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Letícia Colin e a arte de viver em equilíbrio

Letícia em ensaio especial para a Revista Regional

Ela tem uma carreira bacana, está sempre cercada de gente legal e no atual momento vive os melhores dias ao lado de seu pequeno filho Uri, de três aninhos, e do marido Michel Melamed, com quem é casada há sete anos. Mas nem sempre foi assim. A atriz Letícia Colin já passou por maus bocados, e enfrentou uma depressão. “Eu comecei a desmistificar esse lugar da saúde mental, com um espaço para fazer as pazes com a angústia, com o vazio, com esse sentimento de às vezes ter essa falta de sentido nas coisas quando você começa a pensar muito. Depois conheci o Budismo, que me ajudou muito nessa parte de ter uma conexão comigo mesma, de me enxergar, de me afirmar, de acreditar que tinham coisas boas me esperando”. Ela deu a volta por cima e encontrou o equilíbrio. Com dois belíssimos trabalhos, a série “Onde Está Meu Coração” e a novela “Todas as Flores”, a atriz prova que é possível se reinventar através das personagens, contando histórias completamente diferentes. Nessa entrevista, de forma sempre muito espontânea, Letícia respondeu com sinceridade sobre vários temas, inclusive sobre maternidade e, claro, sobre os seus recentes trabalhos no streaming, que renderam a ela a indicação ao Emmy de Melhor Atriz por “Onde Está Meu Coração”.

 

REVISTA REGIONAL: Durante uma entrevista você disse: “Estou escolhendo cuidar mais da minha saúde e abrir mão de coisas que não me acrescentam”. Em que momento, você se deu conta de cuidar mais de si mesma?

LETÍCIA COLIN: A primeira vez que eu tive uma crise, de ficar mais deprimida, foi com 17 para 18 anos. É uma idade bastante delicada porque tem uma pressão e uma expectativa de uma resolução de um futuro de carreira, de um investimento em uma faculdade. Nessa fase, o jovem adulto precisa de muito apoio e eu estava na dúvida se queria ou não ser atriz nessa época, tanto que eu entrei na faculdade de Jornalismo na PUC do Rio de Janeiro. Num dia, encontrei uma amiga e ela falou que eu não estava bem, ela me espelhou, e foi bom porque eu realmente não estava. Fui ao psiquiatra pra eu poder conversar sobre o que eu estava sentindo. Eu comecei a desmistificar esse lugar da saúde mental, com um espaço para fazer as pazes com a angústia, com o vazio, com esse sentimento de às vezes ter essa falta de sentido nas coisas quando você começa a pensar muito. Depois, conheci o Budismo, o que me ajudou muito nessa parte de ter uma conexão comigo mesma, de me enxergar, de me afirmar, de acreditar que tinham coisas boas me esperando.

Estamos passando por mudanças de comportamento na sociedade, principalmente quando falamos sobre maternidade e paternidade, como na construção da figura masculina perante os desafios da maternidade. De que maneira esse processo aconteceu com você e o Michel (Melamed)?

Eu só me casei com o Michel porque ele é extremamente feminista. Só por isso eu me apaixonei por ele. Desde o início, ele já pensava desse jeito, que vive assim, que torce por mim e adora me ver brilhando, quer que eu trabalhe, me aplaude, está do meu lado e me deixa livre pra poder criar – já que o meu trabalho é a criatividade -, que cria e procria comigo, numa relação horizontal. Estou com ele por conta disso e sempre foi assim.

Com a chegada das plataformas de streaming, as emissoras convencionais foram obrigadas a se reinventar e começar a produzir as próprias séries. E neste caso o ator tem a oportunidade de se dedicar melhor ao personagem porque a velocidade de gravações é diferente…

Eu não vejo diferença porque a dedicação é a mesma. Não importa se você vai fazer uma cena num filme ou numa novela de 200 capítulos, pelo menos, pra mim, é assim. Você precisa estar inteiro e buscar presença. Eu procuro dar o meu melhor em qualquer trabalho, com qualquer personagem, seja em uma cena de silêncio, por exemplo, em que você está ouvindo o outro personagem falar, você também está contando uma história. O silêncio também conta uma história. Mas os streamings são interessantes na maneira de assistir, essa personalização, você assiste na hora em que bem entender, ele te ajuda numa nova rotina. Aliás, a rotina do artista mudou, não temos mais a mesma rotina, hoje há carreiras autônomas, com muitas possibilidades. Não temos mais uma tradição de sentar pra assistir à novela das seis da tarde, quer dizer, na maior parte dos lugares, apesar de o Brasil ser um país que assiste muito à televisão convencional. Mas, é muito bom ter um menu gigante, e o desafio está em saber fazer uma curadoria do que você vai assistir, porque são tantas opções, séries brasileiras, turcas, coreanas, americanas, e o nosso desafio é gerenciar essa lista de prioridades do que realmente quer assistir.

