Com o mesmo charme de sempre, a diva Claudia Raia está mais vigorosa do que nunca: “Sou uma capricorniana focada, que ama trabalhar, realizar sonhos. Isso é o que me move”; Na edição especial de 18 anos da REGIONAL, a atriz, considerada uma das mais talentosas de sua geração, volta à revista numa entrevista exclusiva
Ao dar início a este texto, sinto uma euforia, afinal, entrevistar uma das maiores atrizes do Brasil requer uma dose de conhecimento a seu respeito. E meus encontros com ela, que já aconteceram diversas vezes ao longo de meus 13 anos de jornalismo, cresceu em mim a admiração por uma mulher que é completamente apaixonada pelo que faz. É nesta sintonia que ela acaba de lançar um livro de memórias, o “Sempre raia um novo dia” e uma fotobiografia, “Raia”, que reconta sua vida e carreira em imagens. O talento, a dedicação, o perfeccionismo e o comprometimento com a arte fizeram desta atriz um dos nomes mais relevantes da atualidade. E este consenso existe em todas as esferas. Claudia Raia nasceu para dominar as coxias, o palco e a plateia. Uma atriz para ser admirada e aplaudida por tudo o que construiu, especialmente no teatro musical. Nesta entrevista exclusiva à REVISTA REGIONAL especial de 18 anos, Claudia relembra com graça o início da carreira, fala sobre feminismo e política, família e filhos, idade e projetos, assuntos extremamente relevantes e atuais. E para matar a saudade, os fãs da atriz também poderão prestigiá-la na reapresentação da novela “Ti Ti Ti” (2010/2011), que irá substituir “Laços de Família” na sessão Vale a Pena Ver de Novo, da TV Globo. No remake da obra clássica de Cassiano Gabus Mendes, Claudia interpreta a inesquecível Jaqueline Maldonado, uma das personagens mais lembradas pelos noveleiros de plantão.
REVISTA REGIONAL: Só na TV são 35 anos, ou seja, você acompanhou e participou da evolução não só da dramaturgia, na questão linguística, mas tecnológica, como ajudou a construir uma identidade nacional. Como foi acompanhar essas transformações e como foi se adaptar a essas mudanças ao longo dos anos?
CLAUDIA RAIA: Foi uma coisa orgânica para mim. Eu não sou uma pessoa apegada a um jeito de fazer as coisas. Acho que a gente tem vários caminhos para chegar ao mesmo resultado, temos que ter esse jogo de cintura, amor, essa adaptabilidade. E assim pisquei e cheguei até aqui. Juro, parece que foi ontem (risos). Além de acompanhar as transformações tecnológicas, eu tive o privilégio de trabalhar com várias gerações de grandes artistas, que influenciaram diretamente no meu trabalho. Nomes como Paulo Autran, Irene Ravache, Eva Wilma e Tônia Carrero, que fizeram “Sassaricando” e estou podendo rever tudo isso no Viva (canal a cabo); Fernanda Montenegro; Jô Soares, que foi meu amor, me levou para a TV, me ensinou muito, como conto no meu livro de memórias “Sempre raia um novo dia”. Todo o elenco do “TV Pirata” (humorístico dos anos 1980), Fernandinha Torres, minhas filhotas da ficção… Nossa, é tanta gente incrível, que nem sei dizer. Essa troca entre gerações me enriquece muito.
No cenário artístico, tivemos mulheres incríveis, como Tônia Carrero, Laura Cardoso, Marília Pêra, Fernanda Montenegro, entre tantas outras. Como é fazer histórias, assim como todas essas atrizes no cenário artístico brasileiro? Mexe com o seu ego ter alcançado tamanho reconhecimento?
Eu não sou uma pessoa apegada à fama, ao sucesso. Eu fico feliz com o reconhecimento do meu trabalho. Mas fama nunca foi algo que eu persegui. Foi uma consequência. Isso é muito claro para mim. Por exemplo, as pessoas falam muito da questão da diva, que sou diva… Eu não levo isso a sério, amor. Mesmo. Eu brinco com isso. Gosto de brincar, de me montar, de criar. Mas jamais levo isso a sério, sabe?! E acho que tem que ser assim, ou a gente pode acabar perdendo de vista o que é importante, que são as histórias que a gente conta, os personagens que a gente cria, as peças de teatro que a gente levanta e faz… Isso é o que realmente me interessa. A fama e o sucesso são uma consequência disso, é algo que vem junto, mas que não sobe à minha cabeça. Sou uma capricorniana focada, que ama trabalhar, realizar sonhos. Isso é o que me move!
