O uso perseverante da meditação mindfulness, mesmo por dez minutos diários, traz efeitos de longo prazo – clareza cognitiva, maior criatividade e o predomínio de sentimentos positivos sobre os negativos
A meditação mindfulness, chamada de Vipassana pelo budismo secular, foi trazida para o ocidente nos anos 90. O neurocientista Jon Kabat-Zinn viu nela a possiblidade de ajudar pessoas, com dor, inflamações e doenças imunológicas. O resultado foi positivo. Mas o tema ganhou rapidamente o interesse de outras plateias: foi para as universidades, o governo, as forças armadas e hoje está presente nas grandes corporações norte-americanas.
Mas afinal, qual é o motivo que gerou esse interesse organizacional pelo mindfulness? Segundo a HSM Management, principal publicação de gestão e liderança do Brasil, trata-se de um método que permite a aliviar a sobrecarga mental dos executivos e contribuir para que eles consigam dedicar mais atenção às tarefas diárias. Bem, são motivos que seguramente capturam o interesse dos gestores para o tema. No entanto, o alcance do movimento mindfulness é mais longo. Ele pode ser definido como o autoprocesso pelo qual trazemos a atenção da mente para as experiências internas e externas que ocorrem no momento presente. O hábito desse exercício, que pode ser de poucos minutos, tem efeitos imediatos e de longo prazo.
O efeito imediato da meditação mindfulness (MM) é o corte da escalada momentânea da reação de estresse. Ao trazer a mente ao estado presente, ela abandona as tergiversações do que ocorreu (real ou imaginário) e abandona cenários ou monólogos para o futuro. Em minutos a adrenalina cai, a dopamina é reequilibrada, o coração sossega e a produção de cortisol é estancada.
O uso perseverante da MM, mesmo por curtos períodos como por dez minutos, traz efeitos de longo prazo – clareza cognitiva, maior criatividade e o predomínio de sentimentos positivos sobre os negativos. Estudos neurológicos que utilizaram as imagens do cérebro por ressonância magnética revelaram que a MM é acompanhada de desenvolvimento de neurônios em áreas específicas do cérebro, um conceito denominado de neuroplasticidade. Não há nenhuma forma de dieta ou exercício físico ou treinamento mental que faça esse tipo de revolução cerebral.
Confira abaixo alguns motivos para aprender a permanecer offline por, pelo menos, dois minutos diários. A prática persistente produzirá resultados surpreendentes.
1. Felicidade
Alguém poderia imaginar que o ato de estar focado no presente tenha algo a ver com a felicidade? De fato, a prática do foco no momento presente permite desenvolver uma qualidade chamada de equanimidade (constância, igualdade de temperamento em qualquer circunstância). Ao longo do tempo, a atitude de equanimidade que surge em situações potencialmente estressantes ou difíceis conduz à percepção de felicidade. Muitas pessoas que se tornam mindful referem melhora global do humor, redução do estresse e elevação da qualidade de vida. Como a psicóloga e PhD em Neurociências Sarah Roberts exemplifica, “é sublime poder sentir a água correr pelas costas durante o banho da manhã; é gratificante poder ouvir o filho descrever o seu dia sem ficar olhando para ele e pensando na lista de coisas a fazer. O exercício do foco no momento presente nos protege de passar o tempo todo no passado, ruminado sobre o futuro, inventando situações hipotéticas provocadoras de ansiedade.” E como exatamente a meditação mindfulness conduz à felicidade? Uma teoria moderna que explica essa ligação vem da discrepância do self, a diferença ou a distância entre o nosso eu real e nossa imagem ideal do eu. Esse modelo sugere que todos nós estamos motivados a reduzir a diferença entre o que somos e o que desejamos ser, aliviando o desconforto psicológico provocado quando essa diferença é muito grande. A atenção plena da meditação mindfulness promove essa redução; e, em seu rastro, nos faz ficar felizes.
2. Sem estresse
A intervenção mindfulness efetivamente promove uma redução do estresse negativo; faz com que a pessoa se avalie melhor e corrija o seu ímpeto emocional. A estrutura responsável pelas reações emocionais de estresse é denominada de amígdala cerebral; um estudo publicado por autores da Universidade de Massachusetts em 2010 demonstra que a meditação mindfulness reduz a hiper-reatividade da amígdala cerebral em indivíduos estressados. A prática do mindfulness faz com que as reações de estresse sejam substituídas pela equanimidade.
