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A escola no pós-pandemia

Estudante tem aula online; retorno às escolas depende de muita cautela, apontam os especialistas

A pandemia de covid-19 deixou evidente o quanto a escola brasileira não acompanhou as mudanças da educação moderna e que retomar as atividades educacionais vai muito além de uma questão de segurança sanitária. Serão necessárias medidas que mudem a educação geral como um todo, da formação de professores à transição de uma cultura digital humanizadora educacional

A volta às aulas, prevista para setembro no Estado, ainda é um assunto delicado, já que o país concentra um dos maiores números de casos de coronavírus no mundo. O maior debate em torno do tema se dá exatamente por uma parte dos pais que teme levar os filhos para a escola e a outra não tem com quem deixar as crianças, com o possível retorno ao trabalho.

A realidade é que a retomada escolar dá pesadelos e mexe com o emocional não apenas dos pais e famílias, mas também dos educadores, diretores e donos de escolas. Como garantir segurança sanitária sem perder o diferencial e a pedagogia? A volta é muito mais complexa e desafiadora e encontrar o plano ideal não é uma tarefa fácil.

Antes de falarmos em adequações sanitárias e espaços delimitados vamos tratar da educação em si, de uma forma geral. O mestre e doutor César Nunes, titular da Faculdade de Educação da Unicamp, na área de Filosofia da Educação, afirma que a pandemia acentuou e acelerou o processo de transformação do modelo pedagógico no Brasil. “A covid-19 nos tirou a venda dos olhos e vai acentuar o declínio do modelo da pedagogia tradicional, nas escolas públicas e particulares brasileiras”.

Professor César, defensor de uma escola menos tradicional e mais humanizada, explica que a educação brasileira não acompanhou as mudanças da educação moderna e seguiu o lado conservador do magistrocentrismo, que é a escola centrada no poder do professor. E foi exatamente esse modelo de escola tradicional que foi muito afetado com a pandemia e agora é a hora de estudar e adaptar uma mudança para a volta à escola. “Ficou evidente que a escola não é um lugar para falar o tempo inteiro e a cada dois meses fazer uma avaliação para ele lembrar o que foi dito. Atualmente, os grandes exames e vestibulares inteligentes têm que ajudar o aluno a pensar, a sentir e a ter opinião. Vai além de um depósito de informação, pois ela está disponível na internet, em site de buscas. A informação a serviço da vida é a pedagogia e o professor”.

O mundo pós-pandemia infelizmente não nos permite voltar à normalidade de antes. Assim como todos os demais setores, a educação deve passar por uma revolução na maneira de trabalhar, devido aos impactos das tecnologias digitais. Para isso será necessário percorrer um longo caminho, fazer uma transição de antigos e novos tempos a médio e curto prazo, investir em uma política pública de formação de professores e novas tecnologias para que eles possam seguir suas aulas e, principalmente, ter uma política trabalhista que os assegure melhores condições de trabalho.

Assim que decretada a pandemia, as escolas foram fechadas e, do dia para a noite, professores trocaram a lousa pela tela do computador e passaram a ministrar aulas online, totalmente despreparados, às pressas, com o único objetivo de não parar o calendário escolar. O resultado foi simplesmente desastroso: pais sem um pingo de metodologia viraram professores do dia para a noite, alunos não absorveram os conteúdos e os professores trabalharam exaustivamente, muito com precariedade e sem

recurso algum, afinal nenhuma escola no país estava preparada para aulas à distância e conteúdos que pudessem ser absorvidos de tal forma.

“O que os professores fizeram lamentavelmente durante esta pandemia no Brasil foi tomar consciência da nossa tragédia educacional, porque em nome da aula remota, com muita boa vontade, nós acabamos por fazer uma gambiarra tecnológica, uma improvisação que não torna as aulas orgânicas. Eu não os condeno, muito pelo contrário, heróis foram os que fizeram o que puderam. Por isso, é importante incluir uma política pública que a médio e longo prazo produza nos professores uma alfabetização e uma pedagogização digital. Que faça a professora da educação infantil aprender a mexer em um computador ou smartphone e aplicar em sala de aula da forma correta, para que a digitalidade seja um instrumento pedagógico e não simplesmente uma transmissão remota de uma aula tradicional”, afirma o professor.

Ele completa que “a cultura digital que temos que construir precisa ser humanizadora, com elementos de narrativas afetivas e socioemocionais qualificantes, criativas, não substituindo o professor e não autorizando as famílias a tomar o lugar de um professor”. César ressalta que também será preciso um novo relacionamento com as famílias e não conversar apenas quando o filho tem algum problema de nota ou comportamento na escola. “Nós teremos que ter uma alimentação contínua no desenvolvimento pedagógico das crianças, se quisermos os pais acompanhando o processo pedagógico”.

