A indústria do turismo foi uma das mais impactadas pela pandemia da covid-19, sendo uma das primeiras a parar e uma das últimas a retomar suas atividades
A pandemia da covid-19 poderá provocar um estrago gigantesco na indústria do turismo. De acordo com previsão da Organização Mundial do Turismo, agência das Nações Unidas especializada no setor, haverá uma queda de até 1 bilhão no número de turistas internacionais em 2020 em comparação ao ano passado. O tamanho desse impacto dependerá de quando e como a maioria dos países removerá suas barreiras às viagens internacionais.
Com tantas incertezas, especialistas garantem que a retomada do segmento, um dos mais impactados pela pandemia, começará pelas chamadas viagens domésticas. Essa é a opinião da turismóloga ituana e mestre em Educação, Esmeralda Macedo Serpa. “O que vai começar primeiro é o turismo de curta distância, em torno de 200 quilômetros. Ele deve recomeçar com carros, mas também os ônibus, porém os de excursões não lotados. Enfim, a volta será feita gradativamente”, explica a professora.
As viagens mais longas virão em seguida, porém ainda domésticas. “Logo, as pessoas ganharão um pouco mais de confiança para se deslocarem em viagens mais longas. O que vamos precisar é de uma adaptação, de um protocolo mais seguro. Eu vi que tem companhias aéreas que já estão trabalhando com algumas tecnologias, marcação no chão para distanciamento, entre outras medidas. Eu penso que na metade de 2021, a gente já esteja, no turismo, dentro de um novo normal. Nós não vamos voltar aos patamares que tínhamos em 2019”, argumenta Esmeralda.
Já os deslocamentos internacionais dependerão não só das agências e dos passageiros, mas também dos governos estrangeiros. “Até porque não adianta os governos liberarem as viagens, nem tampouco as pessoas terem dinheiro, nós precisaremos de saber quais são os países que vão querer nos receber. As viagens internacionais terão uma demora. A gente sabe que na concessão de visto, eles vão começar a ter um outro olhar, mesmo quando liberarem as fronteiras. Na Europa, depois da reabertura, eles vão estudar quem são os povos que poderão entrar na comunidade europeia. E neste momento, eu acho que o Brasil não está com bom histórico e acho que isso vai demorar um pouquinho. O conjunto da obra vai fazer com que as viagens internacionais demorem mais para acontecer. Os navios estão se preparando muito e isso é uma questão importante. Enquanto não tivermos viagens internacionais, eu tenho a impressão de que os cruzeiros é que podem ser deslocados para período de verão nos locais, eles é que farão grande diferença”, prevê a especialista.
Se você esperava por superpromoções na retomada do setor, esqueça. O turista não deve contar com muitos descontos nessa reabertura, segundo Esmeralda. Ela aconselha ainda o viajante a ter prudência em relação aos pacotes promocionais comprados antecipadamente, já que há expectativa de uma “quebradeira” no setor. “Eu não acredito que teremos grandes promoções, talvez pequenas, porque o turismo é um produto perecível. Perdeu hoje, amanhã não é o mesmo produto e eles terão de recompor essas perdas. Não acredito que na retomada teremos uma super promoção não”, avisa a professora.
Esmeralda chama a atenção também para a questão do seguro-viagem para os destinos internacionais. “Já tem países que nem permitem a entrada de brasileiro sem seguro. Brasileiro não tem hábito de seguro e, muitas vezes, viaja com um de baixa cobertura. E isso é uma coisa que terá de mudar no comportamento. As pessoas terão que investir num seguro melhor, com melhor cobertura, porque se você fica acometido num outro país de um problema mais sério, relativo à covid, principalmente, nós sabemos que o tratamento é longo. E com uma cobertura de um seguro muito baixo, aquilo não vai garantir nem o pronto atendimento. Eu acho que mesmo os países que já exigem seguro de nós, brasileiros, para entrarmos, eles vão exigir uma cobertura maior”, adverte.
O NOVO NORMAL
Esmeralda aposta na continuidade de expansão do turismo de experiência, que vinha em alta nos últimos anos, assim como a volta dos cassinos, cujo projeto está para ser votado no Congresso. “A nova normalidade do turismo ainda vai seguir naquilo que estava em crescimento, que é o turismo de experiência. Já o turismo de luxo terá um ressignificado, acho que a personalização e a segurança vão passar a ser algo extremamente representativo dentro do mercado. O público será o mesmo. Eu não acredito que as pessoas deixem de viajar. Eu acho que depois da pandemia, as pessoas vão querer vivenciar realmente novas experiências e vão estar, talvez, desligadas das coisas mais materiais. Então as viagens elas vão acontecer de fato”, confirma.
