A promessa de diversão e conexão que os celulares oferecem às crianças esconde um custo emocional e mental muitas vezes ignorado

O uso de celulares e redes sociais, como TikTok e Youtube, por crianças se tornou algo tão naturalizado que muitos pais mal percebem os riscos que essa exposição precoce pode causar. Embora a tecnologia ofereça benefícios, como acesso à informação e comunicação facilitada, especialistas em saúde mental alertam: os danos associados ao uso excessivo e descontrolado estão crescendo — e, muitas vezes, silenciosamente.
Em vez de brincar na rua, crianças cada vez mais passam horas com os olhos colados em telas. Isso representa uma mudança profunda no desenvolvimento infantil. Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), o uso exagerado de dispositivos eletrônicos pode prejudicar habilidades sociais, diminuir a empatia e afetar o sono, a atenção, o aprendizado e o humor.
Pesquisas apontam que crianças expostas por muito tempo às redes sociais demonstram sinais precoces de ansiedade, depressão e baixa autoestima. Uma análise publicada no Jama Pediatrics revelou que adolescentes que passam mais de três horas por dia nas redes têm o dobro de chance de desenvolver sintomas relacionados à saúde mental.
Riscos reais e desafios fatais
Outro problema crescente são os “desafios virais”. Plataformas como TikTok, Instagram e YouTube já foram palco de tendências extremamente perigosas, como o “desafio do desodorante”, o “desafio da rasteira” e o mortal “Blackout Challenge”, que incentivava crianças a prender a respiração até desmaiar. Diversos casos de lesões graves e até mortes têm sido reportados em diferentes países, inclusive no Brasil.
O Ministério da Justiça e Segurança Pública chegou a notificar redes sociais sobre a responsabilidade de moderar esse tipo de conteúdo. Porém, a velocidade com que os vídeos se espalham dificulta o controle.
Pais e educadores também relatam dificuldades crescentes para tirar o celular das mãos das crianças. O comportamento compulsivo — como a necessidade de checar notificações constantemente, irritabilidade ao ser desconectado ou a incapacidade de manter o foco em atividades offline — já é tratado por alguns psicólogos como um tipo de dependência comportamental.
A psicóloga Ana Escobar, professora da USP, alerta que o uso excessivo ativa os mesmos circuitos cerebrais envolvidos no vício em jogos e drogas. “O cérebro da criança, ainda em desenvolvimento, é mais suscetível à recompensa rápida que os algoritmos oferecem”, afirma.
Sinais de alerta
Entre os sinais mais comuns de que algo não vai bem, os especialistas apontam:
- Mudanças bruscas de humor e comportamento;
- Isolamento social e perda de interesse por atividades presenciais;
- Distúrbios do sono;
- Queda no desempenho escolar;
- Agressividade ou tristeza excessiva após o uso do celular.
Esses indícios são descritos também por Jonathan Haidt, professor de Psicologia Social e autor do livro A geração ansiosa, onde ele relaciona diretamente o aumento de doenças mentais entre jovens com a chamada “infância digitalizada”.
O que fazer?
O consenso entre pediatras, educadores e psicólogos é claro: é preciso limitar o tempo de tela e incentivar o contato com o mundo real. A SBP recomenda que crianças até dois anos não tenham nenhum acesso a telas. De dois a cinco anos, o tempo deve ser restrito a no máximo uma hora por dia, sempre com supervisão. Para crianças mais velhas, o uso deve ser equilibrado e com regras claras.
Também é importante:
- Estabelecer zonas livres de celular, como durante refeições e na hora de dormir;
- Incentivar brincadeiras ao ar livre e interações face a face;
- Conversar sobre os perigos das redes e ensinar pensamento crítico sobre o que veem online.
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