos e, por um lado foi bom, porque ele descansou um pouco. Estamos em casa, todos seguros, sem a correria do dia a dia, sem aquela coisa de não precisar correr contra o relógio. Isso tem sido muito bacana e é muito salutar para o João”, enfatiza.

 

 

UMA JORNADA ESPECIAL

 

 

Outra mãe incrível e que tem boa parte do seu dia voltado às atividades da filha é Tânia Cristina Cristofoletti Benini, mãe da pequena Laura, de cinco anos. A jornada especial de Tânia começou na trigésima semana de gestação, que até então caminhava muito bem. Após ser surpreendida por um líquido escorrendo pelas pernas, foi para o hospital e teve a notícia de que precisaria de uma cesariana, pois ela e a filha corriam riscos.

 

 

Laura nasceu com menos de 2 kg e foi encaminhada para a UTI neonatal. Após aproximadamente 12 horas do seu nascimento, teve uma parada cardíaca, mas aparentemente a situação foi normalizada. Dois dias após o nascimento veio a segunda parada cardíaca e a bebê demorou 15 minutos para voltar. Por conta disso, Laura teve uma hemorragia no cérebro grau 2 e foi diagnosticada com paralisia cerebral.

 

 

Tânia e a pequena Laura

Tânia voltou para casa e sua filha seguiu internada em estado grave e sem muitas expectativas por parte dos médicos. Tânia queria apenas uma coisa: que sua filha sobrevivesse e que ela pudesse se dedicar e cuidar dela com todo o amor que precisava. Laura chegou a ser batizada ainda na primeira semana de vida, no próprio hospital e após muito medo, quase 30 dias de intubação e ao mesmo tempo, a maior fé do mundo, a bebê começou a reagir. A função renal aos poucos foi voltando, ela foi melhorando e após 60 dias teve alta e foi para casa, mas com os piores diagnósticos possíveis. “Os médicos me disseram que ela seria uma criança extremamente limitada e que conseguiria mexer apenas os olhinhos, mas minha filha estava viva e indo para casa comigo, então nada mais me importava. Pedi muito a Deus que me permitisse criá-la independentemente das circunstâncias”, conta.

 

 

O sonho de Tânia era ser mãe e ela sempre disse que daria um tempo na vida profissional para se dedicar aos filhos. E assim ela o fez. Antes de Laura nascer, Tânia trabalhava como auxiliar administrativo e, mesmo após alguns anos, a rotina de atividades e tratamento a impediam de ter um trabalho em período integral. Atualmente ela é cuidadora da avó.

 

 

Sua dedicação inicial com a bebê foi com a amamentação, pois sabia da importância do leite materno para qualquer bebê, ainda mais para a dela, prematura e tão frágil. Tirava o leite em casa para doar ao hospital, com isso foi estimulando a sua produção. Laura mamou até os dois anos e oito meses, idade em que ela andou.

 

 

Assim que saiu do hospital começou a saga de tratamentos como neurologista, pneumologista, cardiologista e tantos outros profissionais. Laura também precisou passar por uma cirurgia oftalmológica pouco antes de completar dois anos.

 

 

Atualmente a rotina de tratamento da garotinha inclui atividades com terapeuta ocupacional, fonoaudióloga, fisioterapeuta e equitação terapêutica. No dia a dia, a rotina da mãe se encaixa na agenda da filha. “Pela manhã estamos juntas em suas atividades e à tarde como ela vai para a escola, é o tempo que preciso para fazer as minhas coisas. Quando ela está comigo a atenção tem que ser só dela e se vou fazer algo ela quer participar e as coisas acabam não evoluindo da maneira que preciso”, explica.

 

 

Assim como na vida do João Pedro, o estímulo também faz toda diferença para a Laura por conta do desenvolvimento motor e psíquico. Pouco após os dois anos e meio, os médicos orientaram a família a procurarem uma escola, pois a menina precisava de contato com outras crianças. Com menos de um mês frequentando o colégio, Laura andou e nunca mais parou.

 

 

Hoje, com cinco anos, ela é ativa, comunicativa, alegre, inteligente, esperta e extremamente desenvolvida. Adora a escola e os amigos e, infelizmente, está sentindo muito a falta da sua rotina diária. Tânia conta que já perceberam uma diferença física no andar dela, pois o cérebro manda informação errada para os nervos e o caminhar tem sido nas pontas dos pés. “As sessões de fisioterapia foram suspensas e como ela não faz a descarga na perna, o nervo atrofia. Além disso, ela precisa do contato com os amigos para o desenvolvimento psíquico e isso tem feito muito falta em tempos de quarentena”, afirma.

 

 

Os demais tratamentos com fonoaudióloga e terapeuta ocupacional até poderiam ser mantidos por sessões online, mas a família optou por não fazer desta forma, pois seria inviável e pouco proveitoso para ela e ainda causaria um possível estresse devido à distância. “O isolamento social já é difícil por si só e seria um pouco mais complicado para ela, então evitamos”, conta.

 

 

O colégio da Laura, antes de adiantar o período de férias, enviou uma série de trabalhos para as crianças desenvolverem em casa, o que foi complicado para Tânia dar conta com uma série de imprevistos que chegaram junto com o isolamento. Devido a um problema de saúde do pai da Tânia, a rotina da família foi ainda mais alterada. “Ela é uma criança muito ativa e sempre nos preocupamos com a motivação dela. Tem sido muito complicado, pois a Laura nos pede para ir à casa dos avós, passear e brincar fora de casa e não podemos”, explica.

 

 

A saída encontrada por Tânia foi o brincar cada vez mais ativo em sua casa e ela se transforma ao longo do dia na mãe mulher maravilha, princesa, na Luna – uma personagem de desenho infantil – além de procurar atividades que exploram a imaginação da criança como fazer cabana embaixo da mesa de jantar.

 

 

“Mãe especial é um adjetivo que tem um peso muito grande. Dizem que os filhos nos escolhem e apesar de todo o medo e dificuldade que passamos, nunca imaginei que pudesse ser escolhida por uma filha tão linda, amorosa e guerreira como a Laura. Ela me ensina todos os dias”, finaliza.

 

 

Reportagem: Aline Queiroz

Fotos: Arquivo pessoal

Foto DESTAQUE: AdobeStock

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