Na edição especial de 20 anos, Revista Regional traz uma entrevista com Ivete Sangalo, ícone da música nacional que celebra, este ano, suas três décadas de carreira
Nascida em Juazeiro, na Bahia, Ivete Sangalo antes de se tornar uma das vozes mais potentes do Brasil, trabalhou como modelo, foi vendedora de marmitas e cantava em bares de Salvador para ajudar a família. Após percorrer um longo caminho, ganhou notoriedade quando assumiu os vocais da Banda Eva, há exatos 30 anos, em 1993. Em 1999, quando decidiu partir para a carreira solo, a grandiosidade e o talento da artista conquistaram uma legião de fãs espalhados pelo Brasil. Hoje, prestes a completar três décadas de sucesso, a baiana já fez de tudo um pouco, inclusive na TV, onde interpretou a personagem Maria Machadão em “Gabriela” de Jorge Amado e atualmente é apresentadora do Masked Singer Brasil. Nesta fase, sua carreira musical não poderia estar melhor. Lançou recentemente “Chega Mais” e já se prepara para fazer algo especial para comemorar com os 30 anos com os fãs: “Muito da mulher que eu sou veio deles (fãs) e acaba sendo um ciclo vicioso, somos todos cria desse movimento”. Nesta entrevista, Ivete percorre sua trajetória e fala sobre a importância do seu trabalho ao longo dos anos e como sua relação com os fãs a transformaram na artista que ela é hoje.
REVISTA REGIONAL: Estamos na terceira temporada do Masked Singer Brasil, um programa que emociona, mas também diverte. O que você poderia dizer sobre a experiência de continuar apresentando o reality musical?
IVETE SANGALO: Estou amando! A dinâmica do programa mudou um pouco, além das fantasias que são incríveis, temos a presença de novos jurados, Sabrina Sato, foi uma simbiose automática, Mateus Solano, super ator, Taís Araújo e Eduardo Sterblitch dispensam apresentações. Criamos o nosso clã. Eles são admiráveis, hoje, meus amigos. Eu me divirto e me emociono com eles. O fato de eles estarem chegando agora, trazendo muito das suas personalidades, dá um ritmo diferente, uma maneira de abordarmos outros caminhos que o reality tem. A Sabrina tem um potencial de humor absurdo e o Mateus também. E tem a Priscilla Alcantara, que, além de cantar muito, sabe apresentar. Ela é um talento e sou suspeita para falar sobre o trabalho dela. O programa trouxe de volta os episódios temáticos: Carnaval, novela, cinema (…) confesso que não estou conseguindo descobrir nenhuma pessoa, de verdade! Desde que comecei a ser a capitã do programa, eu me surpreendo com tudo o que criei na minha cabeça sobre como ele poderia ser. Um programa divertido, com fantasias, onde a curiosidade é o grande barato, onde há expectativa de quem possa estar atrás da máscara. A minha surpresa foi ver muitos sonhos realizados naquele palco. Uma característica da nossa versão brasileira é o quesito emoção. Porque os discursos e as revelações dos mascarados engrandeceram o programa. Além deles trazerem a performance, a alegria e a diversão, trouxeram um lado da experiência que a gente não contava. Uma unanimidade dos comentários dos participantes é a experiência positiva que a fantasia trouxe, como a possibilidade de ser e viver coisas que tinham receio de experimentar. Eu, como artista, enxergo que isso vai além do entretenimento. E, de verdade, fui tocada muitas vezes. Eu, os jurados, a plateia e o povo brasileiro.
Ivete, tem sido interessante a maneira que você tem desenvolvido os seus projetos nos últimos anos, eles são mais intimistas. Poderíamos dizer que você está buscando cada vez mais esse tipo de contato com o seu público?
Embora eu tenha feito projetos mais íntimos e grandiosos, essa conexão não é determinada pelo espaço físico, a proximidade emocional não é determinada pela distância, o tamanho do evento não determina a conexão que eu tenho com o meu fã clube. Sempre haverá um fã lá no fundão, na arquibancada mais alta, mas ele estará completamente conectado comigo. Eu tenho isso com os meus fãs desde quando comecei a cantar, inclusive aprendi com eles, porque eu não sabia nem o que era ter fã e devagarzinho fui construindo essa relação de muita confiança e conexão que de fato existe. Posso falar com muita propriedade. Essa conexão está estabelecida e não há quem quebre esse elo.
Você nunca deixa de criar e lançar novas músicas. É difícil escolher o que vai ou não entrar na sua lista?
A última coisa que eu penso, pelo menos é o que acontece comigo, nunca vejo a música como um trabalho… Quando eu faço uma música, faço porque está em mim, é muito intuitivo, acontece e quando penso já foi. O que me deixa tranquila é que estou sempre cantando e fazendo show. Não sou uma pessoa muito engessada nesse aspecto, vou tocando e me divertindo, aproveitando a oportunidade. Eu sou cantora e encaro como um privilégio. Não entro nunca num show para não me divertir, para não cantar o que eu quiser.
Falando sobre “Chega Mais”, você diria que é um resgate do axé da Bahia? Podemos interpretar dessa maneira?
Eu não diria que é um resgate porque não estou tentando resgatar absolutamente nada, estou fazendo a minha música. Essas canções são muito parecidas com o que eu faço, claro que no Carnaval elas possuem muito mais força. É muito atual porque tem esse pagodão eletrônico, mas o samba reggae sempre será algo muito novo, sempre, toda vez que ele for regravado mil vezes, ele será algo novo.
