Confira a entrevista exclusiva da monja à Revista Regional
“Muitas vezes nossas insatisfações, decepções, tristezas nos levam a querer ter, a possuir, a acumular coisas materiais que nos satisfazem por alguns instantes”. Essa é a descrição de como a sociedade se comporta nos dias de hoje, mas calma, ainda temos tempo para consertar o que está errado. E para falar sobre esse e outros assuntos, conversamos com exclusividade com a fundadora da Comunidade Zen Budista Zendo Brasil, Monja Coen. Aliás, seria fácil ficarmos horas e horas conversando com essa senhora de 72 anos que viveu metade de sua vida dedicada ao Budismo. Seu interesse pela religião surgiu a partir da leitura de um livro sobre ondas mentais alfa. “A repórter entrevistara várias pessoas, entre eles um monge zen. A fala desse monge foi o que me levou a procurar o Zen Budismo. A pergunta que ela fez era a seguinte: ‘O que o senhor acha de usar eletrodos para induzir o estado alfa, que é o mesmo estado de uma pessoa em meditação profunda?’ E ele respondeu: ‘Se a ciência diz que é possível, deve ser. Mas, por que entrar pela janela?’ Fui procurar a porta, o Zen Center of Los Angeles. Entrei, iniciei as práticas meditativas de Zazen e até hoje agradeço a Buda, seus discípulos e discípulas e a este caminho de prática”, conta a Monja. Nesta entrevista especial, você ainda terá a oportunidade de saber sobre meditação, Nirvana, Zazen, autoconhecimento e o caminho para espiritualidade segundo a tradição budista.
REVISTA REGIONAL: “Será que um dia o consumismo vai consumir o nosso protesto ao consumismo?” Essa frase foi dita durante uma entrevista sua em 2014, no programa ‘The Noite’, do SBT. Em 2019, como a senhora enxerga essa relação humano versus consumismo? Nós precisamos desaprender a ideia de ter, possuir, querer, desejar para sermos mais felizes?
MONJA COEN: O consumismo já consumiu nosso protesto ao consumismo. Veja as calças jeans. Nosso protesto, no final dos anos 60, era termos apenas um par de calças. Por isso, elas acabavam rasgando, mudando de cor, sendo remendadas, cortadas. A minha depois de alguns anos, virou uma bermuda. Hoje, as pessoas compram por um valor mais elevado as calças desbotadas e rasgadas. E eu, agora, não uso calças desbotadas nem rasgadas. O estado de contentamento com a existência não pode ser comprado. Muitas vezes nossas insatisfações, decepções, tristezas nos levam a querer ter, a possuir, a acumular coisas materiais que nos satisfazem por alguns instantes. Nosso anseio verdadeiro é por um estado de completude, é pelo prazer da vida em ser vivida. Mas somos provocados e estimulados a ter mais e mais, como se fosse o portal de uma vida feliz. Há pessoas que dormindo no chão são felizes. Outras em palácios são infelizes. O que é importante para você? Questione-se e procure mais ao invés de apenas ser manipulada pela propaganda e mídia.
A senhora morou 12 anos no Japão. Durante esse período, como foi essa experiência, já que se trata de uma cultura completamente diferente da nossa, apesar de vocês estarem em busca do mesmo objetivo que é se tornar um discípulo de Buda?
Morar 12 anos no Japão foi compreender melhor a mim mesma e a cultura japonesa. Foi o processo de me tornar monástica e fortalecer meus votos e compromissos. Foi entender um pouco mais sobre o povo japonês.
Por ter muitos anos de prática e sensibilidade, a senhora através da meditação já alcançou o Nirvana, assim como Buda. Com que frequência essa percepção acontece com a senhora e como as pessoas, que já meditam há um tempo, podem chegar ao êxtase?
Prática meditativa, zazen, não é para entrar em êxtase místico apenas. É autoconhecimento. Um autoconhecimento que transcende o eu. É perceber-se interligada a tudo e a todas. A cada partícula e ao grande Cosmos. Experiências de Nirvana, de Iluminação, de paz e tranquilidade profundas podem acontecer em inúmeros momentos da vida. O zazen, o observar e profundidade, o transcender o próprio eu, é um facilitador.
Eu tive a chance de entrevistar o escritor e psiquiatra Augusto Cury e ele comentou que nós demos um passo importante na ciência, mas mínimo no território da emoção e, por isso, intelectuais passam pelo caos da depressão. Acompanhando a evolução da espécie humana, a senhora acredita que esse seria um dos grandes males do século?
A grande transformação deste século será a de compreendermos como funciona a mente humana. Não apenas do ponto de vista da matéria orgânica ou da psicanálise. Mas do próprio ser conhecer o próprio ser. Os sintomas desse desconhecimento são as tristezas, o afastamento do grupo, o distanciamento, a depressão e as tendências e tentativas suicidas. Que insatisfação, que inadequação é essa? Que futilidade se tornou a vida? Se não está sendo como eu gostaria, eu me tranco, me fecho, sou uma vítima? Ou me mato? Há programas induzindo crianças ao enforcamento. É necessário olhar em profundidade para a mente humana, conhecer seu funcionamento e auxiliar os que estão se enredando para que se desvencilhem de seus próprios obstáculos para viver com plenitude cada instante sagrado e perene, que jamais se repete, da existência.
