Ela luta pelos direitos dos animais, chora quando encontra os pobres indefesos machucados, abandonados e, muitas vezes, entre e a vida e a morte. Assim é a rotina constante de Luisa Mell, a ativista mais conhecida e amada do Brasil. Em entrevista exclusiva à REVISTA REGIONAL, mais uma vez ela se mostra emocionada por desenvolver um trabalho árduo, mas que tem suas compensações. “Eu tenho o objetivo de transformar e mudar o mundo”, afirma, ressaltando que, mesmo apesar das dificuldades, não se deixa abater pela falta de compromisso até mesmo dos governantes, pelo contrário, segue em frente e faz a diferença através de seu Instituto, criado em 2015. Contando sua história emocionante no livro “Como os animais salvaram a minha vida”, Luisa revela que abriu sua vida, mostrando como foi chegar ao fundo do poço por conta de uma depressão: “Renasci com muita mais força”, diz emocionada. Com muito equilíbrio, ela consegue criar seu filho Enzo, de três aninhos, seguindo os seus passos, passando seus valores, mas faz um alerta: “As pessoas acabam enxergando animais como cães e gatos, mas na verdade todos sofrem, amam, nenhum deles merece ser abusado, escravizado. O principal é despertar essa consciência, porque eu não tinha ideia na minha infância de cada produto que eu usava, cada um tinha uma história de crueldade por trás, mesmo as coisas mais evidentes como couro, lã, a gente não tem ideia, porque toda a mídia tenta esconder”, adverte. A seguir, a entrevista completa com a ativista e ex-apresentadora Luisa Mell:
REVISTA REGIONAL: Como uma das ativistas mais respeitadas do Brasil, você sente que o seu trabalho tem o alcance que gostaria?
LUISA MELL: Eu fico muito feliz com o alcance que as minhas postagens têm, mas obviamente é muito pouco, porque os animais continuam sofrendo, então, o meu objetivo é que cada vez mais as pessoas escutem a minha voz e se conscientizem dos maus tratos, e se transformem.
Além de todo o trabalho desenvolvido pelo Instituto Luisa Mell, quais outros meios poderiam ajudar a melhorar? Falta um envolvimento maior por parte dos governantes, por exemplo?
Sem dúvida nenhuma, o nosso governo é totalmente omisso em relação aos nossos animais, tanto em âmbito federal, estadual, municipal, no país todo. Nós vemos animais sendo massacrados. Eu, por exemplo, no Instituto, consigo fazer a diferença. Nas últimas eleições, várias pessoas se elegeram com a bandeira da causa animal. Os políticos sabem que têm uma demanda grande na sociedade, muitas pessoas se preocupam, mas não vemos na prática mesmo. A lei de castração foi aprovada pelo Michel Temer, mas ele tirou alguns artigos, e a lei na verdade é uma bobagem, porque ela diz que tem que castrar, mas não diz de onde vem o dinheiro. Ele tirou os artigos importantes, então fica tudo superficial, tudo palhaçada. Efetivamente não tivemos grandes avanços. O último que eu consegui foi quando o Estado de São Paulo parou de sacrificar os animais em 2008, mas de lá pra cá, não tivemos grandes mudanças.
De todas as tristes e impactantes histórias que você presenciou, qual delas te marcou e por quê?
Realmente, sempre digo que lido com a maldade humana de perto. É sempre assustador ver o que um ser humano é capaz de fazer com um ser inocente e indefeso. É sempre assustador, mas os casos que mais me marcaram mesmo foi do Instituto Royal e do canil clandestino que eu fiz no ano passado. Os dois casos estão relatados com muita emoção em detalhes no meu livro.
Você diria que esse amor pelos animais fez com que você se tornasse vegana? Quais os cuidados você tomou com essa transição?
Sem dúvida nenhuma foi o meu amor pelos animais que me fez virar vegana, mas não é só isso, porque uma pessoa pode não amar os animais e ser vegana, porque o veganismo tem muito mais a ver com o senso de justiça, de ética e de respeito. Você não necessariamente precisa ter 300 animais em casa pra ser vegana. Há pessoas que têm 300 e não são. As pessoas acabam enxergando animais como cães e gatos, mas na verdade todos sofrem, amam, nenhum deles merece ser abusado, escravizado. O principal é despertar essa consciência, porque eu não tinha ideia na minha infância de cada produto que eu usava, cada botão que queria comprar tinha uma história de crueldade por trás, mesmo as coisas mais evidentes como couro, lã, a gente não tem ideia, porque toda a mídia tenta esconder, mesmo quando vendem um chocolate, colocam a vaquinha feliz como se ela realmente estivesse te dando o leite. Depois a gente descobre que não é nada daquilo. A gente rouba o filho dela, mata e pra roubar o leite que seria dele, transforma ela em escrava em todos os sentidos, um sofrimento atroz em todos os âmbitos. Imagina o sofrimento para um mamífero, de ter o seu filho arrancado dos braços que nasce? Eu tomei cuidado sim, procurei nutricionistas, médicos, principalmente quando eu fiquei grávida, que é um momento mais importante em relação à alimentação. Eu fiz questão do final do meu livro ter um guia vegano, porque aborda muitos assuntos emocionantes, e até científicos.
Você é uma mulher firme e corajosa. Faz ideia do quanto as pessoas se inspiram em você?