“O que eu acho que vai mudar um pouco no nosso mercado é a questão dos jogos e das apostas, uma coisa que dá super certo em diversos países e que agora vamos ter aqui no Brasil. É a ressignificação dos cassinos. Nós temos um projeto que está lá (no Congresso) para ser votado para cassinos urbanos, cassinos em pequenas cidades e cassinos em resorts. Esses pequenos cassinos vão movimentar a economia de algumas cidades e eles vão mudar o turismo. Não que as pessoas viajem apenas em função dos cassinos, porque os jogadores continuarão viajando para fora, para outros países, mas eu acho que se esse projeto for votado e a gente abrir para isso, no futuro, daqui dois a três anos, nós poderemos melhorar muito o nosso Produto Interno Bruto, trazendo estrangeiros. Mas acho que além da aprovação desse projeto, tudo vai depender de como nós, brasileiros, vamos nos comportar nesse pós-pandemia e na cultura do brasileiro mesmo, como ela vai acontecer.”, ressalta a professora.
REDE HOTELEIRA
Segundo dados da Associação Brasileira Indústria Hotéis (ABIH), 90% das reservas e eventos em hotéis já foram cancelados ou adiados em 2020. Esses números deixam evidente um cenário preocupante: as empresas do setor já não pensam mais em prejuízos, mas sim na possibilidade real de falência.
Antonio Brito, da Infor LATAM, acredita que as organizações hoteleiras precisam desenvolver uma nova perspectiva sobre destinos, crescimento, engajamento e segurança. “Quais são as áreas mais importantes para concentrar esforços e como fazer com que o planejamento seja colocado em prática? A maneira como as redes hoteleiras lidam com essas questões é crucial para amenizar o impacto da crise no setor”, destaca.
Para ele, os cuidados com hóspedes e funcionários são essenciais nesse cenário: “A principal mensagem deve ser focar na segurança de todas as pessoas nos hotéis, sejam colaboradores ou clientes. Quando os hotéis conseguem entregar uma mensagem de calma e ordem, o efeito é a eliminação do pânico e de incidentes que podem gerar mais incertezas. No caso de uma pandemia como a da covid, é essencial que os hóspedes saibam que medidas o hotel está tomando para garantir sua segurança. A colocação de placas visíveis nos banheiros, bem como os ajustes nas operações, comunicando que o hotel está tomando as precauções, transmite confiança aos hóspedes, o que ajuda a reduzir a insegurança em situações incertas, além de garantir resultados no futuro.”
Quanto às reservas canceladas, não há o que fazer. O melhor nesses casos, segundo Antonio, é oferecer datas alternativas aos hóspedes em potencial. Da mesma forma, quando for necessário cancelar, devem ser fornecidos reembolsos fáceis e ter políticas flexíveis de alteração de data.
“Nesses casos, as políticas de cancelamento devem ser relaxadas. As decisões baseadas em empatia acabam sendo recompensadas”, aconselha.
“Trabalhar com especialistas e assegurar que as soluções corretas estejam prontas o mais rápido possível ajudará a formar um plano de gerenciamento de crises eficiente. Em outras palavras, o mais importante é cuidar de hóspedes e funcionários e adotar medidas de proteção nas instalações para garantir a saúde, a segurança e o bem estar de todos no hotel”, resume o especialista.
Esmeralda Serpa lembra que não há clareza sobre quem fiscalizará o protocolo do setor hoteleiro. “Eu tenho comigo que o brasileiro vai ter que mudar um pouco na cultura dele, essa cultura de infringir, de dar um jeitinho, ela vai ter que mudar, porque eu penso que não precisaria de alguém para fiscalizar, nós mesmos teríamos que ser os fiscais de nós mesmos. Mas os protocolos têm que existir. Acredito que os protocolos na hotelaria estão mais evoluídos até pelas grandes redes que já se organizaram internacionalmente para criar essas normas. Mas acho que nós temos que estudar muito, isso precisa ser bem treinado para que as coisas realmente funcionem”, conclui.
(Reportagem de RENATO LIMA)