Quem nunca reclamou de uma queimação ou um incômodo estomacal depois de exagerar na comilança? Sintomas como azia e queimação são muito comuns e fazem parte do vocabulário das pessoas, especialmente dos adultos. O cafezinho, a feijoada, a cervejinha… todos conhecemos bem o desconforto causado pela comida que não caiu bem. Mas, quando esses sinais tornam-se frequentes é preciso ficar alerta para doenças que podem prejudicar seriamente a nossa saúde.
É comum relacionar os problemas nessa região diretamente ao estômago ou ao intestino, mas o sistema responsável pela digestão conta com diversos órgãos que trabalham de forma conjunta para extrair o máximo de nutrientes dos alimentos, garantindo a absorção de todos eles para nosso organismo.
O sistema digestivo começa pela boca, passando pela faringe, esôfago, estômago, intestinos delgado e grosso e, por fim, o reto. Ainda conta com diversos anexos como: glândulas salivares, pâncreas, fígado, vesícula biliar, dentes e língua – coadjuvantes nos processos de ingestão, processamento, extração de nutrientes ou eliminação de dejetos. O caminho que o alimento percorre pelo corpo até sua eliminação é literalmente longo: para atravessar a extensão de cerca de nove metros de aparelho digestivo leva de 18 a 30 horas, sendo seis delas apenas no estômago.
A importância desse sistema é vital para o organismo. Sem a absorção correta dos nutrientes, a saúde fica seriamente comprometida, por esse motivo qualquer anormalidade no seu funcionamento é sinal de alerta. Enfermidades no sistema gastrointestinal podem comprometer a nutrição adequada, levando a situações que necessitam de cuidados especiais.
As doenças gastrointestinais
Em levantamento realizado pelo Ministério da Saúde, as doenças crônicas do trato-gastrointestinal estão entre as principais causas de morte. A gravidade dessas doenças pode variar muito de acordo com o estilo de vida do indivíduo. Má alimentação, sedentarismo, fumo e álcool são agravantes que podem levar a sérias complicações.
Os principais sinais de problemas no sistema digestivo envolvem uma variedade de sintomas: perda de peso sem razão aparente, dor ou cólicas no abdômen, náuseas e vômitos, inchaço, queimação estomacal, azia, constipação, entre outros. Obviamente alguns sintomas são corriqueiros e decorrentes de situações específicas, como, por exemplo, o exagero ocasional na alimentação. Porém, a repetição do quadro de um ou mais sintomas requer acompanhamento médico a fim de determinar uma possível infecção ou doença crônica. Sinais mais severos como fezes com sangue ou secreções devem ser imediatamente observados por um médico especialista.
Doenças mais comuns:
– Diarreia: É o aumento do número de evacuações por dia e perda da consistência das fezes, tornando-se líquidas. Normalmente decorre de infecções virais como a gastroenterite ou vírus intestinal. Também pode ser resultado de uma reação adversa ao uso de determinados medicamentos, intolerância a determinados alimentos ou até mesmo intoxicação alimentar. Quando não controlada, pode levar o paciente a um quadro de desnutrição.
– Prisão de Ventre: Ao contrário da diarreia, a prisão de ventre é caracterizada pela presença de fezes endurecidas, dificuldade de evacuação e um período mais prolongado de constipação. Alguns hábitos alimentares são determinantes na causa desse distúrbio: baixo consumo de fibras e líquidos, por exemplo, podem causar episódios de prisão do ventre. Situações como estresse, sedentarismo, fumo, e abuso do álcool também podem ocasionar esse desconforto. Especialmente em mulheres, picos hormonais e gravidez podem agravar o problema. Dor ao evacuar, inchaço do abdômen e alterações no humor são as principais consequências da prisão de ventre.
– Infecções Intestinais: Normalmente ocorrem quando o indivíduo ingere alimentos estragados, mal higienizados ou contaminados por bactérias como a Salmonela ou a E. Coli. As alterações no trato intestinal causadas por esse tipo de infecção resultam em dor abdominal, febre, desidratação, diarreia e mal-estar. A gravidade do quadro depende de diversos fatores, embora em alguns casos uma simples hidratação seja suficiente, é sempre necessário procurar um médico, pois infecções intestinais podem causar a morte em casos extremos.
– Faringite: A infecção por vírus ou bactérias na faringe pode causar várias alterações nessa região – garganta seca, dificuldade para engolir, rouquidão e incômodo nos músculos da região do pescoço.
– Gastrite: Caracteriza-se pela inflamação aguda ou crônica da mucosa que reveste o estômago. Pode ser persistente e dependendo dos hábitos do indivíduo, agravar-se ao longo do tempo. O consumo de bebidas alcóolicas, fumo, abuso de drogas, estresse, refluxo, hábitos alimentares incorretos, uso de determinados medicamentos e infecções bacterianas pode acarretar em casos de gastrite. A perda do apetite, irregularidade intestinal, náuseas, azia, queimação, são alguns dos principais sintomas.
