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Post: Médico de emergência faz desabafo e alerta à região sobre a covid-19

Médico de emergência faz desabafo e alerta à região sobre a covid-19

O médico Adriano Vendimiatti em sua casa e com seu equipamento de proteção, antes de iniciar o atendimento nos hospitais da região

Num desabafo postado em sua rede social, o médico emergencista Adriano Vendimiatti, que atende no Haoc, em Indaiatuba, alertou a população da cidade e da região sobre a covid-19, os pacientes que não estão sendo testados e o perigo das fake news que tentam minimizar a gravidade da doença

 

 

“Estou cansado de dizer aos pacientes que não podemos testá-los. Que eles terão de conviver com o medo e a insegurança por mais duas semanas até os sintomas cessarem, sendo bombardeados todos os dias com notícias de mortes e sequelas, sempre se perguntando ‘eu sou o próximo?’”. Esse desabafo foi postado nas redes sociais pelo médico de emergência Adriano Vendimiatti, que atende em hospitais de Indaiatuba e Campinas, convivendo diariamente com vítimas da covid-19. A postagem foi feita no último dia 28 de abril, terça-feira.

 

Numa entrevista à Revista Regional, feita através da internet, dr. Adriano refez o alerta a Indaiatuba e região: a situação tende a piorar nas próximas semanas. “O aumento de casos continua. É o que se espera dessa doença”, admite. O texto do médico que foi compartilhado por milhares de pessoas da região é um desabafo sobre o cansaço que enfrenta diariamente na chamada linha de frente dos hospitais. Ele escreveu na noite do dia 28, após sair de um dia exaustivo de atendimento no Hospital Mário Gatti, em Campinas, a caminho do Haoc (Hospital Augusto de Oliveira Camargo), em Indaiatuba, onde também atende na emergência.

 

“Hoje eu estou cansado. Atendi no setor próprio para gripe/covid o dia todo. Devo ter mandado para casa pelo menos 20 pacientes que, com certeza, estão com coronavírus, 5 deles colegas da saúde. O serviço não é pesado, mas estou moído, com dores nas costas que não passam. Sabe por que? Estou cansado de dizer aos pacientes que não podemos testá-los. Que eles terão de conviver com o medo e a insegurança por mais duas semanas até os sintomas cessarem, sendo bombardeados todos os dias com notícias de mortes e sequelas, sempre se perguntando ‘eu sou o próximo?’. Cansado de não ter o que prescrever, de ter de responder perguntas e mais perguntas sobre cloroquina, annita e anticoagulantes, perguntas essas que nem eu nem ninguém tem a resposta ainda. E para cada paciente que eu prescrevo algo sempre fica o medo ou o remorso de não saber se pequei por excesso ou por falta.”

 

E continua: “Cansado de ver os números aumentarem. De a cada dia mais e mais leitos ‘normais’ serem convertidos em leitos covid, sabendo que um dia não vai ter onde colocar esses pacientes. Cansado da descrença de pacientes e colegas, que ainda hoje dizem que exageramos nas medidas, que a mídia aumenta, que governador infla estatística para derrubar o presidente, que estão falsificando atestado de óbito, que no final não vai ser tão ruim assim. Cansado também de gente dentro e fora do hospital tirando sarro de que tem pronto socorro vazio, sem entender que não deixamos os (pacientes) covids no PS, e que se o isolamento social funciona tem menos acidentes, brigas, etc, e por isso o PS está ‘vazio’”.

 

Adriano segue o post alertando sobre as fake news: “E cansado de dizer que se tivéssemos em dias ‘normais’ a saúde já teria colapsado. Cansado de combater fake news, aqui (no Facebook), nos grupos de WhatsApp, nas conversas, até mesmo nas consultas, repetindo inutilmente o mantra ‘pesquise antes de postar’. Cansado de ter de me paramentar inteiro como se fosse para guerra (na verdade, estou indo) tendo que passar sede ou segurar para ir no banheiro porque quando tiramos o EPI é que corremos o maior risco de se contaminar. Cansado também de não saber até quando vamos ter os EPIs. E, por último, cansado de não saber quando eu vou pegar (porque eu vou) nem de como vai ser, se vai ser grave, se vou ser entubado, se vou sobreviver. Pior do que tudo, se vou passar isso para a minha família, que eu tanto amo.”

