Itu mantém há séculos uma extensa programação religiosa e cultural durante a Semana Santa. São eventos que possuem riqueza singular, com composições de artistas ituanos como padre Jesuíno do Monte Carmelo e Elias Lobo, e também objetos que ajudam a recriar, quase que fielmente, as tradições dos séculos XVII e XVIII
Os eventos que compõem a Semana Santa em Itu são amplamente conhecidos pelo seu cunho religioso. O que muitos não sabem, ou simplesmente não param para prestar atenção, é que dentro desses eventos destacam-se patrimônios materiais e imateriais da cidade e uma série de elementos culturais e históricos que foram fundamentais para a formação da sociedade atual.
Dentre as riquezas presentes na Semana Santa ituana destaca-se como a obra mais antiga utilizada, o Canto da Verônica, composto por padre Jesuíno do Monte Carmelo; além do trabalho de muitos artistas como Elias Lobo, Tristão Mariano da Costa, Miguel Dutra e outros. “As principais personalidades artísticas se debruçaram sobre a Semana Santa, criaram coisas especialmente para isso. O Elias [Álvares Lobo] fez as Sete Palavras [As Sete Palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo], que é uma solenidade muito bonita. O Tristão [Mariano da Costa] fez músicas para o Oficio das Trevas, então você percebe que era algo muito forte na cidade. Um momento não apenas de culto religioso, mas um momento em que toda cidade se voltava para isso”, explica a secretária de Cultura, Allie Marie de Queiroz.
Itu é um dos municípios paulistas que ainda guarda tais práticas culturais e religiosas. Isso tudo colabora para a identidade de um povo e volta os olhares para a produção musical que a cidade teve desde padre Jesuíno do Monte Carmelo (1764-1819) até José Mariano da Costa Lobo (1857-1892), já que todos esses músicos fizeram composições para a Semana Santa. Além da música, que é um patrimônio imaterial, destacam-se os Passos. Montados desde o final do século XVIII nas casas de famílias ituanas para a procissão de Passos e o Santo Sudário, utilizado pela Verônica, que tem sua pintura atribuída ao artista plástico Almeida Júnior.
O historiador ituano Luís Roberto de Francisco, autor do livro “A Paixão Segundo Itu”, afirma que desde que existe Paróquia em Itu, começou-se a fazer o Ofício da Paixão na Matriz, como evento oficial da igreja. Já a Procissão do Enterro (ou Procissão do Senhor Morto), provavelmente, teve início no final do século XVII e a Procissão de Passos, no final do século XVIII. “O Sermão das Sete Palavras começa, exatamente, em 1867, quando foi composta a obra de Elias Lobo. E acontece, quase sem interrupção nenhuma, até 1992. Voltando apenas em 2006”, afirma o historiador, que destaca que é difícil definir uma hierarquia dentro desses eventos, cultural e musicalmente, pois cada um tem sua música e elementos próprios. “Uma adaptação local é feita, com imagens, peças, tecidos e, inclusive, a música. Nós não emprestamos música, nós fizemos nossa própria música em Itu e isso tem um sentido de celebração da comunidade muito forte, pois ela promoveu um arcabouço cultural, que hoje está preservado, mas nem sempre esteve”.
Os eventos que jamais sofreram interrupções ou deixaram de ser feitos, em Itu, é o Canto da Verônica e os Motetes de Passos. A Igreja Católica passou por uma reforma na década de 1970, quando os eventos da Semana Santa passaram por uma redução. “Na quaresma existiam muito mais procissões”, afirma o historiador.
Manter esses eventos recorrentes em Itu é manter uma parte de sua história viva e sua identidade cultural singular. Quantas cidades na região podem contar com uma produção artística tão forte em sua história? Ajudar a manter o patrimônio e perpetuar as tradições é compreender a identidade coletiva. “Uma sociedade só existe porque ela recebeu um conjunto de informações e cultura, e à medida que ela mantém isso vivo, ela se mantém como uma comunidade. À medida que ela deixa isso, ela vai perdendo essa força e vai substituindo, até a cultura ficar pasteurizada. Seja Itu, Salto, Manchester, Nova York, Roma ou Xangai, será tudo igual. A identidade cultural do lugar se firma pelo patrimônio. O patrimônio são suas casas, os objetos, os costumes, a música, a dança, a cultura de um modo geral. Isso faz com que a sociedade se mantenha, pois tem um patrimônio vivo”, explica Luís Roberto.
