Há uma noite do mês de maio em que as ruas do Centro velho de Itu ganham um perfume especial de rosas e uma multidão de mais de 30 mil pessoas percorrem-nas em silêncio e oração. Em alguns momentos, pétalas chegam a cair do céu numa chuva de esperança e renovação. É nessa única noite fria de maio que a secular imagem de Santa Rita, datada de 1726, deixa o altar da velha capelinha, a construção mais antiga de Itu, e é seguida num demorado trajeto por uma verdadeira massa de fiéis que pedem e agradecem por suas graças.
De todas as procissões da região, a de Santa Rita, em Itu, é algo único e grandioso. Emocionante pelo número de devotos que dela participam (ultrapassa 30 mil pessoas), pelas rosas que eles carregam nas mãos (são mais de 20 mil botões distribuídos ao longo do percurso), pelas pétalas que são jogadas de um helicóptero sobre a multidão, pelos relatos que muitos trazem em favor da santa –considerada das causas impossíveis e uma das mais populares entre os católicos no Brasil, e pela própria história da italiana Rita de Cássia.
Ainda em vida, Rita já operava milagres. Nascida no século XIV, na região de Cássia, na Itália, Margarida (seu nome de batismo) desde muito cedo mostrava que tinha uma vida consagrada a Deus. Foi casada com um homem muito cruel e mãe de dois filhos, mas todos morreram e pôde tornar-se, aos 40 anos, religiosa do Convento de Santa Maria Madalena.
Inúmeros foram os ocorridos que fizeram desta santa uma das mais miraculosas em vida. Teve um espinho destacado da coroa de uma imagem de Cristo penetrado em sua testa, cumprindo assim um pedido seu de sentir as dores de Jesus Cristo em expiação pelos pecados do mundo. Ficou 15 anos reclusa em uma cela, pois sua ferida era repelente e fétida para todos que dela se aproximavam.
Assim, ela permaneceu por anos, até adoecer. Num dos episódios mais marcantes, ela pediu, em pleno inverno e acamada, que buscassem uma rosa e figos maduros de seu antigo jardim, algo impossível para um local onde a neve se fazia rigorosa. Mas a flor e os frutos tão desejados lá estavam. Conta-se que na hora de sua morte, os sinos do convento tocaram misteriosamente. As irmãs ao encontrarem o corpo de Rita perceberam que dele exalava um perfume de rosas, sua ferida estava curada e de seu rosto desprendia um sorriso indescritível.
Os milagres atribuídos a esta mulher tão querida por milhares de pessoas em todo o mundo, católicas ou não, são emocionantes. Em Itu, muitos fiéis dizem ter alcançado graças por intercessão de Santa Rita. O estilista Marcos Lazaro, famoso em todo o país, por seus vestidos de noiva, é um fervoroso devoto. Ele conta que ao abrir seu primeiro ateliê em Itu, ganhou de sua mãe uma pequena imagem de Santa Rita. “Ela me disse que a santa havia sido costureira e que iria me proteger para sempre, desde que eu tivesse fé no seu poder. Confesso que foi um momento inesquecível na minha vida”, lembra o estilista. “Depois disso, passei a me interessar pela vida dessa santa milagrosa. Fiz uma promessa que levaria um buquê de rosas vermelhas toda a primeira segunda-feira de cada mês no seu templo e que mesmo que eu estivesse viajando, procuraria uma igreja de Santa Rita e lá depositaria minhas flores e minhas preces. Desde então, passei a frequentar religiosamente as procissões da minha santinha”, completa.
Rosas e borboletas
Mas foi a cura de uma hérnia de disco que elevou ainda mais a fé do estilista em Santa Rita. “Tive um sério problema de hérnia de disco, o que me deixou praticamente imóvel numa cama, estava com cirurgia marcada, mas tive muita fé. Resolvi acompanhar a procissão da minha santinha. A dor era insuportável, tanto que tive três desmaios durante o trajeto, mas consegui! Lembro-me que ao chegar em casa, a dor era bem menor e eu fui melhorando com o passar dos dias. Desmarquei a cirurgia e convivo com esse problema de coluna há mais de dez anos. Só pode ser uma graça alcançada, pois não sinto mais nada!”, afirma Marcos.