Hoje há várias vertentes do movimento feminista: liberal, radical, marxista, negro, ecofeminismo, interseccional… Em que momento você se descobriu feminista e como você se posiciona em relação a essas vertentes?
Desde sempre eu sou feminista. Fui criada numa casa por outras três mulheres: minha avó Ernestina, minha mãe Odette, e minha irmã Olenka. Minha mãe sempre foi uma mulher forte, empoderada, empreendedora, que sempre me incentivou a correr atrás dos meus sonhos, a não ficar esperando as coisas caírem no meu colo. Ela não só abriu a gaiola, como me deu asas para eu voar. E foi com esse exemplo forte que eu cresci. Não tinha como ser diferente. Acredito na igualdade entre mulheres e homens, acredito em toda nossa potência enquanto mulheres. E, mais ainda, sei que as mulheres 50+ estão aí para revolucionar tudo. A questão da idade ainda é um tabu, e eu não consigo entender isso. Idade é apenas um número. Eu estou com 54 anos e na melhor fase da minha vida. Quero falar sobre minhas mudanças, minhas transformações, sobre menopausa, sobre maternidade, sobre empreendedorismo… Nossa, tem tanta coisa que eu ainda quero realizar, e a sociedade olha para mulheres como eu, vê um número e quer me dizer que já não tem nada para fazer. Só digo uma coisa: não aceito isso! Jamais. Vou continuar falando sobre temas relevantes, vivendo a minha vida da melhor maneira, amando e sendo amada, trabalhando com muito amor e realizando tudo o que eu desejo. E quero dizer para as mulheres ageless – sem idade – como eu que não se sintam intimidadas com os rótulos. Estamos nessa vida para melhorar e ajudar a sociedade a melhorar e evoluir também. Estamos na nossa potência máxima!
Aliás, recentemente você parabenizou sua filha Sophia por completar 18 anos, você diz que sente orgulho por ela ter se tornado uma mulher empoderada, forte e feminista. Mas como você se sente ao ter feito parte dessa construção, da ética e da moral de um ser humano?
Enche-me de orgulho ver tanto Enzo (filho) quanto Sophia hoje, duas pessoas que respeitam o próximo, que se preocupam com o outro, que querem mudar o mundo. Eu sou uma mãe muito coruja, acho muito bonitinho que eles olham além deles e da realidade deles. As mudanças que a gente quer ver no mundo começam na gente também, na maneira como olhamos o mundo e como se colocamos para mudá-lo.
Durante a pandemia, o Enzo, através do instituto Dadivar, conseguiu arrecadar 1,5 milhão de pratos de comida. Você diria que sua missão como mãe foi cumprida? Até que ponto a sua criação, sua convivência com a família, amigos e trabalhos influenciaram na maneira como você criou os seus filhos?
Acho que a missão da mãe está sempre se atualizando (risos). Mas vendo meus filhos hoje fico muito feliz pelos caminhos que tanto eu quanto o Edson (Celulari, pai) escolhemos para criá-los. Minha mãe foi uma pessoa que influenciou muito a minha maneira de exercer a maternidade, sem dúvida. Ela foi a minha grande referência também nessa área.
Claudia, a gente sabe do seu envolvimento com a cultura e da importância que ela tem para o país, mas, infelizmente, a Cinemateca, por exemplo, está sendo sucateada, a instituição sobreviveu à ditadura militar, mas diante do que vem acontecendo, você acredita que ainda é possível enxergar uma luz no fim do túnel?
Eu acho que a gente vai lá e coloca um poste se não está vendo a luz no fim do túnel. Arte e cultura são muito importantes, não podemos abrir mão disso de maneira nenhuma. Na pandemia, ficou ainda mais clara a importância da arte e da cultura. Eu acredito sempre nesses dois pilares. Incentivá-los é uma maneira de incentivar a nossa identidade enquanto brasileiros, é exaltar a nossa força.
E por falar em governo, em 1989 você sofreu quando apoiou o Fernando Collor para presidente. Aliás, essa é uma das menções do seu livro, hoje o Brasil vive uma polarização política. Você assumiu uma posição em falar a verdade, mas hoje arriscaria um posicionamento político?
Eu acho que depende muito da situação. Se eu tivesse muita segurança e certeza, não vejo problema. Acho que, como cidadã, tenho todo direito de me manifestar. Mas sei também que por ser uma pessoa pública o que eu falo tem uma repercussão grande, influencia as pessoas. Sou muito responsável quanto a isso.
