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Post: Zito e Alice: uma história de amor, pães e muito sucesso

Zito e Alice: uma história de amor, pães e muito sucesso

A trajetória do casal Luiz (Zito) Bordini e Alice Bethiol Bordini é repleta de sucesso e de histórias que nos enchem de emoção e alegria. Juntos construíram uma das padarias mais reconhecidas da região, a Aliança, e quando tudo já estava muito bem encaminhado, com o olhar mais apurado e direcionado dos filhos, trouxeram para Salto o conceito de padaria gourmet das grandes metrópoles, inaugurando a grandiosa Casa Aliança, em Salto. São 60 anos caminhando juntos, de mãos dadas, amassando pães e batendo bolos. Um negócio 100% familiar e, sem dúvidas, uma história inspiradora, que, segundo seu Zito (o apelido carinhoso do senhor Luiz), só deu certo depois de muita teimosia: “padeiro tem que ser teimoso porque o caminho é muito difícil. Hoje, por causa da minha teimosia, estamos com duas padarias com quase cem pessoas trabalhando conosco”, afirma. Abaixo, você confere a entrevista especial que esse querido casal saltense concedeu à Revista Regional para a seção CAPA DIGITAL.

 

 

REVISTA REGIONAL: Em 1954 teve início a história da padaria Aliança. Como foi esse começo?

Dona Alice: Foi em 1954, com o meu pai (sr. Ernesto Bethiol). Era uma padaria na rua Monsenhor Couto, uma quadra antes da igreja (Matriz de Nossa Senhora do Monte Serrat). Era papai, eu e meus dois irmãos. Na época, eu tinha 15 anos, trabalhava na Brasital e meu pai acabou comprando a padaria que estava à venda. A ideia do meu pai era ter um comércio para colocar os filhos para trabalhar.

 

Os senhores tinham algum conhecimento de padaria e como funcionava o dia a dia deste comércio?

Dona Alice: Não tínhamos nenhum conhecimento e aprendemos tudo trabalhando no dia a dia, afinal a padaria precisava produzir e atender os clientes. Foi um tempo bem difícil e todos nós trabalhamos muito. Meus irmãos entregavam pão com a carrocinha (na Casa Aliança há um painel com a foto de um dos irmãos da dona Alice fazendo a entrega). Em 1959 meu pai construiu o prédio da rua Rui Barbosa. Eu e meu pai continuamos tomando conta da loja da Monsenhor Couto. Em 1961, eu e o Zito (como o senhor Luiz é chamado) nos casamos e logo depois papai vendeu a padaria da Monsenhor Couto e ficamos apenas com a da rua Rui Barbosa. Como me casei, fiquei alguns anos fora da padaria, pois morava em Itu. Quando voltamos para Salto, em 1964, o Zito voltou a trabalhar na padaria e eu, automaticamente, fui junto. Trabalhava de balconista naquela época.

 

E o senhor, Seu Zito, trabalhava com o que antes da padaria?

Seu Zito: Eu era do sítio, então fazia de tudo um pouco, porque tinha que ajudar meus irmãos. Sou o caçula de 12 irmãos. Entregava leite e depois tinha um açougue por conta. Na época em que casamos, eu tinha esse açougue. Comprei-o sem ter dinheiro, mas o antigo dono quis vendê-lo para mim. Vendeu fiado, sem documento, tudo na amizade e no dia 10 de cada mês eu pagava. Fiz um cofrinho e todo dia colocava uma moedinha e quando tinha uma nota, ia para lá. Todo dia 10 contava o dinheiro para ver se conseguia pagar a prestação -e sempre tinha! Até que viemos para Salto e fomos trabalhar na padaria. A Alice trabalhou até nascer nossa primeira filha, a Ana Claudia.

 

A senhora se ausentou por um tempo por conta dos filhos pequenos?

Dona Alice: Sim, fiquei dona de casa. Depois que nasceram os outros filhos, retornei para a padaria, até que meus irmãos quiseram vendê-la e nós, então, assumimos. Faz mais ou menos 40 anos que a padaria está na nossa família e é nossa. Foi aí que eu fui trabalhar de verdade.