3. Memória eficaz
De modo geral, quem está bem, em plena posse de suas funções cognitivas e emocionais, lembra melhor. A atitude mindfulness age em benefício da memória. Também é preciso relembrar que o estresse e as reações intempestivas elevam a taxa sanguínea de cortisol, um hormônio produzido pela glândula adrenal a serviço do medo, da raiva e do estresse. Estudo publicado em 2013 examinou os níveis de cortisol em 30 estudantes de medicina antes e depois de um treinamento de quatro dias em meditação mindfulness; a taxa de cortisol sofreu redução imediata. Sabe-se que os elevados índices de cortisol fazem mal à parte do cérebro chamada de hipocampo, onde são guardados os extensos arquivos de toda nossa memória. Com esse dano, passamos a esquecer nomes, datas e objetos que deveriam ficar armazenados. A meditação mindfulness é considerada uma blindagem à memória.
4. Sono reparador
Há uma relação direta entre meditação e sono, na medida em que em ambas as situações há uma redução do ritmo cerebral alfa/beta para um ritmo delta, mais lento. Quem apreende a ser mindful, automaticamente desenvolve melhor capacidade para adormecer. Não se trata somente do sono reparador da noite; um breve período de sono durante o dia, igualmente reparador, faz com que a pessoa recupere sua energia. Essa forma de meditação também ajuda a recuperar a capacidade de adormecer em pessoas que sofrem de insônia. Em um estudo publicado no conceituado semanário Jama, os pesquisadores examinaram 49 adultos de meia-idade com problemas para dormir. Metade deles completou um programa de meditação mindfulness; a outra metade completou uma aula sobre maneiras de melhorar seus hábitos de sono. Ambos os grupos se reuniram se seis vezes, uma vez por semana, durante duas horas. Em comparação com as pessoas do grupo educacional sobre o sono, as pessoas do grupo mindfulness corrigiram rapidamente seu problema de insônia, relatando menos fadiga e melhores escores de depressão no final dos seis sessões.
5. Melhor imunidade contra doenças
Hoje em dia há centenas de estudos que comprovam a conexão entre mindfulness e o sistema imune. Anteriormente já se sabia que pessoas com elevados níveis de estresse e de cortisol circulantes apresentavam linhas reduzidas de defesa imunológica. A meditação mindfulness é uma maneira efetiva, rápida e com grande custo-benefício para corrigir isso. Um estudo publicado na Psychosomatic Medicine há alguns anos comparou um grupo de meditadores com outro de não-meditadores. Ambos receberam uma vacina contra a gripe; mais tarde, quando os anticorpos foram mensurados, verificou-se que o grupo de meditadores estava muito mais protegido contra a gripe do que os não-meditadores. A mesma regra vale para pessoas adoecidas. Um estudo de pesquisadores da Universidade de Chicago concentrou-se em mulheres acometidas de câncer de mama. Parte delas matriculou-se em um curso em meditação mindfulness e outra parte seguiu com o tratamento convencional. Todas as mulheres apresentaram, no início, baixo índice de células imunológicas do tipo NKCA e IFN-gama; aquelas que se aprofundaram na meditação mindfulness apresentaram retorno dessas células imunológicas aos níveis normais. A conclusão dos estudos modernos – em confirmação ao que os sábios antigos do mundo oriental já preconizavam – é que a atenção voltada ao presente de forma desprovida de julgamento é forte aliada para manter ou reequilibrar o organismo para defender-se de micro-organismos ou de doenças.
6. Mais atenção e concentração
O desenvolvimento da atenção e da concentração são ferramentas poderosas da meditação mindfulness. Quem diz ser fácil ficar no presente durante dois minutos nunca de fato experimentou meditar. A atenção da mente no batimento do coração, umas das pérolas do mindfulness, requer o engajamento alguns milhões de neurônios do cérebro para estabelecer um campo em torno do tempo presente em modo real. A técnica de mindfulness é capaz de tornar a passagem do tempo mais real. Pesquisadores da Universidade de Kent comprovaram este aspecto, mostrando que a percepção do tempo através do mindfulness faz com quem a meditação da atenção plena possa ser usada para o tratamento de manifestações psicológicas associadas a distorções do tempo, como os distúrbios de memória, das emoções e a dependência de drogas.
