Com a personagem Rosa, de “Segundo Sol”, novela das nove da Globo, Letícia Colin rouba a cena e conquista a crítica e o público
Letícia Colin fez a lição de casa e chegou ao topo, mas não foi fácil. Atriz desde a infância, ela chegou a contracenar no seriado “Sandy & Junior”, quando tinha apenas 11 anos. De lá pra cá, foram muitos trabalhos e todos com sua importância. Em “Novo Mundo”, por exemplo, exibido no ano passado, a atriz já dava pinta de que o sucesso era só uma questão de tempo. Elogiada por interpretar a Princesa Leopoldina, ela foi escalada para viver Rosa em “Segundo Sol”, novela na qual se tornou destaque na trama, roubando a cena. Ao ser questionada sobre o sucesso, Letícia sabe que tem feito um bom trabalho com muito empenho como sempre, mas se diz surpresa com a repercussão. “Nós trabalhamos com o mistério da interpretação. Ela é mística, então não sei dizer. Pra mim, não era certo que fosse acontecer. Todos os dias é uma surpresa”, revela. Em plena maturidade, como ela mesma se descreve, assim como Rosa, Letícia também é feminista, mas esse não foi o único aprendizado com a personagem: “Estou me formando como mulher e, com certeza, o encontro com a Rosa, os pensamentos, os conflitos, as contradições, têm me formado também. Eu tenho certeza de que vou sair uma mulher mais forte e melhor por ter ouvido e acolhido essa personagem na minha vida, com essa questão da sexualidade. Estou sendo transformada e esse momento é irreversível”, comenta a atriz, que espera poder viver ainda personagens incríveis que estimulem o empoderamento feminino.
REVISTA REGIONAL: Foi aos 11 anos de idade que você participou do programa “Sandy e Junior” e hoje, aos 28, é uma das principais atrizes da Rede Globo. Quando você pensa em tudo que passou, quais as principais memórias que lhe vêm à cabeça?
LETÍCIA COLIN: Eu fui gostando cada vez mais de me desafiar e de fazer personagens mais e mais complexos, mas porque fui me sentindo mais conectada com a arte dentro de mim e com essa conexão do meu trabalho com o mundo que vivo, com esse sentimento de missão de contar histórias e fazer as pessoas pensarem e se comoverem ao longo da minha carreira, falar de temas que sejam importantes, interessantes, que possam melhorar a vida, a sociedade. A minha entrega para o que eu faço foi aumentando com o passar do tempo e, com isso, pude alçar voos maiores. A maturidade te traz mais ferramentas, mais sabedoria para poder trabalhar melhor, viver melhor e, com certeza, isso tudo fez com que os personagens passassem a nascer dentro de mim de um jeito mais complexo e profundo. O caminho da minha arte é o caminho também do meu amadurecimento, de entendimento como mulher, como ser humano.
O psicanalista Contardo Calligaris disse uma frase que: ‘É besteira ficar tentando ser feliz.’. Em que momento você se sente realizada não só como artista, mas na vida pessoal?
Nos momentos em que estou com a minha família, junto dos amigos queridos, ficar de bobeira, ouvindo música, viajar, ir ao teatro, cinema… Estes momentos de felicidade são únicos e preservo muito quando acontecem, principalmente quando estou numa rotina intensa de trabalho.
A Rosa é uma mulher que lutou pela sua liberdade e essas escolhas trouxeram consequências, mas saindo um pouco da personagem, é difícil lidar com nossa própria liberdade. Qual a sua opinião sobre o assunto?
A Rosa tem personalidade, autoconfiança e uma liberdade que me comovem. Eu tenho a determinação para conseguir as coisas que quero, mas a Rosa é impulsiva demais, não consegue pensar duas vezes antes de falar alguma coisa. Ela é estourada, se coloca, é assim dentro de casa ou em qualquer outro lugar. Rosa é muito corajosa, dona do seu próprio corpo, tem um pensamento feminista progressista muito parecido com o meu. É sempre sensacional fazer personagens que inspiram coragem e liberdade.
Nos últimos meses tem se abordado a questão do feminicídio no Brasil e ficou evidente que ele só cresce no país. Como mulher, o que você acredita que é possível fazer para mudar esse cenário?
