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Post: A romancista Míriam Leitão

A romancista Míriam Leitão

“Eu me lembro que, ao terminar de ler ‘Grande Sertão: Veredas’, deixei o livro para a minha irmã com um bilhete dizendo assim: ‘Guimarães Rosa escreve colorido.’”

A jornalista e comentarista de economia Míriam Leitão estreia como romancista depois de vencer o prêmio Jabuti de não-ficção em 2012

 “Escrever ficção era um sonho antigo que eu acalentava secretamente, no meu cotidiano árido do jornalismo econômico. Foi uma experiência forte e apaixonante.’’ É o que revela a mineira Míriam Leitão, jornalista, comentarista econômica e autora de dois livros de não ficção (‘Convém sonhar’, em 2010; e ‘Saga brasileira’, em 2012) e dois infantis (‘A perigosa vida dos passarinhos pequenos’, em 2013; e ‘A menina de nome enfeitado’, em 2014). Em 40 anos de profissão, recebeu diversos prêmios, entre eles o Maria Moors Cabot, da Universidade Columbia, de Nova York, e o Jabuti de Livro do Ano de Não Ficção em 2012 por ‘Saga brasileira’.

Com o novo “Tempos extremos”, ela se envereda pelo romance e transita dos flagelos da escravidão, no século XIX, aos subterrâneos do regime militar brasileiro, no século XX. Sua protagonista, Larissa, percorre diferentes momentos do tempo para desvendar os mistérios que envolvem a centenária fazenda Soledade de Sinhá, incrustada entre as montanhas de Minas Gerais. Ávida leitora de romances, especialmente da literatura latino-americana e brasileira — seu livro de cabeceira é ‘Grande Sertão: Veredas’, de João Guimarães Rosa —, Míriam escreve uma história passada no Interior de Minas em que a protagonista, nos tempos atuais, persegue a sua intuição e se deixa levar pelas visões que revelam os segredos escondidos no porão da imponente fazenda.

De certo modo, Míriam manteve seu lado jornalista durante a construção do livro. Há anos se debruça sobre documentos, registros históricos e livros que relatam as atrocidades cometidas contra os escravos no Brasil. Devido ao interesse pessoal e às coincidências da profissão, a jornalista teve a oportunidade de produzir a reportagem sobre as descobertas do Valongo e do cemitério dos pretos novos localizados na zona portuária carioca, em “Arqueologia da escravidão”. O outro especial abordou os familiares que sofrem até hoje com o desaparecimento político de seus entes, em “Caso Rubens Paiva: uma história inacabada”. As duas reportagens exibidas pela Globo News foram agraciadas com prêmios jornalísticos: Prêmio Abdias Nascimento 2012 na categoria menção honrosa e Prêmio Vladimir Herzog de 2012 na categoria reportagem de TV, respectivamente.

Como ficcionista, Míriam Leitão mantém a postura que marcou sua trajetória de jornalista: não faz perguntas fáceis. Nem abre caminhos para zonas de conforto. Confira a entrevista da escritora e jornalista à Revista Regional, na qual revela detalhes de sua nova obra e da carreira.

 Como a senhora descobriu a literatura? Sua família incentivava a leitura?

Míriam Leitão: Embora a cidade de Caratinga, no Interior de Minas Gerais, não tivesse bibliotecas públicas (tive apenas a biblioteca da minha escola), meu pai era um leitor ávido. Ele ascendeu da pobreza extrema por meio da educação e os livros sempre tiveram um papel importante na casa. Eu sou a sexta filha de um total de 12 crianças e, logo na saída do quarto das meninas — onde habitávamos eu e mais quatro irmãs — havia uma grande estante de coleções de livros de contos de fadas. Junto a eles, ficavam todos os títulos de Monteiro Lobato e todos os títulos da coleção ‘Tesouro da Juventude’.

 Qual o primeiro livro que leu e qual o romance mais marcante da sua vida?

