É na Bahia de todos os santos que a festa mais popular do Brasil começa. E um dos nomes mais esperados é o da cantora Claudia Leitte. Mas neste 2021, excepcionalmente, devido à pandemia de covid-19, a data da celebração foi alterada, por enquanto, para o segundo semestre. Mas a baiana arretada não para quieta, e foi durante a quarentena que ela decidiu lançar “Sol a Sol” um EP que tem a cara do verão, com músicas dançantes para os brasileiros que gostam de alegria, calor e praia, tudo o que combina com o clima do Carnaval. “Eu sou uma cantora de palco, de axé, de entretenimento, de festa, de alegria, de sol, eu me amarro nas apresentações, é lá que eu busco inspirações para compor, fazer arranjos com a minha banda. Nós tivemos que criar um ritmo sem ir para o Carnaval. É um processo e temos que nos adaptar, mas me trouxe a alegria do Carnaval ver todo mundo dançando a coreografia que eu fiz no meu quarto”, disse a cantora, que está de volta ao programa “The Voice” como jurada, na edição especial para cantores maiores de 60 anos. Nesta entrevista, Claudia abre o coração e revela do que sentiu mais falta durante o período de distanciamento. Confira.
REVISTA REGIONAL: “Sol a Sol” tem a cara do verão e você trabalhou este EP de maneira bem diferente, inusitada, como foi orquestrar tudo isso em meio à pandemia com a sua equipe, mesmo estando em isolamento social?
CLAUDIA LEITTE: Honestamente quando tudo começou, as audições, este álbum, tínhamos algumas expectativas obviamente de fazer show, mas nada está nas nossas mãos. Pela primeira vez na vida eu acho que todo mundo está consciente de que estamos todos no mesmo barco. Eu sou uma cantora de palco, de axé, de entretenimento, de festa, de alegria, de sol, eu me amarro nas apresentações, é lá que eu busco inspirações para compor, fazer arranjos com a minha banda, mas eu não estava vendo as pessoas. Eu estava com o meu Carnaval de 2021 pronto há dois anos, já estávamos vendendo abadás, mas tudo mudou. Nós tivemos que criar um ritmo sem ir para o Carnaval. “Sol a Sol” nasceu no meu estúdio, voltei para a minha infância em vários momentos, quando eu era pequena imaginava plateias, multidões, imaginava que um dia eu fosse cantar para um público. Eu faço música para as pessoas dançarem e “Desembaça” foi feito pensando numa coreografia e as novas plataformas de divulgação ajudaram nesta questão, porque antigamente trabalhávamos com as rádios. É um processo e temos que nos adaptar, mas me
trouxe a alegria do Carnaval ver todo mundo dançando a coreografia que eu fiz no meu quarto. Eu vinha numa vibe muito feminina, fiz um Carnaval em homenagem à força da mulher, escolhi figuras muito importantes que me trouxeram muito aprendizado. Curiosamente, o meu último show foi no dia 08 de março (de 2020), em São Paulo, no Dia Internacional da Mulher. Eu fui a primeira artista a cancelar shows, foi muito louco isso. Neste trabalho continuamos com o mesmo tema, sol é uma figura feminina, que traz calor, energia, renovação, é um símbolo de esperança porque quando ele nasce traz um novo dia, é mais uma oportunidade que temos na vida. O sol representa a música da Bahia, que eu faço, que está neste disco, a mulher baiana, a mulher feliz, leve.
São músicas inéditas, mas além de “Desembaça” tem também “Mulherão”. Podemos dizer que essa será a grande aposta deste novo projeto?
Eu gosto de todas, “Desembaça” é a primeira música da leva, ela fala de mulher, de autoestima, mas não planejamos isso, ou seja, as histórias dos compositores vieram de lugares e pessoas diferentes, e elas se complementaram naturalmente no estúdio, depois vieram a equipe e obviamente planejamos, mas muito consciente de que a gente queria fazer o melhor. Esse é um álbum simples, de músicas de axé, pra dançar, pra se divertir. Eu queria que as pessoas ouvissem e imediatamente se sentissem num momento legal da vida delas, como acontece no Carnaval, numa micareta, tem cheiro, tem temperatura. Esse é um momento especial porque as pessoas não vão para o Carnaval, elas vão experimentar algo diferente. Eu entendo a minha identidade, o meu lugar, sou uma pessoa alegre, minha alegria não vem das circunstâncias, isso ficou muito claro pra mim, a minha alegria vem do alto que é uma conexão que eu tenho com o céu, Ele colocou dentro de mim. Eu tenho as minhas dificuldades, os meus problemas como qualquer outro ser humano, minhas dores, as minhas tristezas, estamos vivendo um momento difícil, mas tenho essa coisa no meu coração que é como o sol, ele sempre vem e não posso evitar, vira música. Eu estava no meu quarto e essa troca aconteceu, e os meus fãs merecem que viesse de mim através das plataformas digitais, todo artifício que eu pudesse utilizar para chegar neles, e eles merecem esse carinho, calor, porque são muito importantes pra mim, por isso, gosto de fazer shows e música para os meus fãs, faço para fazê-los felizes, não existe outra intenção que não seja essa, de jeito nenhum.
