Com uma carreira multifacetada, a atriz fala sobre as complexidades das relações humanas, as questões do etarismo no audiovisual e discute o papel dos artistas na sociedade contemporânea
Em uma envolvente e exclusiva entrevista para a Revista Regional, a atriz Silvia Pfeifer compartilha suas reflexões sobre sua jornada artística, ressaltando as contínuas transformações de suas personagens ao longo dos anos, em sintonia com as mudanças sociais que moldam nossa época. Pfeifer enfatiza o papel vital dos artistas contemporâneos, destacando a responsabilidade que carregam ao influenciar as percepções públicas, sobretudo nas complexas questões relacionadas à sociedade e à igualdade de gênero. Recordando suas origens na indústria do entretenimento, inicialmente como modelo, a atriz fala sobre as significativas transformações ocorridas na moda e na concepção de beleza ao longo das décadas. Além disso, nessa edição especial “50+”, Pfeifer aborda os desafios enfrentados em relação ao preconceito etário na indústria audiovisual, oferecendo insights perspicazes sobre esse tema delicado. Nesta entrevista, Pfeifer é uma pensadora profunda, comprometida com a contínua evolução da arte e da sociedade.
REVISTA REGIONAL: Silvia, ao longo de sua carreira, você interpretou personagens que refletiam as nuances das relações humanas. Como você vê a transformação dessas personagens ao longo do tempo, considerando especialmente as mudanças nas dinâmicas sociais e nas relações interpessoais?
SILVIA PFEIFER: Eu não sei exatamente a que personagens você se refere, mas de uma maneira geral, toda personagem que a gente desempenha reflete relações humanas, principalmente quando elas têm bastante importância na trama. Pensando em personagens que me vêm à mente, que você possa estar mencionando, considerando as mudanças dinâmicas sociais e das relações interpessoais, fico imaginando que possa ser a Léia de o “Rei do Gado” e a Leila de “Torre de Babel”. Talvez porque tenham sido personagens marcantes em função da questão particular delas. A Léia, por estar diante de uma relação amorosa não satisfatória, vai procurar um amor, uma realização para preencher essa carência fora do casamento. E ela arrisca perder o lugar dela na sociedade, o lugar dela como esposa de um cara poderoso, a posição social, o amor dos filhos, enfim, por esse cara que é completamente diferente da realidade que ela vive. Um cara que vem de outra classe social, que trabalha satisfazendo as mulheres, um garoto de programa, e que ela vem descobrir depois, e apanha dele, e se submete a isso durante um tempo, e fica muito mal. E a Leila, porque ela representa pessoas dentro dessa classe social na qual ela se encontra, uma mulher que conquistou o lugar dela, que é profissional, correu atrás e está bem, um casal homossexual, duas mulheres que estavam felizes e de bem com a vida, muito bem aceitas ali. Isso eu acho que chocou. Falando de hoje em dia, como fala-se mais, verbaliza-se mais, sabe-se mais dessas questões, vê-se de forma um pouco diferente, menos preconceituosa, um pouco mais acolhedora, eu acho que são personagens que ainda trazem questionamentos, que trazem uma não aceitação dentro da sociedade, para algumas pessoas e alguns grupos sociais, mas que hoje em dia é um pouco menor. É muito bom que isso seja visto desta forma, e que a gente possa avaliar isso, eu fico mais feliz ao fazer um personagem que será mais bem aceito.
Num mundo marcado por rápidas transformações, qual você considera ser o papel do artista na atualidade? Como a arte pode influenciar e, por sua vez, refletir as mudanças sociais?
Eu acredito que o lugar do artista e da arte é claro que é trazer um pouco da coisa lúdica, a arte existe porque a vida não basta, não é? Quem mesmo disse isso? Foi Paulo Freire quem disse… (pensativa) Não sei… Bom, enfim, vamos lá. Digamos do outro lado, o lúdico, o belo, o emocional, o de distração, diríamos assim, o entretenimento que a arte também nos traz. Mas a arte é um reflexo do que nós somos. A arte é um reflexo da sociedade. Ela é um reflexo das coisas que acontecem no mundo. Tanto que a arte evolui e ela dá uns saltos em momentos onde a sociedade, onde o mundo, onde as pessoas gritam por alguma coisa. Existem estudos que falam exatamente sobre isso. O ponto é que a arte popular, como ela nasce, a música, como a grande guitarra de Jimi Hendrix, se colocou e se fortaleceu no momento pós-guerra, de necessidade de avanço. Então, a arte é questionamento. A arte é um lugar onde nós, artistas, levamos questionamentos. Acho que, por exemplo, pensando na TV, ela não tem a capacidade, o tempo necessário para desenvolver o tema que ela traz. Mas eu acho que traz temas importantes. E, a partir do momento em que ela traz temas importantes, a sociedade reflete um pouco sobre eles. Talvez não com a profundidade, logicamente, que é necessária. Um filme um pouco mais intelectual, como costumamos dizer, vai questionar talvez mais profundamente um tema. Mas ele não consegue se alongar ao longo do tempo para acompanhar ali. Ele fala sobre algo que está acontecendo ou que aconteceu, ou uma visão do que aquele comportamento vai gerar. Então, a arte é isso, é a retratação da sociedade, do humano, e o questionamento para onde estamos indo, o que está acontecendo, o que aconteceu. Ela tem essa importância, ela é esse instrumento.
