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Post: A superexposição e a coragem de uma estrela

A superexposição e a coragem de uma estrela

“O desabafo da apresentadora escancara uma triste e dolorosa realidade que muitos fazem questão de esconder: infelizmente, casos de abuso sexual são mais corriqueiros do que se imagina. Permanecer indiferente é também uma forma de compactuar com as mentes doentias que praticam tais atos”

Diretamente relacionada com a fama, à superexposição exige que as celebridades estejam preparadas para enfrentar o assédio. É como se assinassem uma espécie de contrato invisível, cuja cláusula principal estabelece que, a partir do momento que alcançam o tão sonhado reconhecimento, elas são obrigadas a abdicar (quase que) totalmente de sua privacidade. Seus passos, então, se tornam alvo da curiosidade – algumas vezes insana e doentia – de milhões de pessoas.

Há, portanto, quem goste de brincar de Big Brother o ano inteiro. Este grupo se esquece que artistas também são seres humanos e rebaixa-os a condição de “peças” que podem ser manipuladas, tais quais os bonecos de ventríloquo. Tomo emprestadas as palavras do premiadíssimo ator Wagner Moura, que – depois de ser surpreendido por uma equipe de televisão, onde um dos integrantes tentou passar gel, à força, em seu cabelo – desabafou em um texto publicado originalmente no jornal “O Globo”, alertando para um fenômeno que ele chamou de “espetacularização da babaquice”.

“A mediocridade é amiga da barbárie! E a coisa tá feia. Digo isso com a consciência de quem nunca jogou o jogo bobo da celebridade. Não sou celebridade de nada, sou ator. Entendo que apareço na TV das pessoas e gosto quando alguém vem dizer que curte meu trabalho, assim como deve gostar o jornalista, o médico ou o carpinteiro que ouve um elogio. Gosto de ser conhecido pelo que faço, mas não suporto falta de educação. O preço da fama? Não engulo essa. Tive pai e mãe”, argumentou o protagonista de “Tropa de Elite”.

Ávidos por vender notícias, alguns veículos de comunicação lançam mão de quaisquer métodos – atirando junto, pelo ralo, eventuais resquícios de credibilidade – para garantir sua matéria de capa (no caso da mídia impressa) ou alguns pontos a mais na audiência, quando se trata de televisão, ainda que tal objetivo seja alcançado à custa do constrangimento alheio: como cães de caça, eles farejam qualquer deslize de seus “alvos”.

O absurdo é maior ainda quando se constata que, algumas pessoas, por razões que eu não consigo compreender, aceitam se submeter a tais situações. Sucesso entre os jovens, o programa “Pânico” – agora na Rede Bandeirantes – pode ser apontado como um, dentre muitos exemplos, que ratificam esta teoria. Não raramente, a trupe liderada por Emilio Surita extrapola os limites do humor e apela para o bizarro: recentemente, uma das assistentes de palco foi “obrigada” a raspar os cabelos ao vivo, com a justificativa de satisfazer a um desejo dos telespectadores.

Comportamentos como este ajudam a entender a postura de determinadas celebridades, que constroem uma bolha de vidro imaginária e nela se fecham, para que sua vida pessoal não se transforme no principal assunto do café da manhã do dia seguinte. Depois de algum tempo, o cuidado com a escolha das palavras transforma-se em um hábito natural, tendo em vista a repercussão que qualquer declaração mal dita – ou, pior, tirada de seu contexto original – pode provocar.

Em tempos onde a internet se consagra como um dos meios de comunicação mais populares do país, este é um risco ainda maior, já que toda informação pode ser compartilhada instantaneamente. A soma de todos esses fatores torna ainda mais louvável à atitude de alguém que – mesmo sem qualquer necessidade – vai de encontro a esta tendência e decide expor sua intimidade, reabrindo uma velha ferida do passado em rede nacional, para que isso sirva de alerta.

Foi o que fez Xuxa Meneghel, no “Fantástico” do dia 20 de maio. À equipe do quadro “O que vi da vida”, a apresentadora, hoje com 49 anos, revelou que até os 13, foi vítima de abusos sexuais, cometidos, por pelo menos três pessoas. “Pelo fato de eu ser muito grande, chamar a atenção, eu fui abusada, então eu sei o que é. Sempre achei que estava fazendo alguma coisa: ou era minha roupa ou era o que eu fazia que chamava a atenção, porque não foi uma pessoa, foram algumas pessoas que fizeram isso. E em situações diferentes, em momentos diferentes da minha vida. Então ao invés de eu falar para as pessoas, eu tinha vergonha, me calava, me sentia mal, me sentia suja, me sentia errada”, revelou.

Como era de se esperar, a confissão daquela que é um ícone para muitas gerações – especialmente àquela que cresceu assistindo ao seu primeiro programa na Rede Globo, o “Xou da Xuxa” – transformou-se no assunto mais comentado daquele final de domingo e também por todo o dia seguinte. Em meio às várias manifestações de apoio – que a loira agradeceu em seu perfil oficial no Facebook – houve, no entanto, quem classificasse a entrevista como jogada de marketing.

Tal argumento revela, no mínimo, a falta de sensibilidade de algumas pessoas: não gostar do trabalho de Xuxa é um direito de todos, mas é cruel demais permitir que essa antipatia se sobreponha ao teor das declarações. O desabafo da apresentadora escancara uma triste e dolorosa realidade que muitos fazem questão de esconder: infelizmente, casos de abuso sexual são mais corriqueiros do que se imagina. Permanecer indiferente é também uma forma de compactuar com as mentes doentias que praticam tais atos.

Faz-se necessário ressaltar que, bem antes de esta notícia vir à tona, a gaúcha já se mostrava engajada na defesa dos direitos das crianças: ela apoia as campanhas “Não Bata, Eduque” e “Carinho de Verdade”, além de emprestar sua imagem ao “Vira Vida”, projeto do Sesi cujo objetivo é orientar crianças e adolescentes explorados nas ruas. Há, ainda, a Fundação que leva o seu nome, no Rio de Janeiro, que hoje atende a 450 menores.

Ainda que eu menosprezasse a vitoriosa carreira que construiu em mais de 25 anos de Rede Globo, Xuxa teria meu respeito só pela coragem de tocar em um assunto tão íntimo e espinhoso. Que esta atitude sirva de exemplo às vítimas, incentivando-as a denunciar e a buscar o apoio necessário. E também para as autoridades, que podem e mais do que isso, devem, intensificar as ações de conscientização e combate à pedofilia. À rainha, todos os aplausos e minha admiração.

Piero Vergílio é jornalista freelancer. Colabora com as publicações da Editora Clipping e mantém o blog www.pierojornalista.blogspot.com

foto: Reprodução da TV/Fantástico

 

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