Especialistas comentam sobre os transtornos mentais que o confinamento imposto pelo novo coronavírus podem acarretar e como a criação de uma rotina pandêmica pode ajudar na transição da vida pós-pandemia
O isolamento social é a principal recomendação das autoridades de saúde mundial, a fim de evitar a propagação do coronavírus, causador da covid-19. A medida, no entanto, impôs às pessoas uma mudança radical no estilo de vida. Somando-se ao medo de ser contaminado, à impossibilidade do contato físico, entre outros fatores, a situação pode por acabar trazendo transtornos também à saúde mental da população.
É importante ressaltar que o isolamento para o homem, como um ser social, já é um fator que traz estresse e desconforto. “A pandemia em si é uma questão existencial, que pode sim gerar uma ansiedade, estresse ou melancolia”, afirma o médico psiquiatra Marcos Renato de Camargo Ramos.
Dr. Marcos explica que a pandemia traz à tona uma série de manifestações como medo, angústia e ansiedade, pois aflora o receio de adoecer, morrer e do que se vai perder. “O medo é uma manifestação ansiosa. Nós precisamos desta ansiedade, afinal ela é presente em nosso mundo desde o início dos tempos. Essa ansiedade manteve a humanidade viva, afinal era a ansiedade que determinava se o homem pré-histórico, quando entrava em uma selva, se ele ia atacar ou fugir. Foi assim que o homem se desenvolveu e a ansiedade faz parte de tudo isso. O medo, a angústia e a insegurança são manifestação da ansiedade”, ressalta.
Apesar de todos os desconfortos que a palavra e o conceito de isolamento podem trazer, especialistas reforçam o quanto uma rotina adaptada à realidade atual pode ser saudável e manter a pessoa bem até à fase pós-pandemia que deveremos passar em breve. Segundo doutor Marcos, é importante que neste período, a interpretação do ambiente gere um comportamento mais ou menos adaptativo, o que determina a probabilidade maior ou menor do sucesso emocional dele. A pessoa que está isolada fisicamente precisa entender que a sua rotina foi alterada e criar uma nova de acordo com o momento atual. É preciso ter uma rotina para agora e não apenas pós-pandemia.
“Se o indivíduo teve uma relação menos negativa com esse momento, se criou uma nova rotina de trabalho, manteve uma comunicação mesmo que online com amigos e família, colocou em prática novos projetos, se manteve ativo mesmo dentro de casa e manteve os pensamentos focados em outros assuntos sem ser a pandemia, haverá uma transição normal para a fase pós-pandemia. Tudo vai depender do relacionamento dele com a pandemia e com o isolamento. Se, por outro ele não teve uma boa relação com esse momento, carregará consigo medos e inseguranças que podem contribuir para o desenvolvimento futuro de transtornos como síndrome do pânico, estresse pós-traumático, transtorno obsessivo compulsivo e até transtornos de humor, como a depressão”, explica.
A psicóloga Aparecida Elmi Barnabé alerta para uma possível mudança do comportamento humano, não apenas pela disseminação de um vírus altamente contagioso, mas principalmente pelas situações de estresse e alterações socioeconômicas. “Cada pessoa reage de forma única a tudo isso, e seus recursos emocionais vão depender de inúmeros fatores. Pense que teremos pessoas que sobreviveram ao coronavírus, outros que perderam entes queridos, sequelas físicas ainda desconhecidas e junto a isto outras que perderam seus empregos, fecharam seus negócios, e por aí adiante. Esta combinação de fatores com certeza trará mudanças importantes que vamos observar à medida que tenhamos uma trégua. Quando tudo começar a retomar a rotina é que o que foi contido extravasa e veremos qual o tamanho do prejuízo”, comenta.
De acordo com a psicóloga, poderá haver consequências emocionais importantes diante de tantos lutos e perdas, dos profissionais da saúde intensamente submetidos à carga estressante e também um possível aumento de depressão e crises de ansiedade. “Nossos relacionamentos também sairão transformados, teremos efeitos positivos tanto quanto negativos. A sociedade como um todo viverá um novo tempo, onde será necessário um novo renascer, um novo normal”, completa.
Para as pessoas que estão levando o isolamento social a sério, saindo apenas para atividades essenciais e que criaram uma rotina ao atual momento, a retomada deverá ser uma fase de transição tranquila e automaticamente o início de mais uma fase, que deverá contar com uma série de cuidados e orientações. “O indivíduo tem o entendimento de que haverá medidas sanitárias protocoladas pela Organização Mundial de Saúde que garantirão segurança e o isolarão de riscos à saúde. Ele passará a sair e a frequentar lugares dentro de uma rotina de cuidados e que fará parte da vida dele”, exemplifica o dr. Marcos.
Em relação aos reflexos que uma quarentena de tantos meses pode trazer para uma parcela da população, Aparecida Barnabé explica ser natural um certo receio à exposição, principalmente aos que fizeram isolamento corretamente. Aos poucos, a vida vai retomar seu curso com outras nuances do que será normal.
“Vamos inaugurar um novo tempo e a sua qualidade dependerá do quanto fomos mobilizados e atingidos pela pandemia. Os seres sairão melhor depois de tudo isso? Alguns sim, terão ganhos pessoais importantes enquanto pessoa, outros não, e isso já observamos neste momento intenso da epidemia. Quem não se surpreende com colocações vazias de empatia e de respeito ao outro? Assim, como nos surpreendemos com a solidariedade, o respeito de muitos? Crises, na realidade, ressaltam o que já estava lá e tem oportunidade de aparecer de forma mais intensa. Viver é isso, um eterno aprendizado e oportunidade para que possamos nos tornar melhores, mais solidários, empáticos e humanos”, finaliza a psicóloga.
texto: Aline Queiroz
foto: AdobeStock