No ano em que completa 30 anos de ações preventivas, a campanha Outubro Rosa tem um novo desafio: manter os exames de rotina em dia em plena pandemia de coronavírus
O Outubro Rosa é uma campanha de conscientização sobre o câncer de mama, com o objetivo de alertar mulheres e a sociedade sobre a importância da prevenção e do diagnóstico precoce. O movimento começou a surgir em 1990 quando aconteceu a primeira Corrida pela Cura, realizada em Nova York, e desde então, promovida anualmente na cidade. No Brasil, as campanhas de conscientização sobre o câncer de mama acontecem desde 2002 e a partir de 2011 sobre o câncer de colo do útero em diversos Estados.
Pela primeira vez, em 30 anos de campanha, o desafio do Outubro Rosa vai além da conscientização. Com a pandemia do novo coronavírus e o isolamento social, algumas ações terão que ser adequadas à nova realidade e as redes sociais e internet se tornaram fundamentais na hora de atingir o público. Mas o maior desafio, sem dúvida alguma, é manter a realização dos exames de rotina.
Para o oncologista e diretor clínico da Neo Onco Especialidades, Leonardo da Silveira Bossi, pausar os exames de rotina por conta da pandemia foi um infeliz equívoco de muitos pacientes. “Retardar o diagnóstico de câncer de mama é o que estatisticamente tem mais impacto negativo na evolução da doença. Isso vale para todos os casos de câncer, inclusive”, reforça.
Dr. Leonardo ressalta também que a prevenção do câncer de mama é feita com mudanças em hábitos e estilo de vida e a forma ideal deveria ser praticada sempre, já que uma em cada nove a dez mulheres terá câncer de mama ao longo da vida. Por isso, a campanha do Outubro Rosa está voltada ao diagnóstico precoce, ou seja, descobrir a doença o mais cedo possível, a fim de que os tratamentos sejam menos agressivos, sendo possível, muitas vezes, evitar a quimioterapia e até mesmo a radioterapia.
“Gosto sempre de enfatizar a diferença entre prevenção e diagnóstico precoce, porque não são a mesma coisa. Faço questão de explicar porque sinto uma tristeza muito grande nas pacientes que sempre tentam identificar a doença como algo de errado que elas fizeram, o que não é verdade na esmagadora maioria dos casos, muito diferente daqueles tumores relacionados ao hábito de fumar”, comenta.
Mas será que, em relação ao câncer de mama, o autoexame e a mamografia anual ainda são as melhores prevenções? Segundo o dr. Leonardo, as informações que existem sobre o autoexame e a mamografia advêm de estudos populacionais, que são passíveis de críticas e de deturpação de resultados, entretanto, quanto maior o número de pessoas nesses estudos, mais seus resultados tendem a ter respostas confiáveis. “E esses dois simples exames, o autoexame e a mamografia, até o momento são os métodos mais confiáveis e viáveis para estudos de toda a população. Existem métodos mais sofisticados, mas são economicamente inviáveis ou muito invasivos. Guardamos esses métodos para casos mais selecionados ou de risco muito alto de doença”, confirma.
O oncologista da OncoItu, Frederico Leal, destaca que apesar de a mamografia regular ser a única forma cientificamente comprovada de prevenção, nenhuma estratégia é 100% perfeita. “Alguns tumores podem passar despercebidos na mamografia, por isso, é importante que as mulheres conheçam seu corpo e desconfiem sempre que algo novo ou estranho aparecer. Se a mulher suspeita de algo errado com suas mamas, ela deve procurar seu ginecologista para uma avaliação, mesmo que esteja com as mamografias em dia e que todos os exames estejam normais”, aconselha.
Apesar de todo o peso emocional que um diagnóstico de câncer pode trazer ao paciente, principalmente os efeitos colaterais de um tratamento oncológico, com o passar do tempo novas tecnologias e medicamentos trouxeram uma evolução positiva às técnicas aplicadas. Com os estudos e a experiência adquirida ao longo de décadas, novas drogas foram sendo criadas, mais entendimento sobre quem precisa do que foi estabelecido e cirurgias menos agressivas mostraram benefícios idênticos.