Uma pergunta difícil de responder porque a gente sabe que você ama os seus fãs, ama estar nos palcos, ama a sua família, os seus filhos, mas do que você sente mais saudades, do público quando está em casa, ou dos seus filhos quando está em turnê pelo Brasil?
Essa pergunta é a pior de todas. Eu amo tudo, mas sabe esse dilema que toda mulher vive? Ele é real, independentemente do estágio que a mulher vive a maturidade. Essa foi a minha terceira gestação pela qual eu passei trabalhando, ativa, o meu terceiro filho é a coisa mais linda do mundo, os meus filhos são demais, mas eu preciso cantar, eu amo cantar. Obviamente, tenho uma empresa, tiro licença maternidade por quatro meses, mas as contas não param de chegar. Existe essa preocupação como mulher, empreendedora, trabalhadora, guerreira, mas é muito importante parar e estar com os meus filhos, traz equilíbrio, ainda que você não consiga a perfeição no dia a dia e dar conta de tudo, é impossível que aconteça de fato, mas é possível chegar perto. Eu não posso ficar sem o meu público, sem os meus filhos, não posso ficar sem fazer música, porque é o que alimenta a minha alma, não posso deixar de ter novos desafios. A música e a maternidade são duas coisas que eu jamais posso deixar de ter para ser feliz, não dá pra comparar, mas preciso das duas. Eu acho que Deus me ensinou a depender dele neste momento, eu sempre fui muito de palco, sem limites, sempre fui canário do reino e canto em qualquer lugar. Eu comecei a minha carreira cantando em bar, mentira, comecei cantando em casa, no banheiro, ali já era um treinamento. O meu pai pedia pra eu dar uma canja. Na idade do meu filho Rafael eu já fazia shows numéricos na janela de casa. E o saudoso Batatinha, sambista que subia a ladeira todos os dias às seis horas da tarde, fazia dupla jornada, eu ficava esperando que ele me visse, porque era um artista famoso. Eu achava que ele fosse me ver cantar e me levar com ele. Sempre fiz shows, nunca fiquei tanto tempo longe do palco, e Deus me mostrou que tenho identidade, independentemente da minha vocação que é cantar, mas eu quero muito fazer shows, preciso dos palcos, sou louca pelo ao vivo, subo no trio e saio dali quando vejo todo mundo banhando no suor, na alegria de viver o momento, gosto de ver gente feliz, pulando.
Diante de tantos sucessos, qual seria o legado que você gostaria de deixar não só para os seus fãs, mas também para a sua família?
Não existe a possibilidade de eu viver neste mundo sem amor, ninguém é bem-sucedido se não tiver amor e, cada vez que falamos a respeito parece que é clichê, parece que a gente está sendo inconveniente, mas é isso que me motiva a falar mais e mais, me dá vontade de bradar. Sabe essa coisa de você olhar para o outro com indiferença? Ou fazer dissociação entre as pessoas? É ausência de amor, é o vazio completo, por mais que tenha muito dinheiro. Os meus filhos são criados com amor. Estou longe de ser uma mãe perfeita, mas falo pra eles que não existe diferença entre as pessoas, não tem ninguém melhor que ninguém. Eles ainda não têm noção de serem filhos de uma mulher famosa, o Davi está começando a compreender, quando estamos passeando juntos, eu sinto que ainda tem uma estranheza quando as pessoas pedem para tirar fotos comigo, me abraçam e falam de suas vidas. Se não tiver amor no que você faz, não faça, esse é o princípio.
Diante de uma pandemia você acredita que a música, mesmo sendo apresentada por plataformas, pode ter o poder de suprir um pouco a falta do calor humano? Acredita que a música possa ser uma conexão entre você e o seu público?