Como agradecimento à santa e também como forma de conhecer ainda mais a história de Rita, o estilista ituano foi a Cássia, na Itália, terra onde viveu a santa e onde ainda permanece o seu corpo intacto, exposto à visitação dos fiéis. “Sempre tive muita curiosidade em saber mais sobre Santa Rita. Numa das minhas viagens à Europa, estava em Roma e procurei incansavelmente pelo Santuário de Cássia. Devo dizer que não foi nada fácil, pois na Itália não se conhece Santa Rita e sim Margherita da Cidade de Cássia. Contratei um motorista e fomos perguntando. Por incrível que pareça, paramos num pequeno restaurante à beira da estrada e lá encontramos uma senhora que conhecia como ninguém a vida de Santa Rita. Ela nos falou coisas incríveis sobre o convento onde a freira Margherita faleceu, dos seus milagres, enfim, nos deixou ainda mais curiosos, principalmente pelo fato de que tanto o convento, quanto o vilarejo onde viveu a nossa santinha, eram cercados de roseiras e tomados por borboletas”, descreve.
As rosas são o símbolo maior da devoção à Santa Rita. “Cássia é um lugar de extrema paz, uma tranquilidade ímpar, silêncio e realmente circundado por roseiras e borboletas. É mais do que fantástico! A emoção é indescritível. Por mais incrível que pareça, senti a presença de Santa Rita, talvez pelo fato de estar tão próximo das suas origens. Nem percebemos que se aproximava das 12h, foi então que o mais belo dos fatos aconteceu. Quando estávamos entrando na capela para ver o corpo intacto da santa, inexplicavelmente os sinos do convento começaram a badalar, como se estivéssemos sendo recebidos com música. Chorei muito e agradeci. A partir desse momento, passei a acreditar que milagres existem e que Santa Rita é minha grande amiga, guardiã e companheira!”, emociona-se Marcos Lazaro.
O promoter Áureo Silveira conta que também foi atendido por Santa Rita. “Em 1996, uma pessoa da minha família passou um enfermidade séria. Nós tínhamos a certeza de que ela não sobreviveria devido à gravidade da doença. Muito abalado, eu fui até a igreja de Santa Rita e supliquei a ela que me ajudasse neste momento difícil. Pela minha surpresa, fui atendido prontamente! Uma das minhas maiores emoções foi sair da igreja de Santa Rita, com a esperança de encontrar um milagre. Chegando ao hospital, eu encontrei o paciente saindo consciente da sala de cirurgia. Para mim, o milagre estava realizado, pois a pessoa está viva até hoje. Nunca tinha sentido a presença de Deus tão forte na minha vida, observando aquela cena tão importante para mim. Tudo isso graças à Santa Rita”, observa.
Áureo, mesmo sendo de uma família evangélica, lembra que sua fé em Santa Rita vem desde quando criança. “Minha devoção começou muito cedo. Quando eu tinha uns dez anos, eu comecei a frequentar uma igreja evangélica, pois minha avó era dessa religião. Mas toda vez que tinha a procissão de Santa Rita, eu gostaria de acompanhar, mas não chegava a ir por respeito que eu tinha pela religião que estava freqüentando. Isso me deixava muito triste, pois dentro de mim algo dizia que eu deveria ir. Então não tive dúvida: eu era realmente devoto de Santa Rita. Tudo o que vou fazer hoje, peço a ela para que me guie sempre, que ilumine minhas palavras e minha cabeça”, lembra o promoter ituano.