 

E o que a senhora chama de “trabalhar de verdade”?

Dona Alice: Uma mulher com quatro filhos pequenos ajudando na padaria! Aí uma vez foi um profissional de confeitaria dar uma aula e meu marido disse assim: ‘os funcionários estão aprendendo, aproveite, vai lá aprender também; assim, futuramente, você passa para os que não sabem’. E eu fui. Fui e fiquei! Eu me apaixonei pela confeitaria. Antigamente todos os doces, pães e bolos eram feitos pelos padeiros. Não tinha ninguém especializado na produção de bolo não. Eu fui para a confeitaria e fiquei!

 

Qual a idade da senhora nesta época?

Dona Alice: Eu tinha 43 anos. E hoje tem gente que com 40 anos fala que não se pode mais trabalhar. Os bolos que hoje são feitos nas nossas duas unidades são as minhas receitas que fazia lá no começo.

 

Mas em casa, a senhora já fazia seus bolos?

Dona Alice: Se eu contar que eu não fazia bolo em casa você acredita? Não dava certo. Tinha caderno de receitas e tudo (caderno que está exposto no novo espaço da Casa Aliança que em breve será inaugurado), muitas eram de uma prima minha de Curitiba, mas meus bolos não davam certo, não cresciam. Fazia tudo que me ensinavam, testava todas as receitas e nada! Bolos de aniversário dos meus filhos eram feitos por uma amiga que era boleira. Aí quando o Zito me falou para fazer a aula de confeitaria, as coisas começaram a mudar. Trocamos o forno e começou a dar certo. Tanto que os bolos caseiros que vendia na padaria eu comecei a fazer em casa. Fazia, embalava e o Zito ia levar na padaria. E eram uns bolos bonitos, viu? E era um tempo difícil, pouca gente trabalhando, muito trabalho, aquele tanto de panela para lavar. O serviço não acabava. Trabalhava praticamente sozinha. A gente foi enfrentando tudo. Deus existe e está sempre perto da gente e quando eu lembro de toda a nossa jornada eu me indago: como conseguimos dar conta de tudo? Foi Deus me ajudando!

 

A senhora aos 43 anos, com quatro filhos, se dedicou à confeitaria. Como foi isso no seu dia a dia?

Seu Zito e Dona Alice, durante entrevista na Casa Aliança

Dona Alice: Na época, a Ana Lúcia e o Marcos (dois de seus filhos) eram pequenos, com 3 e 5 anos, respectivamente. Tinha que levar e buscar na escola, ir para casa terminar o almoço que estava começado, voltar para a padaria (…), afinal era só nossa e a gente tinha que fazer tudo. Quando meus irmãos decidiram vender a padaria, já tinha até comprador, mas a gente quis assumir e manter o negócio na própria família, afinal já estávamos lá dentro, trabalhando e aí a gente pensou o que faria após a padaria ser vendida. O Zito estudou, fez Senai, mas na época entregava pão de Kombi. Os finais de semana ele também ia para a produção e tinha algumas coisas que só ele fazia, como as roscas de coco, bem pequenas e molhadinhas; o pão de mandioca; de mandioquinha; pão caseiro – que até hoje estão no cardápio, com uma adaptação na receita.

 

Seu Zito: Era tudo pesadinho, certinho. Hoje eu vejo eles na produção e percebo que trabalham de uma forma totalmente diferente. Pesam, mas completamente diferente de como eu fazia lá atrás. Eu fazia tudo bem certinho e a Alice me ajudava. De madrugada fervia o leite, fazia o creme, misturava o coco e enquanto esfriava ia fazer entrega. Quando eu voltava, tomava um cafezinho correndo e em pé, com pressa, para começar a rosca. Aí a Alice ia me ajudar a colocar os pãezinhos na forma. Eram 72 pãezinhos na forma. Eles tinham que ficar todos perfeitinhos, virados do mesmo lado, para nenhum abrir e não ter desperdício. Também comecei a fazer panetone. Não tinha ninguém aqui em Salto que fazia, então tentei até acertar a receita e hoje os panetones doces e salgados são uma referência nossa.

