- O porquê de adolescentes estarem deprimindo cada vez mais e como os pais podem ensinar os filhos a serem autocompassivos motivaram pesquisa de mestre em Psicologia;
- Segundo ela, uma das grandes questões na adolescência hoje é o aumento da comparação social, tanto por conta das redes sociais quanto porque pais, escola e sociedade têm maiores expectativas com relação às crianças;
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O “Setembro Amarelo” é muito importante na abordagem da saúde mental, principalmente na prevenção do suicídio. Durante todo o mês acontecem seminários, conferências e ações importantes referentes ao assunto. A cor amarela foi escolhida para representar a causa, pois em 1994, Mike Emme, 17 anos, que morava com os seus pais em Colorado, nos EUA, se suicidou dentro de seu Mustang 1968. O jovem havia reformado o carro e pintado de amarelo, sua cor favorita.
O adolescente deixou um recado pedindo para que seus pais não se culpassem pelo o que havia feito, e quando encontraram o bilhete, infelizmente já era tarde. Após sua morte foi descoberto que Mike tinha sinais de depressão e não estava sabendo lidar com o término de um relacionamento. Durante o funeral, os pais distribuíram cartões com fitas amarelas para os amigos e familiares com os dizeres “se você está pensando em suicídio, entregue este cartão a alguém e peça ajuda”. A boa ação viralizou e em pouco tempo Dale e Darlene, pais de Mike, começaram a receber inúmeros pedidos de ajuda para lidar com a situação.
No Brasil, um caso recente foi do adolescente Lucas Santos, 16 anos, filho da cantora Walkyria Santos, que tirou a própria vida depois de receber ataques em um vídeo publicado no TikTok. Segundo a artista, a rede social “nojenta” e os comentários maldosos na internet acabaram tirando a vida do seu filho. “Hoje eu perdi meu filho, mas preciso deixar esse sinal de alerta aqui. Tenham cuidado com o que vocês falam, com o que vocês comentam. Vocês podem acabar com a vida de alguém. Hoje sou eu e a minha família quem chora”, escreveu a cantora em sua rede social.
Um filme que retrata bem a atual realidade da juventude é “Ferrugem”, trama lançada em 2018, que através de ataques verbais e bullying fazem com que a protagonista vá direto ao suicídio. Assim como a maioria dos adolescentes, a jovem Tati, interpretada por Tiffanny Dopke, ama compartilhar sua vida nas redes sociais e registrar todos os momentos. Porém, após perder o inseparável celular, ela se vê vítima da criminosa divulgação de seus registros íntimos no grupo de WhatsApp da turma do colégio, o que gera terríveis consequências. O documentário “O Garoto Interrompido”, lançado em 2009, é forte, assombroso, porém necessário. Conta a história de Evan Perry, o adolescente tinha 15 anos quando pulou do seu prédio em Nova York. Sua mãe produziu esse documentário para narrar a dor de perder um filho. Evan tinha transtorno bipolar e passou por diversos tratamentos diferentes ao longo de muito tempo.
Uma maneira eficaz de desenvolver o fator emocional para sobreviver na era da informação, segundo a terapeuta Wanessa Moreira, é desarmar a mente que fica presa no estresse de sobrevivência. “Aqueles pensamentos que envolvem tudo ou nada, serve ou não serve, pode ou não pode… Quando se consegue mostrar para uma pessoa qual o conflito real que está colocando a mente dela nesse estresse que não encontra saída, e ainda dar uma direção para que consiga enxergar o que precisa ser feito para começar a resolver o seu problema, a mente se desarma e o problema que a atormentava fica de um tamanho muito menor, sem causar a tormenta de desistir da vida”, explica.
“O que uma pessoa precisa para sentir paz e conforto e ver que vale a pena estar vivo é saber que existe um próximo passo a ser dado. A prisão da mente em problemas é o que atordoa e tira o fôlego, o ânimo, a força e o desejo de estar vivo. Converse e peça ajuda quando necessário”, completa a terapeuta.