Desde pequena, como contei, tinha estímulo a ler. Até mesmo por isso, não me lembro qual o primeiro livro que li, mas da sensação da primeira leitura. Logo que fui alfabetizada, peguei um volume na estante e li. Mas terminei sem entender nada. Sabe quando você lê as palavras, mas não as compreende? Não fiquei satisfeita e me pus a ler novamente. Cinco vezes. Por fim, entendi a história. Essa foi a minha primeira leitura. Aos oito anos o livro ‘As aventuras do Barão de Munchausen’ me marcou muito. Até hoje uso algumas expressões da história! No início da adolescência, por volta dos 11 anos, entreguei-me aos clássicos: Jane Eyre, Dom Casmurro… Meu pai disse que era cedo para entrar no Realismo, muito pesado para uma mente ainda jovem demais. Deixei Machado de Assis de lado e li todos os livros de José de Alencar, por sugestão dele. Depois, terminei toda a obra de Machado de Assis. A leitura mais marcante da minha vida, sem dúvida, aconteceu aos 16 anos: ‘Grande Sertão: Veredas’, de João Guimarães Rosa — que até hoje tenho em minha cabeceira. Eu me lembro que, ao terminar de ler, deixei o livro para a minha irmã com um bilhete dizendo assim: “Guimarães Rosa escreve colorido.”

Seu romance, ‘Tempos extremos’, transporta o leitor a diferentes períodos históricos com fluidez e sensibilidade e retrata parte do folclore do Interior do Brasil com episódios sobrenaturais, algo muito característico da literatura latino-americana. Quais seriam os autores que mais a marcaram?

Toda a minha geração ficou enamorada com o realismo fantástico — li e guardo com carinho ‘Cem anos de solidão’, de Gabriel García Márquez, entre outros escritores latino-americanos. Mas também li Tolstoi, Dostoiévski, Hemingway, Graciliano Ramos (aos 14 anos, li ‘Vidas secas’ pela terceira vez), Doris Lessing, Simone de Beauvoir.

A senhora é premiada como jornalista e como escritora de não ficção, quando decidiu que era o momento de escrever um romance?

Ao contrário de muita gente, entrei para o jornalismo por gostar de notícia mesmo, não por querer ser escritora. Temia, apesar de querer muito, escrever livros. O livro é um objeto tão sagrado… Disse a um professor, aos 11 anos de idade, que queria ser escritora — essa foi a única vez que confessei esse desejo, essa fantasia. Esse primeiro romance não foi premeditado. Eu não sentei e decidi escrever uma ficção. Ela se impôs. Numa tarde de sábado, em 2011, após o lançamento do ‘Saga’ (a não ficção ‘Saga Brasileira’), imaginei uma cena e, como não estava fazendo nada, resolvi pô-la no papel. Então, pensei: vou escrever um conto. Segui escrevendo e os personagens continuavam comigo — e comecei a me enamorar com as ideias de escrever sobre o passado. Não era um conto, era um romance. Eu parava a todo momento, pois já estava trabalhando na próxima não ficção. No início, fiquei muito insegura, mas duas pessoas me incentivaram a ir em frente: meu marido (o cientista político Sérgio Abranches) e Ana Maria Machado que, em uma palestra indicou a leitura de ‘A verdade das mentiras’, de Vargas Llosa, um livro de ensaios que analisa a criação literária e me ajudou a enxergar a possibilidade da construção de uma verdade nas mentiras da ficção. Esse livro foi uma necessidade minha — precisava escrevê-lo, não tive escolha. E nem sempre queria, tinha de parar por causa de outros compromissos. Mas quando sentava para continuar a escrever, continuava de onde parava, sem titubear. Assim nasceu esse romance.

Como foi escrever uma ficção tão densa, com muitos personagens, dois períodos históricos complexos e ainda seguir com a rotina atribulada da sua vida pessoal e profissional no jornalismo?

Às vezes, as coisas brigavam, não tinha jeito: entre televisão, rádio, jornal, livro de não ficção e o romance, ficava semanas sem tocar em ‘Tempos extremos’. Mas em outras ocasiões, trancava-me por cinco horas afastada de todos e apenas escrevia.

 Que conselho que a senhora daria para quem tem interesse em se tornar um escritor?

A quem deseja escrever minha recomendação é: leia muito. Leia tudo. Leia sempre. Leia os clássicos, pois estruturam o pensamento e, apesar de apresentarem outra linguagem, enriquecem o vocabulário. As palavras têm música — leia poesia!

fotos: Divulgação/Editora Intrínseca

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