Os cruzeiros marítimos têm conquistado cada vez mais a preferência dos brasileiros, que desfrutam da oportunidade de conhecer os quatro cantos do mundo a bordo de navios luxuosos em viagens que duram apenas alguns dias ou, no máximo, algumas semanas. Mas o que muita gente desconhece é a vida que existe por trás de todo aquele luxo de cassinos, jantares e bailes de gala, dignos dos melhores filmes de Hollywood.
É esta versão dos cruzeiros que dá o tom desta reportagem, através da experiência de dois profissionais que entraram de cabeça em aventuras de trabalho oceano afora. Eles contam sobre as maravilhas de fazer parte de uma jornada como esta, mas também revelam as principais dificuldades, que podem servir de conselhos para quem pretende embarcar em algum grande navio, seja a passeio ou a trabalho.
O músico Luís Fernando Barbosa, 26 anos, já participou de dois cruzeiros como pianista oficial dos navios. Seu primeiro contrato foi com o Visiono of the Seas, da Royal Caribbean, até então inédito no Brasil. Ele lembra que embarcou em Lisboa (Portugal) e passou por lugares paradisíacos, como a Ilha da Madeira, Tenerife, Cadiz Gras Canarias, Lanzarote, Sevilha e finalmente as capitais brasileiras como Recife, Salvador e Rio de Janeiro. Foram cinco meses de embarque. Já o segundo cruzeiro foi a bordo do navio Bleu de France, que durou três meses, e possibilitou que o músico conhecesse todo o Mar Mediterrâneo. Desta vez ele visitou a França, Itália, Tunísia, Malta e uma série de outros lugares na Espanha.
Para ele, o mais encantador foi pisar em Roma. “Poder conhecer o Coliseu, Fontana de Trevi e, sem dúvidas, o Vaticano, foi realmente muito emocionante”, recorda. Barbosa também esteve em Pizza, onde observou de perto a famosa torre torta. O pianista conta que cada visita é uma verdadeira volta às aulas de história dos tempos de escola, quando admirava as fotografias de todos aqueles lugares nos livros. “É incrível quando você se dá conta que está ali, pessoalmente, apreciando os monumentos ao vivo”, compartilha. Tudo isso tornou essas experiências impagáveis. O entrevistado assegura que foram oportunidades únicas de ter contato com tantos lugares e culturas diferentes, fazer amizades e trocar vivências. Principalmente porque ele aproveitou momentos ótimos trabalhando e, mais que isso, viu que os passageiros também estavam se divertindo com o seu trabalho.
Com o agente de viagens Alan Ricardo Rossi, 35 anos, não foi muito diferente. Ele já efetivou três contratos com cruzeiros, dois como assistant cook e um como deck assistant, dentro dos quais teve a possibilidade de trabalhar em seis navios da Cia. Princess Cruises nos mais diversos roteiros. Ele conta que é difícil citar o lugar que mais o impressionou, pois passou por todos os continentes. “Em minha concepção o mundo todo é muito bonito. Cada lugar tem sua peculiaridade. Conheci a Austrália, Nova Zelândia, Nova Caledônia, Bora Bora, Fiji, Alaska, México, Senegal, Dakar, Miami, Victoria, Halifax, Canadá. Não dá pra escolher apenas uma como preferência”, detalha.
Apesar disso, o entrevistado afirma que o Havaí é inesquecível por todo o seu contexto. Ele define o lugar como um verdadeiro paraíso. E muito bem estruturado. “Em um instante você está de cara com toda aquela organização e sofisticação típica dos EUA e, de repente, em menos de 30 minutos de carro, você se sente em um dos lugares mais selvagens do mundo, com uma beleza sobrenatural, a cor da água impressionante”, lembra com cada detalhe. Assim como não esquece a lição que aprendeu na Jamaica. Viu de perto o quanto aquele povo é sofrido, mas que dispõe de uma alegria incondicional de viver, que até hoje não encontrou explicação para compreendê-la. “A costa de Ocho Rios é sempre atingida por grandes tempestades tropicais do Caribe. Por isso aquele é um povo que está em constante reconstrução. É incrível como eles se mantêm ali, mesmo sabendo que vão sofrer tudo novamente em pouco tempo”, admira o agente de viagens.
Tanto para Luís Fernando quanto para Alan, o mais gratificante dessas viagens é o fato de poder acordar cada dia em um lugar diferente, lidando com pessoas e comportamentos tão distintos, aprendendo a respeitar as diferenças, hierarquias, entendendo mais o ser humano e a própria vida. Os dois concordam que foram experiências enriquecedoras, tanto profissional quanto pessoalmente, que trouxeram muito amadurecimento para quem eles mesmos são. Porém, como mencionamos no início da reportagem, nem tudo é tão fácil. As dificuldades existem e não são poucas. Quem pensa que os profissionais que viajam a bordo destes grandes navios para trabalhar têm todas as regalias de um hóspede, está muito enganado. É claro que eles usufruem de todo o espaço, inclusive da área de lazer, mas dificilmente sobra tempo.
No caso do pianista, ele conseguiu aproveitar mais porque só tinha o compromisso de tocar no período da noite. E estava fazendo algo que gosta. Afinal, trabalha como músico há 17 anos. “Para mim a maior dificuldade foi ficar longe das pessoas que amo: família, amigos e namorada. O mais triste é ver que eles ficaram aqui, sofrendo, e saber que eu também estou sentindo a mesma falta de todos, muitas vezes do outro lado do mundo, sozinho”, desabafou. Ele também estranhou a velocidade com que precisou se adaptar, principalmente no que diz respeito à língua estrangeira. “Passei alguns apertos com a comunicação quando estava na Europa, por exemplo, mas como muito custo conseguia dar um jeito de conversar com todos”, lembra.
Com o agente de viagens foi um pouco mais complicado. Como trabalhou na cozinha em todos os cruzeiros que participou, ficava muito tempo atarefado. Rossi compara o esquema hierárquico e a carga horária a um regime militar. “Ficava muito preso a procedimentos de trabalho, bastante pesados, chegando a ficar 12 horas diretas sem parar”, compartilha. Ele comenta que a questão financeira compensa, já que não é preciso pagar moradia e nem refeições, e que devido à hierarquia existe a possibilidade de se ter um plano de carreira e atuar em vários setores. Mas para isso é preciso ter paciência, pois se leva um tempo, e acima de tudo tem que estar disposto a abrir mão do convívio e da proximidade com a família e os amigos. E não é só isso. As relações humanas não foram nada fáceis para o marinheiro de cozinha. “Os brasileiros eram minoria nos navios e existem as máfias a bordo, que excluem e dificultam a convivência com determinados profissionais, como aconteceu comigo”, lamenta.
Mesmo com todas essas barreiras, os dois conseguiram se sair muito bem nos cruzeiros que fizeram. Como todo brasileiro, eles conquistaram seu espaço com muita garra e determinação, sempre aproveitando cada instante para adquirir experiência profissional, mas também desfrutando cada aspecto positivo. Para quem deseja encarar uma viagem dessa a trabalho, aconselham a estudar bem o setor que se deseja trabalhar para não ter arrependimentos depois. É indispensável ter o domínio de uma segunda língua, especialmente o inglês, pois aumenta o leque de possibilidades de atuar em diversos ramos. No entanto, o essencial é ter muita disposição e força de vontade. Assim aproveitará chances indispensáveis de ganhar dinheiro, com muito esforço, mas também recompensas.
texto: Caroline Rizzi
fotos: Arquivo pessoal e BIRF