Eu fico emocionada ao ver que as pessoas se inspiram em mim, elas escrevem muito sobre isso, relatam que começaram a resgatar depois de me verem resgatando, que começaram a pensar sobre veganismo, que pararam de comer carne. É o que mais me emociona, me dá força, porque o meu trabalho é muito duro. Eu só acredito que, obviamente, cada animal que eu salvo no Instituto é um presente, mas acredito numa revolução mesmo. Sofro demais com tudo que sei que os animais passam, então, quando uma pessoa diz que se inspirou e que mudou qualquer hábito, que mudou às vezes um olhar sobre os animais por minha causa, é o maior presente que eu recebo.
Mesmo se dedicando ao Instituto, você sente saudades da época em que apresentava o programa (Late Show)? Se recebesse um convite para retornar à TV aceitaria?
Não sinto saudades de apresentar. Hoje em dia faço tanta coisa. Eu tenho um contato muito grande com as pessoas pelas redes sociais, dos meus eventos, tenho um alcance maior, do que na época do programa. Sobre receber convites, às vezes eu até recebo, mas avalio muito porque precisa ser algo que atinja talvez as pessoas que ainda não conhecem o meu trabalho. Eu tenho o objetivo de transformar e mudar o mundo, então sempre penso se vai me ajudar a salvar mais animais. Essa é a conta que eu faço.
No livro, você comenta sobre alguns momentos ruins, como a sua saída da televisão. O que te fez seguir em frente e redescobrir um novo olhar sobre a vida?
O que me fez olhar pra frente está no livro, eu acho que esse é o grande mote. Eu abri mesmo a minha vida, estou mostrando que fui para o fundo do poço, e depois renasci com muito mais força. E o pessoal vai ter que ler o livro.
Seu filho está com três aninhos, e você é uma mãe aos 40 anos. Essa escolha se deu em função do seu envolvimento com a causa animal? Ou você já planejava ser mãe aos 37 anos?
A idade não teve nada a ver com a causa animal, mas sim com o meu momento pessoal, ter um filho é uma responsabilidade enorme; educar um filho. Eu dou graças a Deus de ter tido mais velha, porque eu tenho muito mais paciência, sabedoria, em todos os sentidos. Quando eu era menina, era muito mais impulsiva, hoje em dia cada coisa que eu vou ensinar para o meu filho é com muito prazer, penso muito sobre cada coisa. É o maior presente do mundo, você poder educar alguém e, ao mesmo tempo, é o maior desafio.
Como você conseguiu educar o Enzo sobre a importância de não comer carne? O que você sugere para as mães que querem mudar esse conceito com seus filhos?
Eu passo para o Enzo desde que ele nasceu os meus valores. Sempre contei historinhas, como por exemplo, da baleia presa no aquário, o quanto ela é triste e chora, e a baleia que vive livre e feliz, pra que ele entenda esses conceitos, de que não é legal aprisionar e machucar os animais. Ele sabe que nós somos amigos dos animais. Eu passo pra ele que os animais sentem, e que nós não precisamos machucá-los para nos alimentarmos. Eu acredito que o dia a dia é o mais importante. Não adianta você falar pra criança não comer carne, e você comer na frente dela, ou não a ensinar comer outras coisas. A nossa rotina é muito fácil. Na minha casa quase todo mundo é vegano, então é mais simples, mas obviamente que ele lida com outras pessoas. Nós fomos num museu do sorvete em Miami, só eu e ele, e todas as vezes eu perguntava se tinha opção vegana, e não tinha nenhuma. Eu estava falando em inglês, achei que ele não estive prestando atenção, mas assim que saímos e encontramos o meu marido ele falou: ‘Papai, lá não tinha sorvete vegano e você não sabe, muitas pessoas comem sorvete que machucam os animais.’ E ele indignado. ‘Eu não sei porque as pessoas fazem isso.’ Então, pra mim o maior desafio mesmo é lidar com isso, de como ensinar pra ele. Eu tive que falar que muita gente realmente come, porque as pessoas não sabem que os animais sentem como a gente, estamos aqui para ensinar as pessoas sempre com amor, e ele disse que falaria para as amigas que não pode comer, mas sempre digo que ele é um outro ser humano, não é fácil você ser diferente. Eu bem sei, vou respeitar as escolhas dele, o desafio, ele tem que ter a própria história, mas eu também vou ensinar e passar os valores que eu acredito.
Como você trabalha o seu lado emocional quando não consegue resgatar animais que, de fato, sofrem maus tratos?
Olha, como eu trabalho o meu emocional? Essa parte eu ainda não descobri. Às vezes fico super mal, eu tenho síndrome do intestino irritável, fico muito no banheiro, porque as coisas mexem demais comigo, mas hoje em dia um pouco mais velha, aprendi aquela velha máxima de você olhar a metade do copo cheio. Olha quanto eu consigo salvar?! Evidente que dos que eu resgato, a maioria consigo salvar, mas perco muitos, eles morrem e é sempre muito difícil, mas ao mesmo tempo cada um que eu salvo, e depois vejo uma família, isso me dá muita garra pra continuar. Vale a pena esse percalço do caminho, é gratificante saber que às vezes pego um animal, um cavalo que sofreu e foi judiado a vida inteira, aquelas poucas horas eles passam comigo recebendo amor e carinho, percebo pelo olhar deles que foi a primeira vez, a surpresa e a felicidade em perceber que eles são importantes pra alguém. Eu sempre me emociono com isso.
texto: Ester Jacopetti
foto: Marcos Rosa