A Semana Santa em Itu
Revista Regional destaca alguns eventos da Semana Santa em Itu através de sua riqueza cultural.
® Ofício das Trevas – dia 12 de abril, às 19h30
O Ofício das Trevas acontece na Igreja de Nossa Senhora do Carmo na semana que antecede a Páscoa. A celebração é realizada com as luzes apagadas e com todas as imagens cobertas. A única iluminação no local provém de velas, enquanto os mistérios de Jesus Cristo são contemplados. São executados salmos, antífonas, leituras e responsórios. O ofício conta com a participação do Coral Vozes de Itu, que pela primeira vez esse ano, executará composição desconhecida de Elias Lobo, a obra Matinas de Quarta-Feira. (veja matéria nesta página).
® Procissão de Passos – dia 13 de abril, às 19h
A tradicional procissão acontece em Itu desde o final do século XVIII. Ela refaz simbolicamente os caminhos de Cristo ao calvário, sendo que sete passos são montados em casas e nas Igrejas do Bom Jesus e do Carmo, no Centro da cidade. Na ocasião, é apresentado pelo Coral Vozes de Itu os Motetes de José Mariano da Costa Lobo e a Verônica faz seu canto, este de autoria de padre Jesuíno do Monte Carmelo. Além disso, o Santo Sudário, apresentado pela Verônica durante seu lamento em cada parada, é atribuído ao artista plástico Almeida Júnior. No terceiro passo, na Igreja do Bom Jesus, acontece o encontro da imagem de Nosso Senhor com a de Nossa Senhora das Dores.
® Sermão das Sete Palavras – 18 de abril, às 10h
Executado desde 1867, quando Elias Lobo compôs a obra “As Sete Palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo”, a cerimônia acontece na Igreja de N. Sra. do Carmo e contempla os últimos momentos de Cristo no Cruz.
® A Procissão do Enterro/ Procissão do Senhor Morto – 18 de abril, às 20h.
Às 20h na Sexta-feira da Paixão acontece a procissão, representando o enterro de Jesus, evento realizado, provavelmente, desde o final do século XVII. Duas imagens são carregadas, a do Senhor Morto e a de N. Sra. das Dores. A primeira tendo sido adquirida em 1796 pela Irmandade do Santíssimo. Na ocasião, são cantados pelo Coral Vozes de Itu os motetes de Elias Lobo.
Elias Lobo e a Semana Santa
Em 2014 será a primeira vez em que a obra “Matinas de Quarta-Feira Santa”, de Elias Lobo, será apresentada pelo Coral Vozes de Itu no Ofício das Trevas. A obra musical faz parte de um conjunto de obras sacras feitas para a Semana Santa de Itu, no final da década de 1860, preservadas em um caderno do músico, que contém aproximadamente 400 páginas. Essa obra permaneceu desconhecida por mais de 130 anos, pois na década de 1870 o compositor deixou Itu para viver em Itatiba, Campinas e posteriormente São Paulo, onde faleceu. Em 1978, os arquivos de Elias Lobo foram encaminhados a um instituto de pesquisa na capital paulista, onde permaneceu por 35 anos. Há dois anos, em 2012, esse material foi transferido para o Museu da Música de Itu, onde recebeu tratamento arquivístico, higienização e está sendo fotografado. “Matinas de Quarta-Feira Santa” foi transcrita pelo estudante de composição Giancarlo Staffetti com supervisão do coordenador de Acervo do Museu da Música, Luís Roberto de Francisco. A restauração da obra foi patrocinada pelo Instituto Cultural de Itu, entidade mantenedora do museu.
Curiosidade
O historiador Luís Roberto de Francisco conta que nenhum compositor, em nenhum lugar do Brasil, compôs sete motetes para a Procissão de Passos. São, sempre, seis motetes para setes passos, sendo que no último, repete-se o terceiro. Por coincidência, em Itu, o terceiro e último passo acontecem nas duas igrejas que possuem passos, na Igreja do Bom Jesus e no Carmo. A razão da composição de seis motetes para sete passos é desconhecida.
texto Gisele Scaravelli
fotos Zeca Almeida e Gisele Scaravelli