Com sua história de coragem e reinvenção, a modelo que marcou gerações nos convida a refletir, desacelerar e valorizar quem somos

Em entrevista exclusiva à Revista Regional, Luiza Brunet nos lembra de que ser mulher é, antes de tudo, um ato de resistência. À frente do Instituto “Nós por Elas”, Luiza faz um chamado urgente para que todos – homens, mulheres e a sociedade – estejam juntos na luta contra a violência de gênero. “Não há como conter a violência contra a mulher se não houver um chamado para que os homens se envolvam e sejam acolhidos nessa temática”, reflete. Aos 62 anos, a modelo e ativista representa a liberdade de ser quem se é, sem se curvar aos padrões: “Estar bem e plena exige esforço: cuidado com o corpo, a mente e, principalmente, com atividades que nos agradam. Podemos e devemos priorizar o que nos faz bem”, afirma. E sim, isso inclui dizer não às regras impostas sobre como devemos parecer ou agir. Ao olhar para trás, a defensora da causa feminina se orgulha da trajetória que construiu – tanto nas passarelas quanto na vida. Mas ela não ignora que o caminho foi cheio de obstáculos: “Uma mulher madura sabe o que não quer. Ela carrega suas histórias e se sente mais segura porque aprendeu com suas escolhas”. Essa segurança é o legado que deseja deixar: mostrar às jovens que o verdadeiro poder não está no filtro perfeito, mas em quem você é de verdade. Forte e generosa, a ativista também acredita no poder da mudança. “Preceitos fechados acabam impedindo de ousar. E a vida precisa de ousadia, muitas vezes”, ressalta. Para ela, essa flexibilidade é a chave para criar uma vida com propósito – em casa, no trabalho e nas relações. E falando em relações, a porta-voz de tantas histórias resgata a beleza dos pequenos rituais, aqueles momentos que trazem afeto e pertencimento: “A raposa de O Pequeno Príncipe ensina que cativar é um processo feito com paciência e presença. Hoje, com tudo tão acelerado, esquecemos como é bom valorizar esses gestos. Mas ainda há quem resista e celebre as conexões reais – e eu admiro muito isso”. Com sua história de coragem e reinvenção, a mulher que marcou gerações nos convida a refletir, desacelerar e valorizar quem somos – com todas as nossas nuances e potências. Afinal, ser mulher é construir sua própria narrativa, sem pedir permissão.
REVISTA REGIONAL: Luiza, o Instituto “Nós por Elas” tem um papel fundamental na luta pela erradicação da violência contra as mulheres no Brasil. Como você enxerga a importância de envolver a sociedade como um todo — especialmente os homens — nesse debate, e quais iniciativas do instituto você acredita que têm maior potencial para transformar essa realidade?
LUIZA BRUNET: É de suma importância que a sociedade esteja envolvida e atuante no enfrentamento da violência contra as mulheres no Brasil. Precisamos entender que, dentro da nossa própria casa, podemos passar por uma situação grave, como um filho que comete um feminicídio ou uma filha que morre vítima de feminicídio. Não estamos livres da violência de gênero. Por essas razões, devemos nos preocupar e nos colocar à disposição para minimizar os crimes, que cresceram drasticamente. Não há como conter a violência contra as mulheres se não houver um chamado para que os homens se envolvam e sejam acolhidos nessa temática, pois, mesmo sendo os perpetradores dos crimes, também são vítimas da cobrança e do discurso machista impregnado na nossa cultura. Precisamos mudar a nossa forma de falar, agir e nos relacionar como sociedade, desde as mais simples e sutis trocas. O machismo é uma estrutura enraizada no inconsciente coletivo, e todos nós, em maior ou menor proporção, temos atitudes que fortalecem e perpetuam isso. Por isso, precisamos mudar as nossas crenças estruturais e a forma como enxergamos o papel do homem, o que esperamos dele, e as atitudes e falas que naturalizamos. Para conseguirmos atingir uma mudança eficaz, precisamos mudar nossa estrutura como um todo.
Aos 62 anos, você continua sendo um ícone de beleza, mas sabemos que, muitas vezes, a sociedade impõe padrões e pressiona as mulheres a manterem uma aparência jovem. Como você enxerga a relação entre beleza, maturidade e liberdade feminina, e de que forma acredita que essa discussão pode fortalecer a luta por uma visão mais ampla e respeitosa sobre o envelhecimento das mulheres?
Eu me considero uma mulher que está bem com a idade e com a passagem do tempo. Para mim, o etarismo é uma questão de escolha. Estar bem e plena exige esforço: cuidado com o corpo, a mente e, principalmente, com atividades que nos agradam. Podemos e devemos priorizar o que nos faz bem. Isso é importante e fundamental.

