Estudante de Letras, a ituana Mayra de Souza Fontebasse encontrou, no ano passado, três poemas desconhecidos e inéditos em livro, do poeta modernista brasileiro Carlos Drummond de Andrade
Uma nova descoberta para a literatura brasileira! Aluna do último ano de Letras da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), a ituana Mayra de Souza Fontebasso encontrou três poemas desconhecidos do poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade. Cursando Licenciatura Plena com área de atuação em Literatura Brasileira, a descoberta se deu em função da pesquisa de Iniciação Científica de Mayra intitulada “Os modernistas e a revista Raça (1927-1934)”.
Financiada pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) a pesquisa de Mayra tem como objeto de estudo a revista Raça, publicada na cidade de São Carlos entre os anos de 1927 e 1934, que tinha como colaboradores autores ligados ao movimento modernista como Cassiano Ricardo, Menotti Del Picchia, Mário de Andrade e o próprio Carlos Drummond de Andrade.
Tudo começou em 2012, quando Mayra fez um estágio na seção de Arquivo da Fundação Pró-Memória de São Carlos (FPMSC), onde tinha como função descrever fotos antigas do acervo do jornalista são-carlense Octavio Carlos Damiano. “Um acervo riquíssimo composto por muitos jornais e revistas, além de recortes comentados sobre fatos da cidade, pois Octavio Damiano foi um cronista muito conhecido em seu tempo. Em meio a esses recortes que ele guardava e que a família doou à FPMSC encontrei um pedaço de jornal no qual havia notícia antiga sobre a ‘famosa revista modernista de São Carlos’, em referência à revista Raça. Ali começou tudo e resolvi aproveitar o tempo livre no estágio para procurar a tal revista”, conta a estudante, que deu sequência à pesquisa e percebeu que poderia estudar a manifestação modernista no Interior paulista. Apenas em 2015 que Mayra conseguiu com uma bolsa do CNPq -que acrescentada a recursos próprios- pôde estudar profundamente o assunto. “Lá pela metade do ano que vem (2016) devo publicar o relatório da pesquisa, resultado de um primeiro mapeamento dos escritos modernistas; e no mesmo período defenderei o meu Trabalho de Conclusão de Curso na mesma área de Literatura Brasileira e, dadas as atuais condições, com uma ênfase muito maior nos poemas do Carlos Drummond de Andrade, encontrados recentemente”, explica a pesquisadora e acrescenta que a pesquisa resultará um artigo científico.
Os poemas de Drummond encontrados por Mayra e inéditos em livro foram publicados em junho de 1929 na revista Raça, mas segundo ela e seu orientador, o Prof. Dr. Wilton José Marques, são provavelmente poemas escritos no início dos anos de 1920. A estudante conta que num primeiro momento ficou intrigada com os poemas, pois são diferentes dos habituais que consagraram Drummond na literatura nacional. Os poemas – “Poemas Perdidos” – estão escritos em prosa poética com evidentes traços simbolistas e penumbristas, ou seja, marcados por um tom melancólico e pelo uso reiterado de reticências, além da assinatura “Carlos Drummond”, sem o “Andrade”.
Depois de encontrá-los, Mayra e seu orientador buscaram saber se esses poemas já haviam sido catalogados. O passo seguinte foi consultar o poeta e crítico Antônio Carlos Secchin, membro da Academia Brasileira de Letras, que em 2012 organizou a publicação do livro “Os 25 poemas da triste alegria”, do próprio Drummond, com poemas contemporâneos aos encontrados, constatando assim, o ineditismo dos poemas. “Então eu tinha a pedra no meio do caminho e precisava entender se aquela pedra bruta era mesmo Drummond, além de dimensionar o seu quilate, o seu valor. Até confirmarmos nossa intuição passou-se um mês, no máximo. Wilton me indicou livros valiosíssimos como “Bibliografia comentada de Carlos Drummond de Andrade”, de Fernando Py, que fez um levantamento minucioso de toda a obra drummondiana publicada de 1918 a 1934, e os poemas da revista são-carlense não apareciam nesse levantamento. Depois, fui orientada a consultar o “Inventário do Arquivo Carlos Drummond de Andrade”, que possui mais de 2 mil itens aos cuidados da Fundação Casa de Rui Barbosa, e tampouco encontrei qualquer referência aos poemas da revista Raça. Finalmente li com cuidado a obra que me foi mais fundamental, de Antônio Carlos Secchin, que traz um livro escrito por Drummond em 1924, do mesmo período dos poemas da revista Raça e que foi fundamental, pois nele há semelhanças estéticas e a informação garantida referente aos nomes usados por Drummond, sendo que a assinatura “Carlos Drummond”, sem o “Andrade”, é comum na obra do escritor dos anos 1920”, detalha a ituana e ressalta. “Li outros livros, dissertações e teses, de maneira que continuo estudando mais sobre essa fase jovem do poeta de Itabira (MG), mas foi graças ao professor Secchin que tivemos a certeza de que os poemas eram até então desconhecidos”.
Destino dos poemas
Mayra afirma que o fato mais importante nessa descoberta é lançar luz à importância da pesquisa de base em literatura reforçando a relevância do processo de formação dos escritores e dos poetas. Assim, a colaboração de Carlos Drummond de Andrade à revista são-carlense entra definitivamente na biografia do poeta e contribui para fortalecer estudos e reflexões mais profundas sobre as manifestações modernistas no Interior paulista. Entretanto, o destino desses poemas depende dos detentores dos direitos autorais do poeta. Ela assegura que os poemas constarão no material publicado como resultado de sua pesquisa científica. Questionada sobre o sentimento perante os achados, ela se diverte: “Costumo brincar dizendo que ‘virei’ pesquisadora. Não esperava todo esse barulho e não tinha dimensão da paixão nacional que os brasileiros sentem pelo Drummond. Particularmente tenho uma relação muito estreita com a poesia dele desde a juventude e para mim era um autor intocável, que eu nunca conseguiria estudar academicamente. E olha só! Cá estou. Ser mulher, mãe, universitária, trabalhadora e, agora, pesquisadora não é fácil. Mas tenho muita paixão e obsessão pelo o que estudo, agora minha meta é ter tempo e conseguir, aos poucos, fomento e apoio financeiro para que eu possa me dedicar à pesquisa, que deve sempre ser feita com muito comprometimento. Vá saber quantas pedras mais aparecerão no meio do meu caminho depois dessa pepita de ouro que o Drummond chutou e deixou aí, torcendo para que ninguém a descobrisse. Não deu, Drummond, não rolou, te achei!”, encerra às brincadeiras.
texto: Gisele Scaravelli
foto: Reprodução