Considerando o crescimento da liberdade de gênero no ramo artístico, qual é sua perspectiva sobre o papel das mulheres na quebra de estereótipos e na construção de personagens mais complexas e autênticas?
Bem, com base no que mencionei anteriormente, é importante destacar a relevância do artista ao levantar questionamentos e contar histórias que representem o que acontece no mundo. É evidente que nosso trabalho, nossa forma de expressão, desempenha um papel crucial na promoção da liberdade de gênero e na quebra de estereótipos de beleza, assim como dos papéis tradicionais da mãe ou da mulher que trabalha. Antigamente, parecia que não era possível conciliar diferentes aspectos da vida, como ser mãe e se dedicar a uma carreira, forçando as pessoas a abrirem mão de uma em prol da outra. Acredito que seja realmente desafiador ser a mãe que desejamos ser e, ao mesmo tempo, levar a sério nossa carreira. No entanto, a perspectiva de crescimento e os questionamentos que já são explorados em diversas obras são extremamente enriquecedores. Eles fortalecem não apenas os artistas, mas também nos permitem representar diferentes grupos e trazer à tona questões que foram historicamente negligenciadas. Essa inclusão é muito positiva, pois não deixa essas pessoas à margem da sociedade, mas as coloca no centro, tornando-as parte do que é considerado aceitável pela sociedade. Para nós, atores, é gratificante não apenas levantar questionamentos, mas também desempenhar nossa profissão ao dar vida a personagens que representam a diversidade humana. Isso significa poder retratar mulheres que enfrentaram a violência doméstica, mulheres homoafetivas, pessoas transexuais e todas as outras possibilidades que a vida oferece. Nossa capacidade de explorar o universo do outro, desconhecido para nós, é uma riqueza incomparável. Através desse processo, aprendemos não apenas como indivíduos, mas também como profissionais, como atores. Isso é extremamente enriquecedor, e acredito que beneficia não apenas os artistas, mas também os escritores, diretores e o público. Ao trazer questionamentos e representar a realidade, a arte se torna mais completa e verdadeira, proporcionando uma experiência mais significativa para o espectador.
Para complementar: como você se sente sendo parte fundamental dessas mudanças? Há uma responsabilidade adicional ao interpretar papéis que podem influenciar a percepção do público sobre questões sociais e de gênero?
É enriquecedor ser um instrumento, um veículo para que a sociedade se questione e evolua. Em algumas questões, parece que não estamos evoluindo muito, algumas coisas estão fazendo as pessoas retrocederem. No entanto, espero que, na maioria das vezes, possamos evoluir, e isso é muito gratificante. Saber que podemos contribuir nesse sentido. Como já mencionei, é maravilhoso transitar no universo dos outros, especialmente quando é diferente do nosso, pois é altamente enriquecedor. Portanto, essas experiências quebram padrões e preconceitos. É importante que as pessoas estejam sempre abertas e livres. Muitas vezes me questionei se estava sendo preconceituosa em certas situações, e a arte tem me ajudado nisso. Trabalhar com arte e imergir no universo de outras pessoas me ajudam a crescer.
Você modelou durante muitos anos, olhando para o passado e para o presente, quais são as diferenças que você percebe quando a gente pensa nas mulheres que estão sendo cada vez mais representadas pelos padrões normais?
Pois é, graças a Deus, o estereótipo de beleza mudou completamente. Hoje em dia, todos os gêneros, até formas, não só corporal, mas também por forma de expressão, são vistos de uma maneira diferente. E espero que continue assim, que a gente não dê para trás. Estamos abertos à evolução. Logicamente, não significa estar aberto a aceitar tudo e qualquer coisa, no sentido de coisas que poderiam nos atrasar, no sentido de falta de civilidade. Mas quando se trata de estética e estereótipos estéticos, pelo amor de Deus, né? Graças a Deus. Antigamente se falava assim: “a pessoa é linda, tem um cabelo assim, tem não sei o que, tem nariz assim”. Não, não, hoje em dia a gente vê e encontra beleza de outra forma. Isso é ótimo. Vamos bater palmas e, por favor, continuar assim.
Silvia, ao longo de sua carreira na indústria do entretenimento, você já enfrentou desafios relacionados ao etarismo? Como você vê a evolução das oportunidades para as atrizes mais maduras na mídia?