Como você enxerga a evolução da publicidade na forma de representar a mulher, considerando sua trajetória como modelo e atriz em uma época marcada por estereótipos? Acredita que ainda há desafios a serem superados para retratar as mulheres de maneira mais real e diversa?
Os padrões exigidos são irrelevantes e irreais. Uma mulher segura sabe o seu valor e potencial. Uma mulher madura viveu, tem parâmetros para discussões e sabe o que não quer. Seu corpo se adaptou às suas escolhas — são mulheres interessantes. A liberdade feminina é isso: um combo de coisas que nos deixa mais seguras. Nós, mulheres, precisamos nos sentir potentes e poderosas. Isso serve de exemplo para que as jovens acreditem que nosso valor não vem dos estereótipos impostos por propagandas ou filtros de Instagram. Cada mulher é única, com sua beleza, sua força e sua história.
Por que as mulheres, muitas vezes, se sentem menos capazes do que os homens? Será que tem algo a ver com o jeito que a gente foi criada? E como isso influencia a sua vida?
Há gerações que foram criadas para casar, ter filhos e servir ao homem. A independência financeira e emocional é o passaporte para nós, mulheres. Sempre fui uma mulher à frente do meu tempo. Vivi tudo desde muito cedo e aprendi com a vida o quanto é — e foi — difícil ser mulher em um país misógino e machista, onde era normal a objetificação feminina. Hoje, a informação e as leis permitem mudanças. Reconheço meu trabalho como vetor de força e transformação, afinal, quebrei paradigmas difíceis de serem rompidos. Fazer uma denúncia e lutar pelos nossos direitos não é fácil. O olhar para fora, perceber e se importar com o outro, ser altruísta — tudo isso é fundamentado pelo nosso caráter: respeitar e confortar o próximo. Homens são elogiados pelas mulheres quando envelhecem. São descritos como charmosos ou atraentes. Assim, o etarismo tem dois pesos e duas medidas.
Luiza, qual foi a última vez que você mudou de ideia? Mulheres bem-sucedidas demonstram essa habilidade em comum: saber ouvir e se deixar convencer por argumento que façam sentido. Mas até que ponto a capacidade de mudar de ideia é essencial para o sucesso, e não me refiro apenas ao profissional, especialmente para mulheres?
Mudar de ideia é sempre bom. Significa que avaliamos melhor e vamos adequando as coisas de forma mais simples e eficaz. Gosto de conversar, obter ideias e aproveitar informações e a sabedoria de quem tem a generosidade de compartilhá-las. Mudar é importante. Precisamos ter flexibilidade na vida, seja em casa, no trabalho ou na sociedade. Preceitos fechados acabam nos impedindo de ousar — e a vida precisa de ousadia muitas vezes.

No livro “O Pequeno Príncipe”, a raposa explica que um rito é quando direcionamos nossa atenção e intenção há um momento para torná-lo inesquecível. Em nossa vida atual, tão acelerada e digitalizada, você acredita ser possível recriar esses “ritos” para transformar experiências cotidianas em momentos verdadeiramente memoráveis?
Quando o príncipe e a raposa passam a compartilhar um ritual, mostram algo que eu amo: o ato de cativar aos poucos. É lindo o poder de criar preceitos — amor, desejo, esperança, confiança e dedicação. Infelizmente, hoje não há valorização desse tipo de comportamento, justamente porque não prestamos atenção ao quanto é importante e necessário ter amigos verdadeiros. A internet nos mantém livres de afeto real: tudo é muito intenso, mas sem fundamento, sem base. Os ritos estão desaparecendo, mas ainda existem pessoas que valorizam esse preceito — e eu respeito isso profundamente, justamente porque cria momentos memoráveis.
entrevista e texto: Ester Jacopetti
fotos: Aderi Costa