Atriz fala sobre a reivindicação do poder feminino através da força, resiliência e autonomia na luta por representatividade e liberdade
Em uma conversa franca e profunda com a Revista Regional, Cris Vianna, uma das atrizes mais celebradas do cenário nacional, reflete sobre sua jornada pessoal e profissional, marcada por desafios, conquistas e uma contínua luta contra as expectativas impostas às mulheres. Atualmente brilhando na novela “Família é Tudo”, Cris vive uma mãe de adolescente e compartilha a tela com a estreante Ramille, numa parceria que tem capturado corações. Ela revela o processo meticuloso por trás dessa dinâmica mãe-filha na TV, evidenciando o poder de uma verdadeira conexão e colaboração. No auge de sua carreira e aos 47 anos, Cris confronta abertamente as pressões sociais e as cobranças inerentes ao universo feminino, ressaltando sua autonomia e resistência diante das normativas que muitas vezes cercam a vida das mulheres. Ao refletir sobre a simplicidade da vida, mesmo com os privilégios e as vitórias, Cris Vianna destaca como sua experiência e maturidade a ajudaram a apreciar mais os pequenos momentos, ao mesmo tempo em que continua a lutar por seus sonhos e pela representatividade negra, que tanto impactou sua trajetória e a de muitos outros. Esta entrevista exclusiva não apenas celebra as conquistas de Cris Vianna, mas também amplifica sua voz em questões de poder feminino, diversidade e beleza autêntica.
REVISTA REGIONAL: Em “Família é Tudo”, você está vivendo a experiência de ser mãe de uma adolescente, e a parceria entre você e a Ramille está simplesmente sensacional. Fale um pouco sobre como foi essa construção entre vocês, essa conexão que deu tão certo.
CRIS VIANNA: A Ramille é uma atriz incrível e muita aberta ao diálogo. Durante as gravações, conversamos bastante sobre a relação das nossas personagens. Interpretar mãe e filha seja no cinema, na TV ou no teatro, pede uma conexão forte entre as atrizes para que a trama transmita a verdade ao público. É um trabalho diário de sentar para discutir o texto, as possibilidades de interação, além da ajuda dos diretores e do autor. Fico muito feliz de ver o resultado e perceber que as pessoas estão gostando dessa relação. A Lulu é apaixonada pela filha, então é uma delícia!
No auge da potência feminina, as mulheres temem envelhecer sem atingir metas como amor, casamento, filhos, sucesso profissional etc. E ainda tem a concorrência das mais jovens e a pressão do relógio biológico. Como você aprendeu a lidar com essas ansiedades ou isso nunca foi um problema para você?
Sou zero preocupada com a idade. Estou me sentindo mais bonita e mais feliz com meus 47 anos. Estou em um momento muito bom da minha carreira com muitos projetos. Existe uma pressão muito grande da sociedade para que as mulheres casem e sejam mães. Eu aprendi a lidar com essas pressões. Não é algo que me impede de ser feliz. Existem cobranças externas que eu procuro não deixar entrar na minha estrada, porque conheço bem a minha história.
Esses dias vi uma conversa entre a apresentadora Oprah e o ator Eddie Murphy sobre conquistarem coisas inimagináveis na vida, de bênçãos e privilégios. Mas que quanto mais envelhecem, mais apreciam o simples. Vou pedir para você fazer uma reflexão sobre essa afirmação, já que são duas pessoas pretas que conquistaram o seu lugar ao sol, e você também faz parte dessa representatividade.
Esse é um ponto muito interessante. Como mulher preta tive inúmeras dificuldades para me estabelecer nesse universo. Recebi muitas negativas só pelo fato de ser negra. Mas também conquistei muitas coisas e me orgulho da minha trajetória. Recordo de um prêmio que ganhei no qual estava concorrendo com mulheres incríveis como a Fernanda Torres, entre outras, e eu lembro que chamaram o meu nome e eu nem conseguia levantar, eu congelei. Eu já estava muito feliz de estar concorrendo, mas nunca pensei que fosse ganhar. Quando você se dedica e isso é reconhecido, é muito gratificante. Isso te dá a certeza de que você está no caminho certo. Hoje, com mais maturidade e experiência, valorizo as pequenas coisas com mais facilidade. Porém, ainda tenho muitos sonhos e vou lutar para conquistar.
Como a experiência de iniciar uma carreira como modelo ainda na adolescência, incluindo desfiles no Brasil e na Europa, influenciou sua visão sobre beleza, autoestima e as pressões da indústria da moda?
Eu tive uma passagem muito bonita como modelo enquanto estudava e fazia cinema/teatro paralelamente. Penso que a indústria da moda mudou bastante, hoje vemos mais marcas se preocupando em criar roupas para corpos reais. Mas, na minha época de modelo, isso ainda não era muito discutido. Eram poucas mulheres negras nas agências. Fiz várias entrevistas até conseguir entrar no casting de uma delas. Todas as campanhas e os desfiles que fiz foram, para mim, movimentos de muitos desafios. Mas, eu consegui! Desfilei na SPFW, Semana de Moda, Paco Rabanne, Versace, Vera Arruda, entre outros. De algum jeito, isso me fez enxergar a beleza de outra forma. Hoje, com tantas coisas vividas, me vejo como uma mulher bonita, e enxergo minha carreira como modelo como algo positivo que me ajudou a ganhar experiência e almejar meu caminho como atriz.
Considerando a importância da observação do cotidiano e das vivências alheias como fonte de inspiração para atores na construção de personagens únicos e autênticos, de que maneira observar a vida contribui para a construção das suas personagens? Como o processo de imersão influenciou sua performance e autenticidade da personagem no contexto da narrativa?
A arte te convida a conhecer, respeitar, entender e mergulhar na vida do outro. Por isso, observar a vida e o cotidiano é um ótimo processo para construção de um personagem. No meu caso, busco tentar entrar na essência daquela pessoa para entender suas motivações, além de procurar referências da realidade e da história. Procuro também ter uma troca com a equipe, seja com o diretor, autor, figurinista, gosto dessa participação mais ativa.
Cris, como o movimento de aceitação e valorização do cabelo natural das mulheres pretas tem impactado não apenas a expressão cultural, mas também a capacidade de afirmar seus desejos e identidade de forma autêntica e empoderada? O que esse movimento significa para você?
Como disse, hoje a indústria da beleza, mesmo que o racismo ainda exista e seja uma presença constante, mudou bastante. Muitas vezes, nosso cabelo foi motivo de piada, depois de muita luta, estamos enxergando essa valorização do cabelo natural. Eu ouvi muito ‘você é uma negra bonita’. Essa frase não é boa. Eu sempre reforço que não é legal. Hoje as pessoas estão mais abertas ao diálogo. Moreninha é de morrer! Não é morena, é negra. É uma delícia ouvir.
texto: Ester Jacopetti
fotos: Lucas Mennezes