Olha, agora estou vivendo e enfrentando o desafio relacionado ao etarismo. Antes, eu não tinha isso. Estou trabalhando cada vez menos, e vejo isso de uma maneira triste, porque é um congelamento, uma falta de evolução, diríamos assim, do amadurecimento e do entendimento, não apenas estético, mas da vida de uma pessoa madura. Acredito que a maturidade traz a capacidade de contar muitas histórias e levantar muitas questões sobre o que aconteceu na vida ao longo do tempo, desde a infância e adolescência até a fase mais próxima da minha idade atual, que é a vida madura. E também sobre o que virá pela frente, literalmente. A velhice, eu acho que é um momento de fragilidade, delicadeza, mas também de muita história e beleza, claro, com seu sofrimento e limitações de possibilidades. No entanto, é uma fase muito rica. Não entendo porque cada vez menos se escreve para pessoas dessa faixa etária. Será que estão vivendo até uma idade muito avançada em comparação ao passado, ou será que não estamos acompanhando adequadamente a evolução, a longevidade e a beleza das pessoas da minha faixa etária?
Em post recente em sua rede social, você reflete sobre o amadurecimento e fala que as “estações da vida tornam-se mais claras no momento que temos mais idade”. Como é essa questão do envelhecer para você? E como lida com isso tanto na questão emocional como na saúde física. O que tem feito para manter a boa forma e amadurecer com saúde e qualidade de vida?
Eu me refiro às estações da vida; foi uma forma de me referir à poesia que coloquei junto. Acho que todas as estações, todas as fases da vida, são muito bonitas e importantes. Quando chegamos à idade em que estamos, como mencionei, olhamos para trás e começamos a ver nossa trajetória, o que é muito gratificante quando ela é boa. Logicamente, todos deixamos de fazer coisas e enfrentamos frustrações, faz parte da vida, não é? No entanto, quando vemos o percurso que atravessamos, temos histórias para contar e sentimos reconhecimento, o que é muito bom, isso nos coloca em um lugar diferente. Neste momento atual, como também mencionei, sabemos que ainda temos outro caminho a percorrer até a morte. Resta-me um quarto da minha vida, talvez nem isso, você entende? O que me resta? Tenho questionamentos sobre o que ainda posso realizar e de que forma posso fazer isso. Como posso curar os momentos que são normais e comuns nessa última fase da vida? Portanto, a velhice é bonita quando aproveitada da melhor forma possível, especialmente quando se tem um pouco de saúde, pelo menos um pouco. Então, é exercício e alimentação, coisas que já faço há algum tempo, e procuro também, espiritualmente, buscar conexão com pessoas que me ajudem nesse sentido. Sempre me dediquei à família, pois não há nada melhor do que ter família e amigos, estar rodeado de pessoas que realmente nos amam, se importam conosco e sabemos que estarão ao nosso lado, olhando-nos com bons olhos e admirando-nos. Ter amigos e família é uma dádiva na vida, independentemente de quaisquer conquistas – e algumas pessoas podem até ser mais afortunadas, mas não é só isso!
Estamos no começo de 2024, você gosta de fazer planos seja para a carreira profissional ou pessoal? Segue um roteiro para que as coisas saiam como planeja ou simplesmente tem o lema de “deixa a vida me levar”?
Acredito que fazer planos sempre nos traz ânimo, não é verdade? Quando definimos metas para crescer, nos aprimorar e evoluir, isso é necessário, tanto profissionalmente quanto na vida pessoal. Portanto, é importante que essas metas sejam estabelecidas e perseguidas. Devemos estar cientes de que não controlamos 100% de nossas vidas, pois fatores externos podem nos impedir de alcançá-las, levando à frustração. No entanto, a vontade de estabelecer novas metas e conquistar coisas novas é fundamental. Essas metas não precisam ser extremamente difíceis ou desafiadoras, mas é sempre benéfico tê-las.
Nesse 2024, você estará envolvida com algum novo projeto no qual possa compartilhar conosco?
Olha, eu não tenho um projeto no sentido de convite. Adoraria que me chamassem, pois estou ansiosa para trabalhar. Já se passaram dois anos desde que terminei minha última gravação, e tenho procurado ativamente oportunidades. Tenho manifestado minha vontade e até me submetido a testes e outras atividades relacionadas. Atualmente, temos um projeto em andamento com um amigo ator em São Paulo, mas estamos torcendo para que algo surja, pois não podemos investir no momento devido à falta de trabalho, tanto para mim quanto para ele. Além disso, estou trabalhando com outro amigo na busca por textos para ver se conseguimos criar algo juntos. Recentemente, em dezembro, comecei a pensar em fazer docinhos novamente, porque muitos amigos me pediram para o Natal. É algo que me dá muito prazer, então estou considerando expandir isso como uma possível fonte de renda. Além disso, tenho uma ideia que preciso formatar e colocar no papel, acho muito interessante, mas, infelizmente, não posso falar mais sobre isso no momento.
entrevista: Ester Jacopetti
fotos: Jeff Porto (@jeffportostudio)