Hoje com a ajuda da tecnologia, e a senhora tem um canal no YouTube (MOVA), ficou mais fácil as pessoas terem acesso a esse tipo de conteúdo? A senhora é uma monja diferente do que estamos acostumados a ver, que tem um perfil mais acolhedor, sereno, maternal eu diria. Em que momento percebeu que poderia ajudar as pessoas usando essas ferramentas como a internet?
O Canal MOVA não é o meu canal. Causas e condições surgiram para que um dos diretores do Canal pedisse permissão para gravar minhas palestras e colocar no Youtube. Foi e continua sendo um grande sucesso, com milhões de seguidores. Eu não pedi, eu não tive a intenção. Nem mesmo ele. Aconteceu. Aconteceu porque há necessidade. Falo o que sempre tenho falando há mais de 30 anos. A tecnologia apenas torna mais acessível o maior número de pessoas. Espero que todos se beneficiem e possam apreciar suas vidas. Acredito que a inteligência artificial pode ser uma grande parceira para o despertar da humanidade. Basta saber utilizá-la.
Esse autoconhecimento de reconhecer as nossas falhas e obter a capacidade de calar para ouvir e se colocar no lugar do outro é um exercício um tanto difícil, mas como a meditação ou outro método pode nos ajudar a sermos melhores como pessoa?
O autoconhecimento, a possiblidade de perceber nossas falhas é a possibilidade de corrigi-las, de fortalecer nossos pontos fracos. De nos acolhermos e nos aceitarmos em nossas mediocridades para almejarmos sair da área de conforto e viver uma vida significativa e brilhante.
Vivemos uma era em que famílias que não estão no padrão tradicional, imposto por uma sociedade preconceituosa e machista, sofrem pelo fato de não corresponderem uma maioria. Como o Budismo enxerga os diferentes tipos de relações humanas em sua forma de amar?
Sou contra toda e qualquer forma de preconceito e discriminação social. Buda, no momento de sua iluminação disse: “Eu, a Grande Terra e todos os seres, juntos, simultaneamente, nos tornamos o Caminho.” Todos os seres, todos os seres humanos, todos os animais, plantas, todas as águas, todos os ventos. Tudo que existe. Logo, inclusão total.
A senhora sempre foi uma mulher de questionamentos como, por exemplo, qual o sentido da vida? O que estamos fazendo aqui na Terra? Para onde vamos? Diria que foi através do Zen Budismo que encontrou as respostas para todos esses conflitos? De que forma a religião conseguiu responder os seus questionamentos?
Questionar-se sobre a vida e a morte faz parte da natureza humana. O Zen Budismo é um dos caminhos que nos leva a refletir profundamente e procurar mais e mais as respostas. O próprio Buda histórico dizia: “Se o que eu digo for bom, use. Se não for, jogue fora.” Assim, uma tradição espiritual sem dogmas é a que mais se assenta com minha compreensão e que melhor responde às minhas inquietações. Cada pessoa deve procurar o seu próprio caminho espiritual, filosófico. Mas não deixem de se questionar e de procurar os sentidos da vida.
Para conhecermos um pouco sobre a sua história, foi em 1983 que a senhora fez os votos monásticos e foi fundadora da Comunidade Zen Budista Zendo Brasil em 2001, mas como e em que momento o Budismo entrou na sua vida?
Li um livro sobre ondas mentais alfa. A repórter que o escreveu entrevistara várias pessoas, médicos, psiquiatras, especialistas em Neurociência e entre eles um monge zen. A fala desse monge foi o que me levou a procurar o Zen Budismo. A pergunta que ela fez era a seguinte: “O que o senhor acha de usar eletrodos para induzir o estado alfa, que é o mesmo estado de uma pessoa em meditação profunda?” E ele respondeu: “Se a Ciência diz que é possível, deve ser. Mas, por que entrar pela janela?” Fui procurar a porta, o Zen Center of Los Angeles. Entrei, iniciei as práticas meditativas de Zazen e até hoje agradeço a Buda, seus discípulos e discípulas e a este caminho de prática.
Seu último livro (Zen para distraídos – Princípios para viver o presente com harmonia) fala sobre como desenvolver a técnica de meditação, entender o Nirvana, compreender o carma. De que maneira é possível encontrarmos o nosso caminho, sermos mais assertivo e aprendermos a aplicar o Zen em todos as nossas atividades?
O livro Zen para Distraídos da Editora Planeta é uma transcrição de perguntas que me fizeram durante o meu programa na Rádio Mundial, chamado Momento Zen (todas as segundas feiras das 19h30 às 19h55). Ouvintes fizeram perguntas, eu respondi, meu genro e produtor do programa, Nilo André Cruz, transcreveu, pesquisou, melhorou e o livro está disponível nas livrarias. É quase um manual do Zen Budismo e um convite à prática de Zazen. Como encontrar o seu caminho? Procure, seja esse caminho. Não desista de você. Esse livro pode ser um manual, um guia, mas só você pode praticar o que é sugerido. A prática é a realização. Somos o que praticamos. Pratique Buda e você despertará para a vida.
texto: Ester Jacopetti
foto: Jukai Christopher Zenyu