– Apendicite: A inflamação do apêndice ocorre quando existe o inchaço do órgão ocasionado por fezes, tumores ou infecções virais. O seu rompimento causa dores extremas e pode levar a morte caso o órgão não seja removido rapidamente. Náuseas, calafrios, febre, dor na parte inferior direita do abdômen e vômitos são alguns sinais de inflamação do apêndice. A perda do apetite e constipação também são de alerta para essa doença.
– Pancreatite A inflação do pâncreas pode causar perda de peso, náuseas, sudorese, pele amarelada, fria e úmida. A dor abdominal e fezes gordurosas podem ser observadas, indicando o mau funcionamento dessa glândula. A inflamação pode variar entre aguda, crônica, pela presença de um pseudocisto pancreático (acúmulo de líquidos que se assemelha a um cisto) ou um abscesso pancreático.
– Câncer: Uma das maiores causas de morte, especialmente entre os homens, o câncer de estômago e câncer de cólon se caracterizam pela formação de tumores que acometem o sistema gastrointestinal. Apesar de estarem entre os cânceres com mais incidência no mundo, o diagnóstico precoce e tratamento adequado elevam as chances de cura. O grande perigo dessa doença é que seu estágio inicial é assintomático, podendo ser facilmente confundido com outras doenças do trato digestivo. Sintomas comuns a outras enfermidades como diarreia ou constipações, sangramentos, fezes escuras e pastosas, região anal dolorida, cólicas, gases, fraqueza e fadiga são sintomas conhecidos. Essa é a razão pela qual nenhum dos sintomas relacionados às doenças gastrointestinais deve ser ignorado, ainda mais quando são frequentes.
O impacto sobre a nutrição
Doenças gastrointestinais interferem significativamente na absorção de nutrientes importantes como vitaminais e sais minerais, acarretando em outros problemas como anemia, enfraquecimento dos ossos e desidratação. Além disso, algumas doenças podem comprometer a ingestão normal de alimentos, restringindo a dieta dos pacientes. “É importante que o indivíduo recorra sempre a um profissional de saúde afim de um diagnóstico preciso e, sob a orientação de um nutricionista, adotando uma dieta adequada às suas necessidades nutricionais e suas condições fisiológicas”, alerta a nutricionista Marcela Herculani da Nova Nutrii. Veja algumas situações que podem comprometer a absorção de nutrientes em pacientes que sofrem de doenças gastrointestinais:
– Não consumir alimentos com o aporte nutricional necessário: por diversos motivos a oferta de alimentos nutritivos pode não ser suficiente, é comum que o paciente esteja numa dieta tão restritiva que não possa variar o cardápio a fim de ampliar a oferta nutricional. Sintomas como dor, enjoo ou diarreia podem afetar o apetite. O temor em agravar sintomas também pode fazer com que o indivíduo evite comer e corte determinados alimentos por conta própria. A ajuda médica é a opção mais sensata antes de tomar qualquer decisão restritiva. Somente um profissional poderá elaborar uma dieta com alimentos seguros e apontar quais devem ser evitados a fim de aliviar os sintomas ou tratar a enfermidade.
– Baixa absorção de nutrientes: inflamações ou infecções intestinais podem prejudicar a absorção dos nutrientes importantes ao organismo. Situações pós-cirúrgicas e crescimento anormal de bactérias também podem agravar o quadro. Problemas na produção de enzimas ou da bílis também diminuem a capacidade do organismo de aproveitar os nutrientes vindos da alimentação normal. Casos como esse normalmente requerem a suplementação a fim de minimizar os danos ao organismo.
– Perda maior de nutrientes: diarreias crônicas e sangramentos no trato intestinal podem acarretar na perda de nutrientes essenciais como potássio, sódio, magnésio, cálcio e ferro. Em alguns casos esses nutrientes são perdidos no intestino e não completam o ciclo digestivo comum.
– Demanda maior por nutrientes: quando o organismo está doente ele precisa de muito mais aporte nutricional para se recuperar de infecções, inflamações e outras enfermidades. Se essas enfermidades causam desnutrição e perda de líquidos, por exemplo, o paciente precisará de ainda mais nutrientes para reabastecer suas reservas energéticas e fortalecer o sistema imunológico. Crianças podem necessitar de uma oferta ainda maior de nutrientes para garantir seu desenvolvimento sadio.
– Medicações: alguns medicamentos prescritos no tratamento de doenças do trato digestivo podem prejudicar a capacidade do organismo em aproveitar os nutrientes dos alimentos. O uso de esteroides, por exemplo, prejudica consideravelmente a absorção de cálcio. Em alguns casos a suplementação é necessária, visto que o tratamento não pode ser suspenso.