Numa entrevista você comentou que fez sua primeira vilã no teatro aos nove anos de idade. O teatro foi a sua base, mas existe alguma história, como as tragédias shakespearianas, que você ainda gostaria de interpretar?

Ah tem muitas coisas para serem feitas, Tchekhov, por exemplo, eu tenho vontade de montar, Eugène Ionesco, um dos precursores do Teatro Absurdo, os clássicos, os grandes autores, o próprio Beckett, que eu amo. Eu acompanho as montagens que vêm de fora e também gosto de ir ao teatro ver os amigos, prestigiá-los, ver como as pessoas estão fazendo e pensando teatro hoje. Eu e o Michel queremos fazer uma peça juntos. Esse será o nosso projeto da vez.

Nós tivemos grandes nomes da dramaturgia interpretando vilãs, você se inspirou em alguma delas pra dar esse tom vilanesco que a Vanessa de “Todas as Flores” conquistou? Aliás, esperava o sucesso da personagem na internet, que virou meme?

Eu recebi alguns memes de amigos! A internet é um lugar de humor muito potente, isso é maravilhoso! Eu diria que a minha inspiração foi de Norman Bates a Patrulha Canina. Mesmo. Eu me alimento de tudo o tempo todo. Obviamente a gente bebe também dessa coisa antológica, da nossa teledramaturgia, dessas figuras, das nossas vilãs como Nazaré Tedesco (Renata Sorrah), Carminha (Adriana Esteves) e até Hannibal Lecter porque a Vanessa cruza tantas fronteiras que eu acho que ela é psicopata mesmo. Primeiro, ela começa num nível de manipulação, ardilosa, um descompensamento emocional. Gosto de olhar tudo isso e ser um fruto eclético e não muito fragmentado. Gosto do limite da fronteira e de ficar olhando para o precipício. Na Patrulha Canina tem o prefeito, ele é o grande malvado da história, ele me inspirou verdadeiramente, eu sou uma grande fã de desenhos animados, adoro Malévola, e na nossa história tem a Cinderela, o João Emanuel disse que é o ponto de inspiração para esse trabalho. O meu trabalho reflete muito na minha maneira de pensar e de ser, no que eu busco na minha vida e no que é possível ser feito. Eu tenho muito orgulho dessa mistura que também é caricata, mas que é sensível. Eu vejo como um lugar que a ficção desperta na gente, mas que deveria existir só na ficção, a maldade, os vilões. É onde deveríamos exercer neste ambiente seguro o nosso pior. Existem pessoas que gostam de ver filmes de guerra, ou do bem contra o mal, precisamos exercer o nosso inconsciente. As pessoas gostam disso porque a gente fica ali fazendo o trabalho sujo (risos), enquanto o espectador pode entrar e sair daquela obra, visitando a ambição, a maldade que ele carrega em si, julgamentos da diferença e da singularidade, depois voltam para o mundo pensando criticamente do que não é legal, então, quando a ficção levanta esse lugar de arquétipos, uma novela com mocinhas, vilãs, é uma delícia. Podemos brincar de sermos essas pessoas, foi uma experiência revolucionária na minha vida.

Uma das descobertas é que além de atuar você também está cantando na abertura da novela ao lado da Sophie Charlotte. Como foi essa experiência?

Foi irado cantar juntas, é sempre uma onda muito boa, e não deixa de ser um dueto, uma cena, uma vivência daquele momento… E cantar Cartola, uma música que foi gravada por grandes artistas, um clássico especial que tem o samba como um personagem importante, a Gamboa, o Rio de Janeiro que é o berço do samba no nosso país. Essa brincadeira de flor e espinho, do que é dito e não dito, das rosas não falam, mas simplesmente exalam… Eu gosto quando as coisas têm duplas interpretações. É muito mais rico do que uma coisa chapada, e estamos falando sobre os nossos personagens, sobre contrariedade, sobre não linear, multiplicidade de interpretações, que celebra a pluralidade de sentimentos e sensações. Muita gente só descobriu muito tempo depois, que somos nós duas que estamos cantando. Somos atrizes que cantam, e os diretores gostam disso, é uma ferramenta.