Eu acredito que essa é uma ferramenta que temos à nossa disposição, desde a época do Orkut, nós estamos nos adaptando ainda mais a este momento, mas o show ao vivo, a troca de calor, eu não vejo a hora, por exemplo, de cantar essas músicas no palco. Essas músicas irão ficar muito mais fortes, e nunca irão substituir a energia que tem. Eu acredito que será positivo sim, mas sem dúvida nenhuma o tête-à-tête não pode ser substituído jamais, o calor, a muvuca, nada vai substituir, mas essas músicas irão trazer um carinho no coração. Eu comecei a minha carreira muito nova, já experimentei tudo o que você possa imaginar, já cantei todo tipo de sentimento, já experimentei todo tipo de loucura. Eu continuo acreditando na força feminina, mas hoje em dia eu tenho uma preocupação muito mais consciente de que vou deixar algo, ainda que eu não esteja mais aqui. Eu não sinto nenhuma pressão, pelo contrário, faz tudo ser muito mais divertido. Acordar pela manhã e me arrumar, é como se eu estivesse vestida como o Superman, que vou realizar o meu sonho, vou passar uma mensagem boa. Essa preocupação é muito legal e não me faz superior, mas me faz a serviço. Todo mundo recebe todos os dias 24 horas, ou seja, somos iguais, ou você vai acreditar que a sua música não tem propósito, é só fazer pra ganhar dinheiro, ficar rica e todo mundo gritar o seu nome, ou você vai acreditar que tem uma mensagem, que tem algo a ser feito e tem a honra de fazer parte desse todo. Eu escolho essa segunda opção, eu acredito que a minha música tem valor.
Observando as letras, elas estão cada vez mais feministas. Quais são suas referências quando falamos em empoderamento da mulher no Brasil e no mundo?
No Brasil e no mundo é a minha mãe, aliás, na minha vida inteira. Que mulher! Ela está no clipe da música “Mulherão”, além dela está a minha avó, e eu queria colocar todas as mulheres da minha vida, eu tenho duas tias também. Cresci com essas mulheres na minha família e, obviamente, aprendi muito com elas, amadureci ao longo da minha própria jornada, mas com elas eu tive alicerces. Mulherão é aquela mulher que tem autoestima consciente, tudo está na nossa mente, não podemos ser controladas pelas emoções, o mulherão não responde somente pelas emoções, obviamente a gente debulha em lágrimas, temos TPM, temos fragilidades, mas isso não nos define. As tribulações, os infortúnios não definem a jornada de uma mulher, o mulherão sabe que pode contar com o outro, que existe uma saída, ela se olha no espelho e se reconhece com as suas falhas e tudo mais, ela sabe quem ela é, eu sei quem eu sou, sou incrível, sou maravilhosa exatamente como fui feita, do jeito que eu sou, existe uma vida pra mim, essa é o mulherão. A minha mãe é assim. Eu escrevi uma música que se chama “Preto” que é assim: Preto, se você der amor, tudo de mim você terá, Preto, se você pisar na bola outra vez, coloco outro em seu lugar, porque o carro é meu, o celular é o meu, o silicone é meu e não foi você quem deu, estou cheia de vazio, do que me prometeu, até meu ex é meu”. Essa frase é muito parecida com a letra de Mulherão. É responsabilidade minha como eu me comporto. Eu sou minha, eu me amo, eu não quero ser o amor da vida de alguém, quero ser amor da minha própria vida. Isso tem que ficar muito claro nas nossas relações. Eu tenho o meu marido do meu lado e ele me inspira muito como mulher, porque ele ressalta o tempo inteiro as minhas qualidades e mesmo nos momentos mais difíceis, ele está do meu lado pra dizer que é o meu parceiro. Eu tenho ouvido relatos difíceis e Beleza Escondida é um projeto de uma grande instituição que acontece e se realiza com muito sacrifício dia após dia no Brasil, porque dá abrigo as mulheres que são vítimas de violência doméstica. É uma realidade muito difícil e vem das nossas raízes como mulher. Não somos criadas e nem educadas para sermos diretora financeira, uma mulher não é posicionada dentro de um escritório, de uma empresa, de uma indústria com salário equiparado a de um homem, as nossas fundações são corrompidas, é importante nos sensibilizarmos. Eu vejo necessidade na minha postura levar informação para essas mulheres. Sou uma mulher livre, isto está muito claro e consciente na minha vida agora.
texto: Ester Jacopetti
foto: Jacques Dequeker