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Post: Claudia Raia transcende em ‘Tarsila’

Claudia Raia transcende em ‘Tarsila’

Num mergulho profundo na vida e obra de Tarsila do Amaral, Claudia Raia revela o processo de interpretação da artista que moldou o Modernismo brasileiro e deixou um legado inestimável para a cultura. E ninguém melhor do que a atriz para contar essa história de maneira tão magistral e significante. Com acesso exclusivo a materiais inéditos fornecidos pela família de Tarsila, o espetáculo promete desvendar aspectos pouco conhecidos da vida da pintora, desde suas relações familiares até a sua interação com figuras emblemáticas como Oswald de Andrade e Chico Xavier. A complexidade de capturar a essência de Tarsila, segundo a atriz, reside não apenas na reprodução de suas características artísticas, mas também na adaptação de sua postura, olhar e voz, desafiando-a a sair de sua zona de conforto expansiva para adotar uma natureza mais recolhida. Além de explorar a riqueza da vida de Tarsila, Claudia compartilha reflexões sobre a pressão e a emoção inerentes aos papéis principais, a evolução da indústria do entretenimento e o potencial transformador dos musicais brasileiros na promoção da diversidade cultural e tolerância social. Com mais de 40 anos de carreira, ela destaca a importância da disciplina, inspirada em sua formação como bailarina, e a influência de crescer em um ambiente matriarcal para sua trajetória como mulher e artista. Capa da Regional pela terceira vez, Claudia nos dá, nessa entrevista exclusiva, a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre a artista que conquistou o mundo.

Claudia em ensaio especial

REVISTA REGIONAL: Interpretar papéis históricos, como o da Tarsila do Amaral, requer uma pesquisa profunda. De que maneira você mergulhou na obra e vida dessa mulher que deixou seu legado para o Brasil e o mundo? Qual a maior complexidade em interpretá-la e o que você aprendeu sobre a vida e a obra da artista?

CLAUDIA RAIA: Eu tive acesso a muitos materiais por meio da família. Por isso, conseguimos contar coisas no espetáculo que ainda não tinham sido divulgadas. Acho que esse é um grande trunfo que temos: além de falar da grande artista que Tarsila do Amaral foi e de seu legado imortal, mostramos um lado B que é pouquíssimo conhecido, como as relações familiares dela, as perdas devastadoras da filha e da neta, a relação com Chico Xavier, a relação com Oswald de Andrade após o fim do casamento deles… São muitas tintas que reunimos para pintar esse quadro sobre Tarsila. O meu trabalho como atriz foi muito guiado por isso. O trabalho de composição também foi muito importante. Eu e Tarsila operamos em registros muito diferentes. Eu sou expansiva, já ela é mais recolhida. Aprendi a ter outra postura, outra altura de olhar, outro tom de voz. 

 

A arte da interpretação envolve lidar com desafios e pressões frequentes. Como você lida com a pressão de desempenhar papéis principais e manter um alto nível de performance ao longo de sua carreira?

Eu prezo por um trabalho de excelência sempre. Quero que o público tenha a melhor experiência no teatro. Lembro que com “Conserto para Dois” a ideia inicial era um espetáculo pequeno, que levaríamos em turnê, apenas eu e Jarbas (Homem de Mello, marido) no palco. Mas a coisa foi crescendo, foi crescendo (risos). Quando colocamos o projeto na rua, viajávamos com quatro caminhões (risos). Mas não é uma pressão do tipo: nossa, tenho que fazer assim ou o que vão pensar? É mais uma vontade de que o público tenha sempre o meu melhor: o melhor que eu possa produzir, a minha melhor atuação, o melhor elenco que eu possa reunir. 

 

Muitos atores falam sobre a importância de se relacionar com seus personagens de maneira emocional. Como você equilibra a empatia com seus personagens sem deixar que isso afete sua saúde?

Já são mais de 40 anos de carreira. Chega um momento em que fica mais fácil discernir até onde vai a Claudia e onde começa a personagem. Nosso trabalho é muito emocional, a gente estuda o texto, pensa sobre aquelas emoções todas. Mas, para mim, é importante não ficar refém desse processo. Ele tem que me servir para ser um facilitador do meu trabalho, e não o contrário. Sem contar que eu tenho uma vida e quero vivê-la. Para isso, preciso encontrar espaço para ser eu mesma, para estar com minha família, para fazer as coisas que eu gosto, para descansar, inclusive! Acho que esse entendimento vai ficando mais sedimentado à medida que vamos amadurecendo profissionalmente também.

Claudia em ensaio especial

A indústria do entretenimento está em constante evolução, com a crescente influência das plataformas de streaming e conteúdo digital. Como tem sido fazer parte dessa evolução e como você vê o futuro da interpretação nesse cenário em constante mudança?