 

FALTA DE TESTES

 

Adriano reconhece que o Brasil está com os números subnotificados, sem testes, colhendo exames só de quem é internado. “O Brasil que está a cegas, que não sabe quantos casos tem de verdade, contabilizou 70 mil casos (5 mil só hoje, dia 28) com 5 mil mortes, 400 hoje (dia 28). Mais mortes que a China, mais mortes por dia que Itália, França ou Espanha.” “Mas, como somos 230 milhões, você não vai sentir isso na pele. Mesmo que fossem 700 mil casos e 50 mil mortes, há grande chance de você não ter pego ou ninguém da sua família. Mas um dia vai ser 1 milhão, 10, 20. E daí sim todo mundo vai ter uma tragédia para chamar de sua. Mas, quer saber? Estou cansado de dizer isso também.”, finaliza o post, que recebeu centenas de comentários e milhares de compartilhamentos nas redes sociais nos últimos dias.

 

Em entrevista à Regional, o médico ressalta que o texto foi escrito ao sair de um atendimento em Campinas, mas que a situação de subnotificação é geral no país, por falta de testes. Infelizmente sim. “No Brasil tem poucos testes. Não é só que o governo não está testando, não tem. No laboratório do Haoc para você fazer particular acabou e não sabem quando chega. Daí chega para você um paciente que os outros exames não são típicos de covid, tanto os de sangue como a tomografia, mas você tem de internar ele, e pode ser. E agora? Se ele for covid e você internar ele na enfermaria normal, você vai contaminar todos os outros pacientes. Agora se você coloca ele no meio dos outros (pacientes) covid e ele não é, você acabou de contaminá-lo! Por isso, guardamos os testes rápidos para casos como esse, quando saber agora se o paciente é ou não é pode salvar vidas”.

 

Além desses, os profissionais de saúde também necessitam ser testados em casos de suspeita da doença. “Uma enfermeira ou um médico doente pode parar um hospital passando para todos os colegas e pacientes. E o número de profissionais infectados está aumentando, infelizmente”, adverte. “Lembre-se que mais de 80% de quem tiver covid não vai precisar de internação nunca. Se é leve, fica em casa. Mas deveria testar. Teríamos um panorama melhor da doença na cidade e no país. Só que como falta teste, temos de escolher.”, afirma.

 

Dr. Adriano comenta sobre a dificuldade em combater a questão das fake news, tanto nas redes sociais, como no atendimento médico: “O povo quer acreditar nas curas milagrosas, e cobram isso da gente. Outra coisa que está acontecendo demais é as pessoas criticarem os atestados de óbito. Muita gente acredita que estão inflando os números enterrando pessoas que não são covid como se fossem. Mas isso acontece por que pessoas não sabem nem como se preenche um atestado de óbito nem como se faz a estatística. Em primeiro lugar: o que entra para estatística são testes confirmados. Não interessa o que saiu no atestado de óbito. Segundo lugar: nenhum governador ou prefeito quer inflar suas estatísticas!”.

 

DRAMA FAMILIAR

 

Casado e pai de dois filhos, o médico indaiatubano mantém sua rotina com a família, apesar de já ter pensado várias vezes em se isolar no Mosteiro de Itaici, em Indaiatuba, que abriu suas portas para receber os profissionais de saúde que estão atendendo nas emergências e UTIs da cidade ou aqueles infectados e que precisam de isolamento longe dos familiares. Adriano conta que já discutiu algumas vezes com a esposa, pois queria que ela fosse com os filhos para o sítio dos pais dela, em Minas Gerais. “Mas ela não quer me abandonar. Todos os dias, sem exceção, eu penso se eu passar isso para eles. Se ela ficar doente, se meus filhos ficarem. Por que tanto eu quanto ela podemos morrer com covid. Não somos grupo de risco mas vemos vários relatos de quem não era e morreu mesmo assim. A única coisa que me consola é que o risco nas crianças é bem baixo. Miguel tem 6 e a Isabella tem 2 e meio. Tenho pouco medo de morrer. Mas se algum deles adoecer e ficar mal eu nunca vou me perdoar. A pior sensação do mundo é saber que você pode ter o sangue de quem você ama em suas mãos.”, desabafa.

 

Esse drama é vivido diariamente por Adriano e todos os profissionais de saúde que estão na linha de frente nos hospitais e unidades de saúde. No sábado, um amigo dele testou positivo para a doença. “Um amigo nosso no Gatti (Hospital Mário Gatti), estava super tenso, com medo. Acolhemos ele, acalmamos. Ele deu plantão, comeu com a gente, dormiu no mesmo quarto. Segunda-feira, ele internou na UTI do centro médico com covid. Agora todos nós estamos contando no relógio os dias para saber se pegamos dele. Toda semana está sendo assim. Por isso, todos estão estressados e tensos. Covid é roleta russa para gente (médicos). Nunca sabemos se a bala vai estar no tambor ou não. Profissional de saúde costuma fazer formas mais graves da doença. Estamos expostos a uma carga viral mais alta”, ressalta.