 

Antes existe o hábito e ir à padaria apenas para buscar o pão e o leite, mas durante a semana era comum que passasse na rua a Kombi da padaria que já entregava ali na porta de casa, muitas vezes para receber no final do mês. O conceito de padaria mudou muito ao longo dos anos, não é?

Dona Alice: Ah, hoje é totalmente diferente. As pessoas vão ao mercado e compram uma caixa de leite que não estraga e que tem de tudo dentro, menos leite. As padarias se tornaram quase uma extensão das casas, devido aos produtos que oferecem e da maneira que oferecem.

 

O pai da senhora, o senhor Ernesto, comprou a padaria pensando nos filhos e os senhores querendo ou não seguiram esse mesmo caminho, colocando os seus à frente da empresa. Foi algo pensado da mesma forma?

Dona Alice: Não foi nem tanto querer colocá-los na padaria, mas foi algo automático. Chegavam da escola e iam para a padaria, me ajudavam no caixa para eu fazer algum serviço externo. A Ana, com 15 anos, a mesma idade que eu comecei na padaria do meu pai, e o Luiz, com 13. Hoje, o Luiz fala que não fica sem padaria, tanto que ele sempre está aqui. O Luiz na Casa Aliança e a Ana Claudia na Padaria Aliança. Aí depois que a Ana vai para casa, o Luiz sempre passa na padaria para ver como as coisas estão. O Marcos também sempre na Casa. Só a Ana Lúcia que seguiu outra profissão (também na área de alimentação, ela é nutricionista), mas sempre está presente também.

 

Atualmente quais produtos comercializados foram criados pelos senhores?

Dona Alice: Os bolos decorados, os bolos caseiros como cenoura e laranja, os pães do Zito que já falamos, os doces como bombas de chocolate, a caçarola, os pudins. Aí foram entrando novas opções como o fuá-fuá, que quem inventou a receita foi o nosso primeiro confeiteiro. É uma massa de rocambole bem fininha, igual de rocambole de rolo. E o rocambole original também é minha receita, que eu fiz tanto que não sai da cabeça (risos).

 

Quando vocês resolveram que era a hora de se desligarem da padaria e deixarem que os filhos assumissem de vez?

Dona Alice: O Zito precisou fazer uma cirurgia cardíaca, que era de risco e, graças a Deus, foi um sucesso. Nós então nos ausentamos e resolvemos sair, mas sempre estamos nas duas padarias também.

 

Ao longo dessa jornada, quais foram as principais dificuldades enfrentadas?

Dona Alice: Quando começamos, queimava a lenha dentro do forno, retirava e assava o pão. Tanto que não se fazia pão muitas vezes por dia. Depois vieram os fornos a gás, elétrico. O tanto que trocamos de forno! Hoje tudo tem máquina para fazer, tem o ultracongelamento que facilita demais a vida de toda padaria. É tudo muito mais rápido. Sem contar os ingredientes, que são importantes, como farinha, que precisa ser de qualidade inquestionável. E pensar que teve uma época que nem farinha tinha. Agora está tudo muito bom, muita gente reclama da atualidade, mas já tivemos tempos bem difíceis.

 

Seu Zito: Faltava farinha e sal. Tinha gente que falava para a gente usar aquele sal que dá para gado, grosseiro, que precisava ficar de molho. Mas a farinha era o pior. Como que faz pão sem farinha? Teve uma época que eu terminava as entregas e saía procurando farinha. Ia para Itu, Campinas, São Paulo e comprava a farinha que tinha e encontrava. Tinha que ter farinha para bater a massa à noite, ter pão para entregar de manhã, porque o cliente já estava esperando e não queria nem saber se tinha ingredientes ou não, mas o pão tinha que estar ali, pronto e entregue. Então a gente comprava a farinha para a produção daquele dia e para o outro ia atrás depois das entregas. Hoje já tem farinha de todos os tipos, mais fina, grossa…

 

Como foi chegar ao conceito da Casa Aliança Gourmet? Vocês participaram de toda a transformação da padaria para a Casa?