ACEITANDO NOSSAS FALHAS
Autora da pesquisa “Transmissão Intergeracional da Autocompaixão”, Adriana Drulla, mestre em Psicologia Positiva pela Universidade da Pensilvânia, EUA, explica que uma das motivações de seu estudo foi buscar entender porque adolescentes se deprimem cada vez mais. Segundo ela, uma das grandes questões na adolescência hoje é o aumento da comparação social, tanto por conta das redes sociais quanto porque os pais, a escola e a sociedade têm maiores expectativas com relação às crianças. Essa sensação de ter que atingir expectativas altíssimas para se sentir bom o suficiente é um dos fatores que contribui para o aumento da depressão nesta faixa etária.
Uma segunda pergunta que motivou Adriana foi o que os adolescentes precisam aprender para entenderem que não precisam se comparar com ninguém ou atingir nenhuma expectativa para saberem que têm valor. Como fazer para que eles aprendam que têm valor intrínseco. E foi quando ela descobriu trabalhos que apontam a autocompaixão como um antídoto para este foco excessivo na competição e destaque.
Adriana destaca a importância da autocompaixão na etiologia dos pensamentos suicidas e de automutilação. “Jovens com baixa autocompaixão são mais propensos a terem sofrimento psicológico, como, por exemplo, depressão, ansiedade e distúrbios alimentares. Eles também reportam maior uso de álcool, automutilação e ideação suicida em comparação com aqueles que têm maior autocompaixão”, explica a psicóloga.
Mas o que seria a autocompaixão e como praticá-la? Adriana explica que “a autocompaixão é mais do que a ausência de autocrítica”. “Em vez disso, é um processo no qual os indivíduos têm a intenção e motivação para adotar e aplicar uma mentalidade compassiva em relação a si mesmos. Por exemplo, a aceitação das falhas e dificuldades pessoais em vez de criticá-las; ter uma consciência clara sobre pensamentos, emoções e experiências que são emocionalmente dolorosas; e adotar ativamente uma postura gentil e de apoio com relação a si mesmo, em vez de se julgar severamente por esses eventos. Além disso, implica reconhecer que o fracasso é algo que todos experimentam, em vez de se sentirem isolados, sozinhos ou inferiores”, explica a especialista.
E como será que os pais podem ensinar os filhos a serem autocompassivos? “Na minha pesquisa, feita nos EUA com 246 pares de mães e filhos, descobri que mães autocompassivas têm filhos mais autocompassivos e estas crianças se sentem mais conectadas às suas mães. Além de ensinar pelo exemplo, o que acontece quando somos gentis com as nossas imperfeições e nos tratamos com cuidado é que nos tornamos mais saudáveis emocionalmente, menos reativos, conseguimos nos conectar com o jovem de uma forma mais profunda. Por exemplo, conseguimos usar a nossa própria experiência para mostrar ao jovem que às vezes também temos dúvidas, é normal nos sentirmos inadequados e inseguros. A partir desta conexão, normalizamos para o adolescente as suas dificuldades, facilitando o entendimento de que imperfeições são naturais e esperadas, não sinais de inferioridade. Como consequência, o jovem consegue se aceitar e entender que tem valor pelo que ele é, defeitos inclusos. Por isso fica mais fácil ser gentil consigo mesmo diante do sofrimento”.
Quando o adolescente se apoia diante da dificuldade, ele se sente mais confiante e corajoso para lidar com os desafios e superá-los. É por isso que as pesquisas mostram que jovens autocompassivos lidam melhor com o estresse, se automutilam menos, têm melhor performance acadêmica, e melhores relacionamentos. “Pelo contrário, quando o jovem se ataca pelos seus erros, ele conclui que é inadequado e incompetente. Isso rouba a coragem e autoconfiança necessárias para superar obstáculos. A forma que os pais vêm os próprios erros serve como exemplo para o adolescente. Mais do que isso, o relacionamento que os pais têm consigo influencia a capacidade de ajudar seus filhos a lidar com as dificuldades naturais da idade. A autocompaixão envolve a capacidade de fornecer suporte emocional a si mesmo, enfrentando desafios e adversidades com maior perspectiva e com a compreensão de que as dificuldades são comuns a todas as pessoas”, finaliza.
foto: BIRF