As pessoas tiveram a oportunidade de ver você em dois trabalhos completamente diferentes, “Todas as Flores” com uma vilã, e “Onde Está Meu Coração” com a médica viciada. Como tem sido a repercussão com o público?

É curioso porque eu sei se a pessoa está assistindo a “Onde Está Meu Coração” ou a “Todas as Flores” porque ela chega assim: “parabéns, deve ter sido muito difícil fazer esse trabalho”, mas tem o público que chega um pouco diferente e eu já sei que ele está se referindo a Vanessa, “você hein!”. São dois trabalhos simultâneos, e tem gente que está assistindo ao mesmo tempo. É uma maluquice maneira. E tem as frases maravilhosas do tipo: “eu odeio você, faz uma foto comigo?”. É maravilhoso! (risos) Só a novela pode trazer certos comentários.

Aliás, você recebeu a indicação ao Emmy por interpretar a Amanda de “Onde Está Meu Coração”. Qual a importância da personagem na sua carreira? Que aprendizado ela trouxe para sua vida?

Os aprendizados são muitos e a indicação ao Emmy foi um momento lindo na minha vida, é uma indicação que fica para sempre. Estar lá vendo atores do mundo inteiro que também levam suas histórias e seus dramas. E as pessoas do mundo inteiro que assistiram a esse trabalho – são 1 mil jurados – compreenderam porque essa série tem uma linguagem universal, que é a linguagem do amor, da superação, que se conectam com todas as pessoas. Foi bom sentir que a nossa história chegou tão longe. Eu ganhei a APCA que é um grande prêmio brasileiro que eu poderia pensar em ganhar um dia e eu tive a sorte de receber – são tantos trabalhos bons de outras atrizes!. 

A série tem uma abordagem diferente para um tema difícil. Você diria que ela imprime um olhar de afeto aos envolvidos?

É um trabalho de renascimento, de segunda chance, de reconexão com a própria essência, de resgate da dignidade, todos esses assuntos são universais. Precisamos avançar na maneira de tratar a adicção química na nossa sociedade, baixar a guarda do preconceito e hipocrisia e partir para um diálogo mais maduro. As drogas existem, os usuários são vítimas sociais por vários motivos diferentes e a questão da dependência é uma questão de saúde e não de polícia. A dependência química é uma doença. A série vai fundo no tema, ela emociona como uma grande história de renascimento. É um trabalho premiado, reconhecido nacionalmente e internacionalmente, então quanto mais pessoas têm acesso a ele, mais oportunidade de se fazer pensar no assunto de um jeito diferente. É uma série com uma trilha sonora muito forte e linda, com um jeito de filmar especial e ousado da Luísa Lima. É um trabalho com muitas conquistas então quando ele chega para novas pessoas na TV aberta a gente consegue um monte de vitórias.

A mãe da Amanda tem um papel relevante na jornada de recuperação dela e a história revela uma família amorosa, mas que em sua construção esbarra em falta de diálogo ou preservação dos sentimentos. Como é a mãe Letícia e a Letícia em suas relações?

Eu tento ser transparente em todas as relações da minha vida e isso inclui as relações familiares, mas, com certeza, na relação com o meu filho e de expor minhas vulnerabilidades, filtrando algumas coisas – até porque ele só tem três anos e algumas sensações e dramas particulares são muito densos para a idade dele. Mas acho que compartilhar nossas faltas, nossos vazios, acolher desde pequeno, por exemplo, quando ele não sabe o que está sentindo, e dizer que está tudo bem, que a gente não sabe mesmo às vezes o que a gente sente e dar um abraço, estar perto. São pequenas coisas para aliviar nossa angústia e nosso vazio, que são inerentes; a gente nasce com eles e vai morrer com eles. Eu percebo isso tendo um filho pequenininho e sei disso porque me olho no espelho e sinto essas angústias de estar vivo. A vida é uma jornada complexa e desafiadora, mas o acolhimento e o amparo ajudam.

texto: Ester Jacopetti

fotos: Rael Barja

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