Seu Zito e Dona Alice no balcão da padaria

Dona Alice: Sim! Casa Aliança é porque era a nossa casa mesmo. Tanto que a casa ainda está no espaço, bem no meio da construção comercial. A casa foi comprada com o dinheiro da herança do sítio da família do Zito e ele chama de casa de estimação. O conceito era trazer para Salto um estabelecimento como as padarias de São Paulo, Bella Paulista, Galeria dos Pães, que atendem o cliente de forma geral, desde o pão e leite para consumir em casa no café da manhã, até refeições no local. Foi algo muito bem estudado, planejado e, enfim, executado. E quando o Luiz me falou que ia servir almoço na Casa Aliança? Eu quase fiquei doida pensando em como fazer isso e não ter problemas, porque restaurante é uma operação totalmente diferente de uma padaria.

 

Seu Zito: Eu olhava para a planta do projeto e nem acreditava que ia virar tudo isso aqui. A gente sempre fez coisas simplesinhas e aí veio algo enorme assim. O Luiz é o idealizador de tudo, ele enxerga bem mais além de nós dois e hoje temos muito orgulho de tudo isso. Os filhos deram continuidade ao nosso trabalho, são honestos, trabalham direito. Meu medo era de a gente dar um passo que não podia em relação a investimento, tanto que falava para ele ter cuidado, porque eu tinha medo de ficarmos devendo. Mas foi feito tudo com muito cuidado e dentro do que a gente podia fazer, tanto que a obra demorou mais de dez anos. Ele sempre fez tudo certo, dando os passos de acordo com o que podia. E tudo deu certo! A Casa Aliança já tem quase oito anos e é um sucesso!

 

Vamos falar de lembranças? Gostaria de saber algumas.

Dona Alice: Quando Salto fez 300 anos fizemos um bolo de 300 quilos e, para isso, tivemos que fazer 350 quilos. Nós nos perdemos na hora de montar, era um bolo imenso. Ontem mesmo estava vendo o recorte de jornal com a notícia desse bolo. Nossa, levamos batedeira, tudo, menos o forno. Foi um tal de bater bolo e correr para assar na padaria. Temos muitas histórias. E o dia em que esquecemos de buscar a Ana Lúcia na escola? Era eu ou ele que ia buscar e esqueci. Aí a professora ligou e falou que a levou para a casa dela. A gente morrendo de culpa e vergonha e a Ana Lúcia feliz, comendo pão com maionese na casa da professora (risos). Até hoje ela lembra disso e eu também.

 

Seu Zito: Eu lembro do bolo da minha mãe que nunca ninguém fez igual e isso impacta toda a minha jornada de vida (seu Zito ficou muito emocionado e sua emoção contagiou a todos na mesa). Somos em 12 irmãos, era tudo muito difícil e sofrido, tudo contadinho para dar para todos. Trabalhamos muito, aprendemos muito e tudo deu certo. Outra história que eu gosto é de uma premiação que fomos receber da revista Padaria 2000, uma publicação segmentada que sempre faz um ranking das melhores padarias do Brasil. Nós sempre estamos entre os melhores e somos premiados. Aí na cerimônia de entrega do prêmio das cem melhores padarias do Brasil chamavam os premiados no palco e eu adorava ouvir as histórias deles. Aí chegou a vez do Luiz receber o prêmio e ele me levou junto com ele. O Luiz agradeceu, falou um monte e depois me deu o microfone. Falei, falei, falei um monte e, no final, eu ressaltei: padeiro tem que ser teimoso, porque teve uma época em que eu estava quase desistindo de tudo, não queria mais saber de só trabalhar, sair de madrugada, chegar tarde da noite. E hoje, por causa da minha teimosia, estamos com duas padarias com quase cem pessoas trabalhando com a gente. Quando terminei de falar, me aplaudiram, todo mundo ficou em pé.

 

E qual o sentimento que vocês têm hoje em relação a tudo o que passaram e viveram?

Dona Alice: Orgulho e agradecimento por tudo o que vivemos, passamos, construímos e conquistamos.

 

 

Entrevista e fotos: ALINE QUEIROZ

Foto da capa digital: CHARLES PIRES

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