A importância da dieta equilibrada
Uma dieta equilibrada é recomendável a todas as pessoas, porém em casos de pacientes de doenças do sistema digestivo torna-se indispensável. Tanto para prevenir sintomas, como durante o seu tratamento, a alimentação adequada é fundamental. Na maioria dos casos, a perda de peso é um quadro comum a doenças gastrointestinais, e boa parte das dietas foca no ganho ou manutenção de massa corporal. Porém, existem situações muito específicas que podem determinar a abrangência da dieta a ser seguida. Pacientes que passam por esse quadro podem tirar proveito de dietas comuns como as apresentadas abaixo, mas é indispensável o acompanhamento de um nutricionista e o diagnóstico correto antes de qualquer atitude em relação à alimentação:
– Dieta Hipercalória: voltada para pessoas com dificuldade de ganhar peso ou pacientes que precisam recuperá-lo. Beneficia especialmente indivíduos que sofrem de doenças crônicas (problemas renais, câncer, insuficiência cardíaca congestiva, insuficiência respiratória e síndromes desabsortivas) e outras doenças que levam a desnutrição. Alimentos ricos em carboidratos e gorduras boas (azeite, ômega 3, massas integrais) podem compor a alimentação dos pacientes que precisem de maior aporte calórico. A suplementação também é uma opção segura para os pacientes que não consigam atingir os nutrientes necessários pela alimentação normal.
– Dieta Hiperprotéica: voltada para pessoas que precisam ganhar massa muscular, mas não podem ou precisam restringir o consumo de carboidratos. A alta concentração de proteínas oferecida por este tipo de dieta dá maior sensação de saciedade e faz com que o indivíduo fortaleça seu tecido muscular. Pacientes que apresentam o quadro de Esteatorréia (acúmulo de gordura ou aparência oleosa nas fezes) podem tirar proveito dessa dieta. Constituída em sua maioria pelo consumo de carnes magras, verduras e laticínios é uma alternativa para aqueles que não podem consumir gorduras, mas precisam manter o peso. A ingestão de um suplemento alimentar também pode ser indicada de acordo com a resposta do indivíduo à dieta.
– Dietas Especializadas: situações muito específicas podem acarretar na necessidade de uma dieta individual desenvolvida para atender especialmente a necessidade do indivíduo. Cirurgias bariátricas, Tratamentos de Câncer do trato digestivo, Doença Celíaca (intolerância ao glúten), e outras situações gastrointestinais podem exigir nutrientes muito específicos que só podem ser oferecidos através da suplementação. A orientação de um nutricionista tanto para formular uma dieta especializada quanto para a indicação de suplementos é indispensável.
Dicas importantes:
- Nunca pule refeições – faça lanches intermediários entre as principais refeições. O ideal é comer seis porções pequenas e equilibradas ao longo do dia, dessa forma evita-se a fome abrupta e refeições exageradas, que podem sobrecarregar o sistema digestivo. Sobretudo para pessoas com gastrite e úlceras, longos períodos sem se alimentar podem agravar os sintomas de desconforto.
- Procure sempre alimentos que agradem o seu paladar, dentro da sua dieta permitida. Aprecie lentamente a refeição, quanto mais tempo você mastigar, melhor será o processo de digestão e maior será o prazer durante a alimentação.
- Programe as refeições antecipadamente. Seguir um cardápio facilita que você não ceda às tentações e inclua alimentos fora da sua dieta. Tenha sempre a mão os alimentos permitidos e faça substituições dentro do possível para não enjoar deles.
- Mantenha sempre uma boa hidratação, e em casos de pacientes com baixa aceitação alimentar ou dificuldade de deglutição, procure sempre um nutricionista para verificar a necessidade de uma suplementação.
Reduzindo os sintomas
Alguns alimentos devem ser terminantemente evitados por aqueles que sofrem de irritações ou doenças gastrointestinais: gorduras, frituras, processados e carnes gordurosas levam mais tempo para serem digeridas e aumentam a chance de refluxo, azia e queimação, além de serem totalmente proibidos em alguns quadros.
A cafeína pode causar irritação na mucosa estomacal, por isso é bom consumir com cautela alimentos como café, chocolates e chás por estimularem o sistema digestivo. Bebidas alcoólicas e gaseificadas são consideravelmente prejudiciais, pois além de irritar causam pressão e dilatação do volume estomacal. Alimentos picantes e cítricos podem aumentar a acidez no sistema digestivo, trazendo desconforto ao paciente.
Para finalizar, uma dica valiosa é “Opte por carboidratos complexos, farinhas e massas integrais que possuem maior concentração de fibras, eles auxiliam na digestão e na manutenção da flora intestinal”, finaliza a nutricionista Marcela Herculani.
Foto: BIRF