Padrão alimentar de baixa qualidade leva a alterações cerebrais associadas à depressão e ansiedade, com desequilíbrio entre neurotransmissores excitatórios e inibitórios, o que predispõe escolhas alimentares equivocadas. Essa relação circular é perigosa e está envolvida na obesidade e depressão
Nos últimos anos, a preocupação com a saúde mental aumentou mundialmente em virtude das altas taxas de estresse, ansiedade, depressão e também por conta do isolamento social durante a pandemia de covid-19. Cada vez mais, os estudos científicos tentam entender diversas correlações entre a tristeza e os hábitos de vida e, agora, um novo trabalho, publicado no final de maio na Nutritional Neuroscience, mostra que comer uma dieta de baixa qualidade nutricional pode levar a alterações cerebrais associadas à depressão e ansiedade.
“Esse estudo mostrou alterações nos neurotransmissores e no volume de massa cinzenta em pessoas que têm uma dieta pobre, em comparação com aquelas que aderem a uma dieta de estilo mediterrâneo, que é considerada muito saudável”, afirma a médica nutróloga Dra. Marcella Garcez, diretora e professora da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran). O estudo é inédito e analisa a química e estrutura do cérebro em relação à qualidade da dieta.
Segundo a médica, os pesquisadores também descobriram que essas alterações estão associadas à ruminação mental (cadeia de pensamentos repetitivos de caráter negativo), parte dos critérios diagnósticos para condições que afetam a saúde mental, como depressão e ansiedade. “Quando alguém segue uma dieta de má qualidade, há redução do ácido gama-aminobutírico (Gaba) e aumento do glutamato – ambos neurotransmissores, juntamente com redução do volume de massa cinzenta – na área frontal do cérebro. Os neurotransmissores têm atividade excitatória ou inibitória e quando há um descompasso nesses efeitos, há uma maior predisposição a problemas como tristeza e ansiedade”, diz a médica.
Gaba é o principal neurotransmissor inibitório do sistema nervoso central enquanto a atividade excitatória vem principalmente do glutamato. Isto poderia explicar a associação entre o que comemos e como nos sentimos. “É interessante pontuar que isso pode criar uma relação circular perigosa, predispondo a obesidade e depressão, além de dificultar o tratamento dessas condições. Muitos trabalhos já mostraram que Gaba e o glutamato também estão intimamente envolvidos no apetite e na ingestão de alimentos. A redução do Gaba e/ou o aumento do glutamato também podem ser um fator determinante na tomada de escolhas alimentares pouco saudáveis”, explica.
De acordo com o estudo, as pessoas que têm uma dieta pouco saudável – rica em açúcar e gordura saturada – têm neurotransmissão excitatória e inibitória desequilibrada, bem como volume reduzido de massa cinzenta na parte frontal do cérebro. “Esta parte do cérebro está envolvida em problemas de saúde mental, como depressão e ansiedade. É possível que a obesidade e os padrões alimentares ricos em gorduras saturadas causem alterações no metabolismo e na neurotransmissão do glutamato e do Gaba, como foi demonstrado anteriormente em estudos com animais”, observa a nutróloga.
Dra. Marcella explica que alterações distintas do microbioma intestinal, devido a padrões alimentares ricos em gorduras saturadas e açúcares simples, tenham um impacto na maquinaria celular que impulsiona a produção de Gaba e glutamato. “Também foi demonstrado que uma dieta rica em gordura saturada e açúcar reduz o número de interneurônios de parvalbumina, que desempenham a função de fornecer Gaba onde ele é necessário. Além disso, dietas pouco saudáveis também têm impacto sobre a glicose, aumentando a glicemia e a insulina. Isto aumenta o glutamato no cérebro e no plasma, reduzindo assim a produção e liberação de Gaba”, pontua a médica.
O estudo explica que ter uma dieta rica em gordura e colesterol pode causar alterações nas membranas celulares que também alteram a liberação de neurotransmissores. “Estas alterações na química cerebral podem levar a alterações no volume da massa cinzenta do cérebro, como observado neste estudo. Portanto, as escolhas alimentares devem ser bem conduzidas, por isso a procura por um médico nutrólogo é fundamental também em tratamentos de depressão e ansiedade, quando o profissional de saúde mental nota que a alimentação saudável é deixada de lado”, finaliza.
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