A interpretação, na minha opinião, vai continuar sendo como vemos. Cada gênero terá suas especificidades e é isso que interfere no nosso processo de criação. É diferente fazer uma novela, que é uma obra aberta com cerca de 150 capítulos, e fazer uma série, que já tem um arco fechado e é mais rápida de ser filmada. Um filme envolve outro processo. A atuação é determinada pelo tipo de produto que será entregue. O que percebo no mercado é que essas mudanças impactam mais na parte burocrática: contratos por obra, uma maior flexibilidade para o artista trabalhar com várias empresas. É um mercado que está mudando muito rapidamente, e precisamos estar atentos para entender como será daqui para frente.

 

Como os musicais brasileiros, que mesclam elementos de teatro, música e dança, podem promover a diversidade cultural e a tolerância social? De que maneira ela pode ter um papel transformador na sociedade?

A arte tem um papel transformador da sociedade que muitas vezes é menosprezado. Isso não acontece só com o teatro musical. O Carnaval, por exemplo: este ano, a Portela, no Rio, fez um enredo inspirado no livro “Um Defeito de Cor”, da Ana Maria Gonçalves. Por causa disso, as vendas do livro subiram muito. Esse é o papel da arte: inspirar, instigar, fazer pensar e trazer reflexão. Quando incentivamos isso, estamos abrindo a porta para uma sociedade mais tolerante, mais inclusiva, mais diversa. Porque ter acesso a essas coisas detona processos na gente muito profundos. Por causa de uma peça, de uma novela, de um filme, de uma obra de arte, de uma música podemos discutir sobre tantas questões, inclusive questões sociais. A transformação vem desse diálogo que é proposto. Eu digo e repito: arte é fundamental!

 

Como você consegue manter esse nível alto de disciplina e dedicação ao longo de tantos anos de carreira, especialmente nos trabalhos mais desafiadores, como os musicais?

Foi algo que construí ao longo dos anos. Sou bailarina, e rotina de bailarina exige muita disciplina. Levei essa disciplina para todas as áreas da minha vida. Quando aceito um projeto ou me proponho a fazer algo, não tem como ser pela metade. 

 

Você vem de uma família com mulheres fortes e independentes. Você mesma já disse que “nós somos mulheres de calças”. Como essa visão de mundo, influenciada por sua mãe, Odete, moldou sua trajetória como mulher e como artista?

Hoje acho até que mudaria essa expressão para: “nós somos mulheres”. E mulheres, vestindo saia, calça ou vestido, são tão competentes quanto os homens. Dito isso, crescer nessa família matriarcal me fez entender desde muito nova que eu não deveria aceitar jamais alguém me diminuindo por causa do meu gênero. Ser mulher não deve ser empecilho para ser uma profissional de excelência e reconhecida por isso, por exemplo. Crescer em um ambiente em que as mulheres eram as provedoras me fez entender desde cedo que eu posso sim fazer o que quiser, ir atrás do que eu desejo, e que ninguém tem o direito de me diminuir, especialmente se isso estiver baseado no fato de eu ser mulher.

Claudia em ensaio especial

Numa entrevista com Bial, você comentou que “Engraçadinha” foi uma reviravolta na sua vida, e a partir daí você mostrou que era capaz de fazer papel dramático. Como a dança e a música influenciam sua interpretação de personagens em peças musicais em comparação com papéis dramáticos tradicionais?

É completamente diferente. No musical, a dança e música fazem parte da dramaturgia. Não tem como dissociar as coisas. Já em um trabalho que não seja musical, a música entra às vezes como uma inspiração para a personagem, algo que eu ouça no camarim e me ajude na hora de entrar em cena. A dança aí entra na parte de preparação corporal, na hora de construir a postura que a personagem terá em cena. Ou em como desmontar a minha própria postura para que meu corpo sirva a personagem da melhor maneira, como aconteceu com a Donatela de “A Favorita”.

 

Muitas novelas antigas estão sendo reescritas e têm virado um sucesso, como foi o caso de Pantanal, e agora em estreia recente, Renascer. Pegando o gancho dessas tramas, qual você gostaria de rever em um novo formato, com uma nova linguagem e novos atores interpretando personagens icônicos?

Eu adoraria rever “Roque Santeiro”.

 

Aliás, para complementar, você gostaria de viver um grande personagem que fez história na TV? Pergunto isso, porque eu adoraria rever Tieta, novela que fez muito sucesso e passou quando ainda era criança.

Tem duas personagens que eu gostaria de fazer: uma é Tieta! Essa mulher madura, forte, que volta para um acerto de contas. Adoraria interpretá-la. A outra é a Viúva Porcina (Roque Santeiro).

 

texto: Ester Jacopetti

fotos: Renan Christofoletti

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