Duas músicas (‘Se Saia’ e ‘Cria da Ivete’) possuem muitas expressões usadas na Bahia. Como foi buscar nas letras essa identidade do dialeto baiano?
A letra da música “Cria de Ivete” significa empoderamento feminino, nós mulheres podemos tudo o que queremos. É um direito que está instaurado em nossas almas, mas é preciso educar os demais para que sejamos livres, assim como os homens são. E a canção “Se Saia” é uma música que tem esse dialeto baiano, totalmente atualizado, porque todo ano criamos novas expressões. Os baianos falam desse jeito (…) Baiano fala: “oxente, meu rei, vixe, se saia, venha”, essas coisas que todo mundo brinca quando quer imitar um baiano. Eu quis fazer uma música para que as pessoas pudessem ter uma relação direta com essas expressões que são sinônimos de outras situações, mas tem que ir ao dicionário para saber o que é.
Você já pensou em desenvolver novos trabalhos com grandes nomes da música pop brasileira como Anitta, Luísa Sonza? De repente toparia cantar funk?
Eu adoro funk, entendo que as gerações vão chegando e o funk faz parte do nosso imaginário, da nossa história. Eu lembro que gravei com Buchecha no Maracanã, funk delicioso, lembro do “Furacão 2000”, daquela onda, e o funk não só faz parte do imaginário dos guris não, lá em casa a gente dança muito, os meus filhos, inclusive. Mas o meu segmento é da Bahia, dentro das percussões, o que não me impossibilita de fazer essa mistura. O “Cria de Ivete” é inspirado no pagodão baiano, naturalmente ele vai sendo absorvido pelo universo pop, o que é maravilhoso. As meninas (Luísa, Ludmilla, Anitta) são incríveis, sempre estou me encontrando com elas por aí, e seria maravilhoso fazer um repertório. Eu já gravei com a Glória (Groove), com a Pablo (Vittar), é tudo cria da Ivete, mas a inspiração é o nosso pagodão baiano que vem desde “Gera Samba”, “Terra Samba”, “É o Tchan”, uma galera que vem construindo o pop baiano.
“Chega Mais” foi sua grande aposta para o Carnaval 2023, mas você pretende fazer uma turnê com esse projeto dentro e fora do Brasil?
Sim, mas com um adendo, este ano eu completo 30 anos de carreira, quero fazer um evento, um registro. Estamos nos organizando em torno disso, vou comunicar assim que tivermos ciência de quando e onde vai ser. Mas até que aconteça a comemoração dos 30 anos, quero levar esse show (Chega Mais) em turnê pelo Brasil. Eu fico feliz quando os meus fãs ficam orgulhosos porque foi feito para eles e vamos para fora do país sim. Eu dei um tempo na turnê internacional por conta da pandemia, mas com a retomada do nosso dia a dia, com certeza esse ano e o ano que vem, tem aquela turnê que eu sempre faço fora do país.
“Cria da Ivete” foi feito especialmente para os seus fãs, mas a Ivete é cria de quem?
Deles! Porque essa cria que eu falo no palco, de como eu sou, das minhas vivências como artista, aprendi muito com o meu público. A primeira vez que eu subi num palco eu disse: “como é que se faz?”. Porque eu só gostava de cantar e o público me fez me inteirar de muitas coisas que talvez estivessem implícitas na minha pessoa, na minha personalidade, na minha energia, mas que fui descobrindo com eles e tem essa mulher, Ivete, que eu não tenho como desassociar à minha pessoa da cantora. Eu sou um bolo doido de um monte de mulheres juntas, venho de minha mãe. Tenho essa personalidade de postura de minha mãe, de ser uma mulher forte e determinada, do trabalho, da palavra, de viver as coisas que eu acredito, sou cria dela, mas também desse experimento que é ser cantora e viver em contato com essas pessoas porque elas compartilham muitas experiências comigo, de vivência, de alegria, de sofrimento e eu aprendo muito. Muito da mulher que eu sou, veio deles e acaba sendo um ciclo vicioso, somos todos cria desse movimento. Eles têm um pouco de mim neles e muito do que eu sou vem deles.
Durante a gravação de um EP você inventou de se jogar no meio dos fãs. Quais outras loucuras você tem vontade de fazer?
O show de rock se assemelha muito ao show de axé em comportamento de plateia. Não estou falando de uma questão de estética não, não estou falando da música, estou falando de um comportamento. A minha vida inteira eu senti vontade de me jogar no meio do povo, mas fui impedida várias vezes por mim mesma, e quando eu pensava em ir, me perguntava: “como é que eu vou voltar para o palco?”. Nesta situação eu senti vontade de fazer, mas é óbvio que a minha produção ficou de cabelo em pé, todo mundo doido, tem um vídeo e todos da banda apavorados porque eles não sabiam. Eu sabia que podia fazer porque ali era tudo cria da Ivete. Eu pulei e depois eles me devolveram. Foi uma sensação (…) quase a mesma de quando eu saí de palhaça no Carnaval. Não tem nada igual. Foi sensacional. Tem muitas coisas que eu tenho vontade de fazer, como descer do trio, na época da Banda Eva eu descia muito para dançar com o povo. Era uma grande loucura. Mas eu não me arrependo.
texto: Ester Jacopetti
fotos: João Cotta/ Victor Pollak / João Miguel Jr. /TV Globo