 

Adriano conta que criou uma rotina em casa, que é compartilhada por todos os profissionais de saúde nesse momento: “tiro o sapato na porta, passo hipoclorito, entro, tiro a roupa e banho. Nunca mais meus filhos puderam me abraçar quando eu chego. Eles sempre faziam isso”.

 

PRÓXIMAS SEMANAS

 

Ao ser questionado sobre o que os médicos podem prever para as próximas semanas, Adriano é categórico: “a previsão é fácil: vai piorar”. “A pergunta é como e quão rápido. A conta é simples: temos 250 mil pessoas na cidade (Indaiatuba). Para falar em imunidade de rebanho, quando tanta gente pegou que protege quem não pegou, 70 a 80% tem de pegar covid. Ou seja, sendo otimistas, 175 mil pessoas. Mas todas vão ficar mal? Vão ter de internar? Mais uma vez, não. Mas 15 a 20% vão. Sendo otimista de novo, 27 mil. A pergunta é a parcela. Quantos por mês vão ter? E quantos a gente aguenta. Somando todos os leitos de hospital do município temos o que? 500? Estou chutando esse número no momento (a entrevista foi feita num intervalo de atendimento na tarde desta quinta-feira). Talvez cheguemos nisso com hospital de campanha. Passou de 500 por mês, vai ficar gente sem leito. Antes disso, por que e os outros doentes das outras doenças? É ai que a conta fica perversa: porque a mortalidade da covid geral seria 1%. Dos 175 mil, 1.750 indaiatubanos. Já é um número enorme. Mas se não tiver leito para todo mundo, pessoas que poderiam ser salvas vão morrer. Esse número pode dobrar, triplicar, quintuplicar. Por isso, é fundamental manter a parcela mensal baixa.”

 

“Resumo da previsão: o prefeito (Nilson Gaspar) e o Haoc fizeram e estão fazendo de tudo para enfrentar a crise. Mais do que a maioria. Mas não vai ser o suficiente. Em nenhum lugar foi. A doença é que é cruel.”, adverte novamente o médico.

 

CONSELHOS

 

Para a população, dr. Adriano aconselha: “não acredite na sua intuição! Quanto mais a quarentena funcionar, mais ela parece inútil! Se Indaiatuba tiver 3 mil doentes com covid ninguém vai perceber isso no dia a dia. Entre 250 mil cidadãos, é bem provável que você não conheça alguém doente. Você vai sair no Parque Ecológico tranquilo e fazer compras no supermercado normalmente. Enquanto isso, o Haoc vai estar abarrotado, com gente morrendo nos corredores.”

 

“Segundo conselho: use máscara para tudo. Pode ser de pano, papel. O que tiver. Máscara ruim é melhor do que máscara nenhuma. Se todos usarmos máscara a contaminação diminui muito. Você nunca vai saber quando já está passando”.

 

Como terceiro conselho, Adriano pede que as pessoas aceitem que a vida de todos “mudou”. “Não podemos fazer como naquela sexta-feira, quando a Prefeitura (de Indaiatuba) abriu o comércio, e lotar os bares. A doença não acabou! Ela só está começando. Caso haja abertura, continuem fazendo o máximo de isolamento possível. Se pode ficar em casa, fique! Se pode pedir delivery e supermercado, peça. Não vá aos bares e restaurantes. Coma em casa com sua família, mas peça a comida deles (restaurantes) para ajudá-los nesse momento. Assuma que só poderemos respirar aliviados quando sair uma vacina. Até lá, somos prisioneiros, e o vírus é um carcereiro cruel.”

 

“E mais um bônus: cuidem de suas mentes. Aproveitem esse tempo para se aproximar de quem vocês amam, de ficar de corpo e alma com a família, de sair do ‘zap’, divirtam-se, riam, chorem. Aproveitemos esse medo de morrer e o usemos a nosso favor, vivendo cada dia como se fosse o último”, finaliza. Adriano Vendimiatti, além de médico, é escritor e pensa em futuramente transformar toda essa experiência em livro. Mas isso é um capítulo para um futuro ainda distante, depois da guerra totalmente vencida!

 

fotos: Arquivo pessoal

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