Mesmo com tratamentos tão modernos e menos agressivos, a humanização é cada vez mais importante no processo de cura dos pacientes. Para a enfermeira oncologista e paliativista da OncoItu, Camila Zanotto Alfieri, preconizar a humanização como um diferencial nos tratamentos existentes é um erro, afinal ela tem que ser obrigatória. “Cuidar de pessoas é um processo que envolve não apenas a boa comunicação entre o paciente e a equipe, mas a entrega, envolvimento, confiança e compaixão. Sem a humanização, nenhum desses elos será criado e a relação do cuidar se baseará apenas na doença. Cuidar é mais complexo do que simplesmente curar, pois enxergamos o paciente em todas as suas dimensões do sofrimento: físico, social, espiritual e emocional”, enfatiza.
Segundo a enfermeira, com essa abordagem os profissionais conseguem mostrar aos pacientes e familiares que, para todos os efeitos colaterais, sejam eles em quais dimensões ou tratamentos possam acontecer, serão ouvidos pela equipe e, acima de tudo, tratados da maneira correta com toda a tecnologia existente, garantido assim uma excelente qualidade de vida ao paciente durante seu tratamento.
Recuperar a autoestima
Durante muitos anos, desde o final do século XIX até meados da década de 70 do século XX, a mastectomia radical foi o tratamento padrão para todas as mulheres que tinham o diagnóstico de câncer de mama, não importando o tamanho do tumor. Se já não bastasse ter o diagnóstico de um câncer de mama, a mulher ainda teria que se submeter a um tratamento mutilador com a retirada completa dos linfonodos (gânglios, popularmente chamados de ínguas) axilares. Tudo isto causava não só um dano físico visível, que era a ausência da mama, e as consequências da retirada dos gânglios da axila, mas principalmente impactos emocional e psíquico enormes, pois as mamas representam, dentre outras coisas, para as mulheres, sinônimo de feminilidade, fertilidade, sexualidade e autoestima, além da imagem corporal.
Foi dessa necessidade de devolver qualidade de vida às mulheres que foram surgindo novas técnicas para o tratamento cirúrgico do câncer de mama, que vão desde as cirurgias conservadoras, nas quais só a parte afetada pelo câncer é removida, até os tratamentos de reparação e reconstrução mamária nas suas mais diversas modalidades técnicas.
“Isto sem dúvida proporcionou um ganho na qualidade de vida destas mulheres, não só pelo lado de minimizar a mutilação cirúrgica do tratamento, mas devolvendo a autoestima, confiança, estreitamento das relações afetivas no convívio familiar e social, reintegração aos ambientes profissional e social, enfim proporcionando uma continuidade plena de suas atividades em todos os sentidos”, afirma o mastologista Márcio Leonardi.
Atualmente, a maioria das mulheres que necessitam de mastectomia pode ser submetida ao processo de reconstrução imediata, o que permite na mesma cirurgia remover a mama doente e já fazer a reconstrução. Todas as operadoras de saúde cobrem a reconstrução mamária associada ao tratamento do câncer de mama, seja ela realizada imediatamente ou tardiamente.
Dr. Márcio explica que algumas situações podem inviabilizar num primeiro momento a reconstrução imediata, como por exemplo, tumores muito avançados, doenças crônicas muito descompensadas, tais como diabetes e hipertensão arterial crônica, tabagismo, obesidade mórbida, dentre outras. Nestes casos pode acarretar complicações intraoperatórias e pós-operatórias que podem retardar o tratamento do câncer de mama, e desta maneira tais reconstruções poderiam ser realizadas tardiamente, ou seja, ao fim de todo o processo de tratamento do câncer de mama (após a primeira cirurgia, e os tratamentos adjuvantes com quimioterapia e radioterapia).
“É importante que as mulheres que não possam se submeter ao processo de reconstrução imediato, sejam acompanhadas por uma equipe multidisciplinar – suporte psicológico, nutricional, fisioterápico, grupos de apoio de pacientes que já vivenciaram o mesmo problema encorajando a inclusão social e familiar destas mulheres, que darão o apoio necessário, enquanto se aguarda uma oportunidade para a realização da reconstrução mamária”, enfatiza dr. Márcio.
(reportagem de Aline Queiroz)
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