Sinais
A devoção dos ituanos por Santa Rita é muito antiga. Talvez isso explique os milhares de fiéis. Muitos conheceram a história da santa ainda na infância e carregam a fé nela por toda a vida. É também o caso da secretária Mariângela Silva, que desde pequena acompanha as procissões pelo Centro de Itu. “Reparava na fé que as pessoas tinham por Santa Rita e acreditava que ela era muito poderosa mesmo. Então, comecei a crer nela também e em vários momentos de minha vida senti sua presença forte, me protegendo e me guiando”, revela. Um desses episódios, relata Mariângela, aconteceu com sua mãe, que estava muito doente. “Ela estava com labirintite e havia ficado internada duas vezes. Eu pedi de todo meu coração que Santa Rita intercedesse por ela e, pouco tempo depois, minha graça foi alcançada. Graças a Deus e à Santa Rita, minha mãe nunca mais teve crises de labirintite”, afirma a secretária.
Mas esta não foi a única graça que Mariângela diz ter alcançado. Ela conta que já teve vários sinais de proteção da santa. Sua maior emoção foi quando, em um momento de desespero, pediu um sinal de Santa Rita que de que seria ajudada, e ganhou de presente uma linda medalha da santa. “Logo em seguida, eu recebi um sinal de uma pessoa que eu não esperava, me informando o que eu tanto queria”, destaca. Os milagres atribuídos à santa são conhecidos de Mariângela. Ela diz que uma amiga havia perdido seu primeiro bebê em 2006, mas nunca deixou de ter fé em Santa Rita, pedindo para que ela intercedesse para que na próxima gestação fosse tudo bem. “A surpresa foi que no final de 2008, ela conseguiu engravidar novamente, teve uma ótima gestação e seu bebê está para nascer daqui a alguns dias”, completa.
A atriz Débora Nunes também acompanha as procissões em Itu desde criança. “Sempre fui católica e costumava ir às procissões com a minha avó. Ela faleceu e eu continuei frequentando as missas e as procissões”, conta. Como a maioria dos devotos, a atriz revela que uma vez por semana passa pela capelinha para rezar e acender uma vela para sua família. “Santa Rita sempre protegeu minha família. Desde que minha filha começou a dirigir, eu sempre entrego a chave do carro a ela junto com uma imagem de Santa Rita. Ela ri disso sempre, mas não esquece de levar a Santa Rita junto, toda vez”, revela.
A devoção em Itu é antiga, tanto que a construção da capela aconteceu antes mesmo da sua canonização. A inauguração ocorreu em 1728 e Rita só foi declarada santa em 1900. A grandiosa procissão, considerada a maior da região, será no dia 20, domingo, às 17h, no Centro da cidade.
O estilista Marcos Lazaro acompanhou parte da história recente da santa e da devoção dos ituanos por ela. “Poderia citar muitos fatos, histórias que presenciei, porém, o mais importante é que tenhamos cada vez mais fé e que possamos agradecer todos os dias o fato de vivermos numa cidade abençoada por Deus e que consagra Santa Rita de Cássia como sua mãe generosa. Que o legado de amor e solidariedade de nossa amada serva do Senhor, continue sendo vivido por cada um dos ituanos e que ela não nos deixe esquecer dos mais necessitados, que perdoe as nossas falhas e continue por todo o sempre olhando por todos nós! Amém.”, conclui.
Por que Rita é Santa?
“É Santa, não tanto pela fama dos milagres que a devoção popular atribui à eficácia de sua intercessão junto a Deus, Todo Poderoso, mas pela admirável normalidade de sua vida, antes de tudo como esposa e mãe, depois como viúva e ainda como irmã agostiniana. Realmente, Rita é, ao mesmo, a ‘Mulher Forte’ e a ‘Virgem Sábia’ de que fala a Bíblia. Em todos os estados da vida, ela aponta, não apenas com palavras, mas também com seu comportamento, o autêntico caminho para a Santidade”. (Papa João Paulo II, 10 de fevereiro de 1982).
reportagem de Renato Lima
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