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Os 100 anos de Anselmo Duarte

Anselmo com Grande Otelo

Dono do maior prêmio do cinema nacional, o centenário do saltense Anselmo Duarte chega ofuscado e sem grandes homenagens nacionais

Considerado um dos maiores nomes do cinema nacional, o saltense Anselmo Duarte completaria 100 anos, em abril. Sonhador, a única certeza que tinha é que não queria ser operário como sua mãe. Sua história com o cinema teve início ainda na época dos filmes mudos, quando o projetor ficava atrás das telas e provocava aquecimento. Para não correr o risco de pegar fogo, molhava-se a tela na troca de rolos. Ele era o molhador de tela e relembrou a experiência em uma de suas obras, “O Crime do Zé Bigorna”, ambientada em 1928. Na trama, Lima Duarte e Stênio Garcia molhavam a tela, enquanto Charles Chaplin a invadia com sua arte.

 

Anselmo tornou-se conhecido mundialmente em 1962, ao ganhar a Palma de Ouro e o Prêmio Especial do Júri no Festival de Cannes com o seu filme “O Pagador de Promessas”, no qual atuou como cineasta e roteirista. O mérito todo não está apenas nos prêmios, mas sim no fato de ter concorrido com os diretores Luis Buñuel, Michelangelo Antonioni e Robert Bresson. A Palma de Ouro de Anselmo Duarte é, até hoje, o maior prêmio do cinema brasileiro, mas ao mesmo tempo é um dos menos lembrados por parte da população.

 

O “Pagador de Promessas”, peça de Dias Gomes, discutia a reforma agrária, o preconceito de classes e a intolerância religiosa. O filme, com Leonardo Villar interpretando o papel principal, foi também a primeira produção brasileira indicada ao Oscar de melhor filme estrangeiro – que, naquela época, era apenas um prêmio secundário perto da Palma de Ouro -, mas perdeu para o francês “Les dimanches de Ville d’Avray”, de Serge Bourguignon.

 

Na época, o cineasta entrou em atrito com os principais expoentes do Cinema Novo, que o acusavam de realizar apenas obras comerciais e de apelar à estética de Hollywood. “A verdade é que havia, por parte do Cinema Novo, muita inveja cultual do Anselmo e também uma ilusão de um posicionamento de direita. Eles (o Cinema Novo) jamais conseguiram conquistar nada perto do que o Anselmo conquistou e também o puniram por uma questão de ideologia política”, afirma Oséas Singh Júnior, historiador, jornalista e um dos principais estudiosos da obra do cineasta.

 

Aos poucos, Anselmo se cansou do cinema e das críticas que tanto recebeu, até se afastar definitivamente da sétima arte. Foi quando retornou a Salto e viveu no exílio cultural nacional nos seus últimos 30 anos de vida. Infelizmente, Anselmo Duarte e toda a sua contribuição para o cinema nacional caíram no esquecimento de muitos brasileiros, mas felizmente na Europa, tal reconhecimento ainda permanece até os dias atuais.

 

“É triste termos um histórico cultural tão grande e não o explorarmos. O Anselmo e toda a sua obra tinham que ser matérias obrigatórias dentro das escolasbrasileiras. Essa era a m aior homenagem que ele queria receber. Que as crianças tivessem acesso à sua cultura, seus filmes e não apenas virar nome de sala”, comenta Oséas.

 

Cena do premiado “O Pagador de Promessas”

Segundo ele, a história do cinema nacional está sendo contada de maneira errada às novas gerações. “Já vi diversas vezes as pessoas falando que o primeiro filme brasileiro indicado ao Oscar foi ‘O Quatrilho’ (do diretor Fábio Barreto e que concorreu em 1995), o que prova que a informação cultural que chega aos jovens é totalmente equivocada”, ressalta.

 

Dono do maior prêmio do cinema nacional, o centenário de Anselmo Duarte chega ofuscado e sem grandes homenagens nacionais. Em Salto, a Secretaria da Cultura trabalhava numa programação especial para este mês de abril, porém suspensa, temporariamente, por conta da epidemia da Covid-19.

 

Salto prestou sua homenagem ao cineasta em 2009, com a inauguração da Sala Palma de Ouro de Teatro, no Centro de Educação e Cultura. Anselmo esteve presente à inauguração e, inclusive, discursou aos presentes: “Quando me olho no espelho e vejo meus cabelos brancos, nem acredito. Porque aqui em Salto vou me sentir sempre assim: o garoto Russo Louco. Livre, enquanto descalço. Mas são 89 anos de vida e de exemplos vitoriosos, tudo, até hoje, inspirado no doce e simples agreste pisar no solo cru da terra batida e abençoada desta hoje grande Salto. No entanto a modernidade paga seu preço. O preço do esquecimento. Graças a Deus o antes tarde que nunca se faz presente hoje, na inauguração desta fantástica edificação, dedicada ao futuro cultural saltense e comprometida com os valores históricos das suas raízes e a sua perpetuação…” Quatro meses depois, em novembro de 2009, o cineasta faleceu em São Paulo, onde estava internado, porém seu funeral ocorreu em Salto.

 

Vida e obra

Aos 14 anos, Anselmo Duarte saiu de Salto e foi para São Paulo estudar Economia, onde começou a trabalhar como datilógrafo e fazer também aulas de dança. Em seguida, partiu para o Rio de Janeiro e tentou a sorte como bailarino no documentário “It’s All True”, que o cineasta Orson Welles estava fazendo no Brasil, mas que nunca foi concluído. Acabou virando repórter econômico da revista “Observador Econômico e Financeiro”.

 

“Querida Suzana” foi o primeiro filme que Anselmo estrelou como ator. A produção seguinte foi o drama “Pinguinho de Gente”; em seguida, o musical romântico “No me digas adiós”, depois muitos outros filmes produzidos nos estúdios da Atlântida Cinematográfica.

 

Na década de 50, de volta a São Paulo, Anselmo foi contratado pela Companhia Cinematográfica Vera Cruz, que à época era conhecida como a Hollywood brasileira, onde estrelou quatro longas: “Tico-tico no Fubá”, “Sinhá Moça”, “Apassionata” e “Veneno”. Mesmo com a falência da Vera Cruz, Anselmo seguiu sua carreira com: “Carnaval em Marte”, “Sinfonia Carioca”, “O Diamante”, “Depois eu Conto” e “Arara Vermelha”. Em 1957, dirigiu sua primeira obra: “Absolutamente Certo!”.

 

Atuando com Tônia Carrero

Revista do centenário

Foi pensando em informar a nova geração e manter o nome do Anselmo Duarte e suas obras em destaque, além de ajudar a impulsionar a cultura local que Oséas produziu uma revista digital sobre a vida e obra do cineasta. Vale ressaltar que em 1993, o jornalista também publicou “Adeus Cinema”, livro sobre toda a história cinematográfica de Anselmo Duarte. A revista e o livro serão fornecidos para download para quem solicitar via email: osinghjr@hotmail.com .

 

Filmografia

A filmografia de Anselmo Duarte é composta por 34 filmes como ator, 11 como roteirista e um como produtor: A “Madona de Cedro” (1968). Como ator, um de seus filmes preferidos era “Sinhá Moça” (1953), de Tom Payne, produzido pela Vera Cruz, que ganhou o Prêmio Especial do Júri, em Veneza.

 

texto: Aline Queiroz

fotos: Divulgação/Arquivo Oséas Singh Jr.

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