Retomada sem pressa e segura

Educadores e psicólogos afirmam que as determinações de uma retomada à escola devem ser definidas de uma forma muito bem estudada e sem pressa, colocando em evidências todos os riscos sanitários e emocionais das crianças, famílias e profissionais envolvidos. Além disso, exige uma remodelagem do espaço e da dinâmica da escola, medidas que envolvem investimento em recursos humanos e até mesmo espaço físico, contrapartida financeira que as escolas dificilmente terão no atual momento pandêmico.

“É uma outra escola que está nascendo. Precisamos adequar padrões de mobilidade, convivência, espaço, de tudo. Teremos uma nova era e se conseguirmos garantir as qualidades humana e pedagógica, a inclusão da cultura digital como instrumento de manejo do professor, nós seremos muito melhores do que fomos todos os demais anos”, comenta César.

Já a psicóloga especialista em Neuropsicologia, Julyany Rodrigues Gonçalves, de Salto, afirma que a pandemia alterou a rotina de pais, filhos e educadores de forma abrupta e diante do atual cenário, voltar demanda um preparo não apenas para as crianças, mas de toda a comunidade escolar, no sentido de construir o maior número de informações e orientações possíveis para auxiliar professores, funcionários e famílias para um retorno acolhedor e seguro. “A escola nunca mais será a mesma, uma vez que demandará novas formas de lidar com os conteúdos escolares, com os procedimentos de rotina e, em especial, com as relações humanas”, afirma.

É importante ressaltar que países com mais estrutura econômica como China e França investiram recursos em segurança sanitária para garantir a volta às escolas e recuaram assim que novos casos de covid-19 começaram a surgir. Para o professor César, se o Brasil tiver clareza e racionalidade, o ideal é não retomar as aulas em 2020 e nos espelharmos em países com realidades econômicas diferentes da nossa não é a forma

correta de conduzir uma retomada escolar pós-pandemia. “Com muita coragem e responsabilidade teremos que olhar para nós mesmos e caminhar sozinhos, sem ajuda do governo”, observa.

Para a psicóloga Julyany Rodrigues, tudo indica que o retorno presencial seja gradual, levando em consideração a necessidade de uma nova adaptação às condições que serão impostas. Essas medidas devem contemplar a mescla de atividades remotas e presenciais, de forma que a nova dinâmica escolar seja construída daqui para frente.

“Pensando no retorno gradual, as escolas também precisarão incluir em suas aulas remotas, informações, orientações e conteúdos que abordem a questão da saúde individual e coletiva com as crianças, com as famílias e construindo novos combinados de convivência social que garantam a segurança de todos. Éimportantíssimo destacar que agora, mais do que nunca, o desenvolvimento das habilidades socioemocionais de toda a comunidade escolar é indispensável para esse novo cenário que se impõe e talvez seja um momento propício para aprofundarmos a reflexão e a prática de novos valores que permitam a tão necessária humanização das relações em todo os âmbitos da sociedade”, afirma Julyany.

Ano letivo perdido?

Em relação à perda do ano letivo de 2020, professor César Nunes afirma que infelizmente já tivemos as perdas social e psíquica e que não será possível consertar tudo agora, de uma hora para a outra. Ele ressalta que é importante não pensar apenas na escola eletiva, pois o mais importante para o aluno é não perder a cultura vivencial e para garantir isso é preciso inventar narrativas para as crianças, melhorar a compreensão da sociedade, desenvolver a questão da ambientabilidade e da familiaridade. “Com isso, aquele ano que a gente não foi para a escola por causa de um vírus foi também o que mais se conviveu com os pais, que mais se brincou em casa. Temos que ressignificar 2020, ter criatividade, paciência e disposição afetiva para construir uma experiência humanizadora que venha diminuir os impactos das perdas letivas deste ano. É mais prudente permanecer em casa do que fazer uma volta insegura, pois não há segurança nem nos protocolos mundiais de saúde”, afirma.

“Nesse momento é preferível que a gente perca a presença com a escola do que perder a relação com a escola. Precisamos reforçar que conseguimos com um ou dois anos recuperar o que foi perdido até o momento. Nossa educação não é mais de série e sim de ciclo e isso é possível se a gente planejar e tirar aquela visão do professor tradicional. Dá para planejar com serenidade a educação infantil, fundamental e média e para isso precisamos de inteligência, mediação pedagógica e cuidado para poder fazer a travessia”, finaliza César.

Reportagem de Aline Queiroz

Foto: AdobeStock

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