7. A vida pela vida
A melhora dos sintomas de depressão e ansiedade foi um dos grandes ganhos da meditação mindfulness. Quando Jon Kabat-Zinn iniciou seu programa de Redução do Estresse Baseada em Mindfulness, seu principal objetivo era a redução da dor em pacientes com certos tipos de reumatismo. Hoje, já há estudos que comparam a terapia baseada em mindfulness com a terapia cognitivo-comportamental e até mesmo o tratamento com medicações para o tratamento da depressão e da ansiedade. Os resultados são semelhantes. E há uma vantagem – a recuperação da depressão via mindfulness deixa um legado, um reequilíbrio, na forma de outra forma de viver, uma vida baseada no aqui e agora, sem ruminações do passado nem previsões irrealistas do futuro que não vão se concretizar. É a vida pela vida.
Aqui, agora!
É simples, basta trazer seu pensamento para o aqui, agora! Uma maneira de começar é criar “pistas” para puxá-lo para o presente quando sua mente, inevitavelmente, começar a vagar. Por exemplo, enquanto come, não se esqueça de saborear cada mordida cada vez que você colocar o seu garfo na boca. Há diversos aplicativos na internet que ensinam a técnica passo a passo. Aqui citaremos algumas maneiras: Tente levar a consciência do aqui e agora para cada atividade do seu dia. Geralmente fazemos as atividades diárias de forma mecânica, automática e inconsciente. A partir de agora, todas as vezes que você for fazer alguma destas atividades, deliberadamente foque e preste atenção no que você está fazendo no momento da ação. Exemplos:
1.Tomando banho: Quando tomar um banho, imagine que é a primeira vez sentindo a água, sentindo o cheiro do sabão, ou vendo o vapor como ele muda perante os seus olhos. Repare na temperatura da água e no movimento de suas mãos enquanto toma banho. Observe o que você está fazendo no momento e toda vez que sua mente for para qualquer outro lugar, gentilmente traga-a para o aqui e agora, estando consciente de cada movimento e sensação.
2. Comendo: Até mesmo uma refeição ou lanche torna-se uma oportunidade para fazer uma pausa e refletir. Quando for comer algo deixe de lado as distrações. Agora observe tudo, desde o ato de segurar o garfo e levá-lo à sua boca a todas as sensações que vão surgir: o ato de comer, o sabor dos alimentos, a textura, o contato dos seus dentes com o alimento, a mastigação e assim por diante.
3. Com as outras pessoas: Seja presente com essa pessoa, escute tudo, preste atenção, não julgue, seja curioso. Converse com ela como se fosse a primeira vez, como um namorado apaixonado que quer saber tudo e ouvir tudo da outra pessoa.
A prática
Para começar a meditação, tente reservar cinco minutos por dia para a prática. Lembre-se de que você nunca será capaz de ficar muitas horas em estado de mindfulness, pois a mente humana é programada para vagar. Fique tranquilo se perder a concentração. Respire! Sente-se confortavelmente em um lugar quieto, mãos sobre as coxas (palmas para cima ou para baixo) e respire naturalmente. Relaxe, focando nas sensações de seu estômago, peito ou narinas. Esteja ciente do sentido da sua própria respiração. Não precisa mudar o seu ritmo, apenas sinta a sensação física da sua respiração entrando e saindo do corpo. Seja presente! Assim que perceber que está pensando em outro assunto, observe o que está pensando e guie suavemente a sua atenção de volta para a respiração. Mindfulness na respiração é tão simples como isso. Trazer uma sensação de atitudes conscientes para a sua experiência, como a curiosidade, a bondade e a aceitação. Pode fazer este exercício num espaço de tempo tão curto quanto um minuto, ou então prolongá-lo o tempo que desejar.
*Dr. Martin Portner é neurologista e mestre em Neurociência pela Universidade de Oxford e especialista em Mindfulness. Há mais de 30 anos divide suas habilidades entre atendimentos clínicos e palestras, treinamentos e workshops sobre sabedoria, criatividade e mindfulness. Contato: www.martinportner.com.br
foto: BIRF