Essa pergunta complementa a anterior, por falar sobre vários assuntos, ainda que sejam polêmicos, mas já aconteceu de você abordar algum tema recentemente e ter se arrependido ou até mudado de opinião? Afinal, estamos em constante evolução e aprendendo com os erros.
Acho que na vida isso acontece. O que é natural porque como você mesma disse, estamos sempre em evolução. A gente muda, melhora, volta atrás e segue em frente. Não fico me prendendo ao que deu errado, por exemplo. Tudo é aprendizado.
Quando as pessoas falam: “O que essa pandemia veio mostrar”, você não tem a sensação de que falta empatia porque afinal são mais de 230 mil vidas perdidas, pais, filhos, netos, avôs, primos, tios… Ou você acredita que é possível aprender com a morte, por mais dolorosa que ela seja?
A pandemia, na verdade, chegou, invadiu nossas vidas e estamos tentando dar conta de explicar todas as mudanças. Eu acho que é desse lugar que muita gente fala porque estamos tentando entender o que está acontecendo há quase um ano. É um momento de muita dor, de muita tristeza e tudo isso nos faz repensar muitas coisas. É muito triste ver o colapso da saúde e tantas notícias falsas sobre a vacina circulando, o que desestimula a vacinação, por exemplo. Ao mesmo tempo, vemos a sociedade civil se organizar para ajudar as pessoas que estão em situação de extrema vulnerabilidade. Estamos tentando entender tudo isso ainda e como podemos ajudar as pessoas.
Claudia, eu gostaria de entender um pouco sobre o livro, são vários os temas que você aborda, começando pelo seu casamento com o Alexandre Frota, passando pela sua carreira em Nova York, até sua família. De todos os assuntos abordados, qual deles foi o mais difícil de retomar e buscar no fundo do baú essas emoções para estarem presentes no livro?
Meu livro são crônicas da minha vida e eu falo tudo. Não tem motivo para esconder. Quando decidi que ia escrever um livro de memórias, sabia que colocaria ali tudo que aconteceu, sem mascarar nada, sem meias verdades. “Sempre raia um novo dia” foi um projeto que nasceu durante a pandemia, que já é um momento delicado por si só, como falamos antes. Então, entrar em contato com minhas memórias foi um desafio por isso. Foi um mergulho muito profundo em mim, de relembrar minha trajetória. Ao mesmo tempo, foi muito gostoso viver esse processo e ter a Rosana Hermann (jornalista e escritora) junto comigo. Ela ficava mais impactada do que eu. Tinha dia de eu acordar e ter mensagem que ela me mandou durante a madrugada no celular falando que não conseguia dormir pensando em mim, nas minhas histórias. Olha isso! (risos) Mas eu entendo, porque vivemos esse mergulho de maneira muito intensa. E o resultado é esse livro, que não segue uma ordem cronológica. Ele vai apresentando as histórias do meu primeiro ato, como gosto de dizer.
A gente sabe que você é uma mulher muito ativa, quais são os próximos musicais ou trabalhos na televisão que você pretende tocar futuramente?
Nossa, muitas coisas! Esse ano ainda estou falando dos livros, que saíram no final de 2020: o meu livro de memórias, “Sempre raia um novo dia”, e minha fotobiografia, “Raia”, que reconta minha vida e minha carreira em fotos. É outro projeto muito especial para mim. Fora isso, tudo é um grande “não sei!” (risos). Pela primeira vez na minha vida, não tenho uma data para te dar, nada muito conclusivo. Estou escalada para a novela das seis que entrará no ar depois de “Nos Tempos do Imperador” (na TV Globo), em que vou fazer a mãe da Larissa Manoela (atriz). No teatro, estou avaliando a possibilidade de voltar com “Conserto para Dois”, uma comédia musical comigo e com o Jarbas (Homem de Mello, ator e marido) em cena interpretando os 12 personagens dessa história. Estávamos em cartaz com ela em Portugal quando a pandemia começou. Tivemos que cancelar as últimas apresentações lá e voltar para o Brasil imediatamente. Mas não temos muita certeza de nada ainda, de quando voltaríamos, de como seria a apresentação. E também estou para lançar agora no primeiro semestre a segunda temporada do meu programa no IGTV, “50 e tantas”.
texto: Ester Jacopetti
fotos: Lucas Mennezes