Consumo constante e exagerado das mídias sociais potencializa comparações tóxicas e sentimentos de inveja, inferioridade, exclusão e fracasso; Inquietação constante de que os outros estão tendo experiências gratificantes e a pessoa não, chamada de “Medo de Ficar de Fora” (ou o “não pertencimento), se tornou motivo de estudos e pesquisas.
O Brasil ficou em terceiro lugar no ranking de países que mais consumiram redes sociais em 2021. Os dados são de um levantamento divulgado pelas empresas WeAreSocial e Hootsuite e mostram que o brasileiro gastou, em média, cerca de três horas e 42 minutos por dia navegando pelas redes sociais no ano passado.
O tempo gasto nas redes sociais, quando exagerado, pode causar intoxicação social, com desestímulos, sensações de exclusão e desânimo com a própria vida, evidenciados pelo excesso de comparações e falta de experiências reais. A análise é da professora Valéria Barbieri, da Faculdade de Filosofia, Ciência e Letras de Ribeirão Preto da USP, a FFCLRP.
Várias pesquisas associaram o uso das redes sociais a problemas como ansiedade e depressão, mas, segundo Valéria, “há outras repercussões que podem vir junto ou não com esses problemas, como preocupações em relação à autoestima, insatisfação com aparência física, sentimentos de inutilidade, diminuição das interações offline e uma certa displicência com os códigos morais que o anonimato propicia”.
REDES EXPÕEM PROBLEMAS
Alguns desses problemas, pelo uso excessivo das mídias sociais, podem ser causados por adversidades existentes anteriores ao consumo. A professora explica que “as pesquisas ainda não chegaram a compreender exatamente como essa relação ocorre”. Algumas teorias defendem que “as fragilidades anteriores do indivíduo levariam ao uso exagerado das redes sociais, não o contrário”.
Nesse cenário, é possível afirmar que exista uma relação entre o uso das redes sociais e os impactos psicológicos negativos sobre o usuário, “mas não é possível afirmar que uma pessoa específica vá desenvolver essas repercussões”, portanto, é importante um olhar singular para cada indivíduo, defende Valéria.
COMPARAÇÕES EXCESSIVAS
Pessoas que possuem uma maior tendência a se compararem com as outras acabam tendo uma autopercepção mais empobrecida, potencializada pelo uso constante das redes sociais. Valéria explica que “essa tendência à comparação, associada ao uso intenso das redes, desperta no indivíduo sentimentos de inveja, inferioridade, exclusão e fracasso”.
Nesse contexto, a professora conta que foi criado um acrônimo na língua inglesa para determinar o sentimento de estar perdendo alguma coisa, uma inquietação constante de que os outros estão tendo experiências gratificantes e a pessoa não, chamado de Fomo (Fear of Missing Out, ou Medo de Ficar de Fora), que se tornou motivo de estudos e pesquisas.
VIDA OFFLINE E EXPERIÊNCIAS REAIS
Valéria conta que já existem pesquisas que evidenciaram fatores de proteção contra os sintomas negativos decorrentes do consumo das redes sociais. Atividades offline, oportunidades com amigos e parentes fora da internet, manter relações de proximidade e ter objetivos e propósitos reais são algumas das posturas que protegem o usuário.
É necessário cuidar para que as pessoas não se distanciem de valores fundamentais e se percam de si, diz a professora. “A insatisfação com a vida real leva o indivíduo a se refugiar nas redes sociais, provocando mais insatisfação e criando um círculo vicioso.” Valéria explica que “a felicidade está nas coisas simples, que dão propósito à nossa vida e estabelecem relações positivas e de reciprocidade, favorecendo o otimismo e a esperança”.
(texto: VINICIUS BOTELHO do Jornal da USP)
foto: Pixabay