É entender que somos parceiras. Infelizmente, vivemos essa cultura e até mesmo no mercado de trabalho é difícil, porque existem separações entre homens e mulheres. Nós somos parceiras e precisamos nos ajudar e esclarecer. Se você ouviu, viu algo, se alguém te contou, tem que ajudar, tem que denunciar, porque é uma questão que envolve todas nós. Principalmente se for uma pessoa próxima. É ter o suporte moral também. Nós podemos todos os dias alimentar essa rede, empoderar, principalmente nessas questões da violência. Violência não é amor! Nós temos o ciúme arraigado como se ele fosse legal. Não é legal e mata muita gente. Sobre esse discurso, nós temos que nos atualizar urgentemente pra conseguir ganhar tempo nessa briga. Na verdade, é a briga pela vida mesmo.
Os personagens de certa forma libertam os atores para viverem diversas emoções que na vida real não seria possível, mas o que de fato te fez querer seguir essa profissão?
Foi acontecendo naturalmente, eu adorava quando era pequena decorar cenas e o ambiente do set, pensar numa personagem, vestir uma outra roupa, usar um outro cabelo, outro penteado, sempre gostei dessa brincadeira de ser outra pessoa e as coisas foram acontecendo com muita sorte e muito trabalho juntos, e o apoio fundamental da minha família. Minha mãe ficou comigo morando no Rio de Janeiro até eu ter 21 anos, me levava para os cursos, pros testes, porque eu saí de Santo André e fui morar no Rio pra fazer Malhação aos 12 anos, depois disso fui sendo chamada pra outras coisas, novos papéis, novos testes e foi rolando. É uma sorte pra mim ser atriz desde nova, porque é um ofício que respeito e amo profundamente.
São anos de estrada pra chegar até aqui numa novela das nove, com um personagem tão importante como a Rosa. Você esperava esse sucesso em algum momento?
Pra mim também foi uma surpresa, por mais que eu tenha uma trajetória longa, porque comecei a trabalhar muito cedo, mas não imaginava o quanto poderia render. O legal é ter um personagem que exija muito porque é desafiador, é a opção de fazer uma composição complexa. Eu mirei num alvo difícil e foi um caminho para construí-la todos os dias. Eu me surpreendo quando chega um capítulo que toca, comove, que é verdadeiro. Nós trabalhamos com o mistério da interpretação. Ela é mística, então não sei dizer. Pra mim, não era certo que fosse acontecer. Todos os dias é uma surpresa. Eu entro no estúdio sabendo que pode não rolar, mas embarcamos na emoção. Estou aprendendo a ser e me descobrir, ainda mais agora que estou entrando numa fase mais adulta, mais madura da minha vida. Estou me formando como mulher e com certeza o encontro com a Rosa, as falas dela, os pensamentos, os conflitos, as contradições têm me formado também. Eu tenho certeza de que vou sair uma mulher mais forte e melhor por ter ouvido e acolhido essa
personagem na minha vida, com essa questão da sexualidade. Estou sendo transformada e esse momento é irreversível. Espero poder cada vez mais interpretar personagens de protagonismo feminismo e de mulheres incríveis que nós possamos nos orgulhar, e nos empoderar cada vez mais. Eu deixo um pouco do meu coração todos os dias no meu trabalho, coloco amor no que faço. Compartilhamos um pouco de nós para o mundo e nós também recebemos muito, nos alimentamos, nos nutrimos, nos reconectamos. Essa novela tem situações que estão acontecendo como a violência contra a mulher, o machismo, a perseguição.
Sua personagem tem recebido muitas críticas positivas, falando da sua bela atuação, além do sotaque no qual você incorporou muito bem. Mas como você avalia a mudança de caráter da Rosa como pessoa?
Ela está perdida e tudo foi acontecendo na vida dela muito rapidamente. Ela queria muito ganhar dinheiro pra sair de casa, ter sua vida e romper com aquele ambiente familiar que era agressivo com um pai machista, mas são personagens muito humanos e as pessoas irão se reconhecer. Ela foi parar no meio de Laureta (Adriane Esteves) e Karola (Deborah Secco) e ela não está conseguindo pensar e ver direito o que ela quer, está apenas seguindo o fluxo. Estou com dó porque eu tenho muito amor por ela, ela está dentro de mim todos os dias, mas essa é a ideia do João (Emanuel Carneiro, autor da novela). Ele tem essa característica de criar uma novela permeada por relações, por essas questões sociais, da pobreza, da ascensão, do que as pessoas são capazes de fazer pra ganhar dinheiro, o que elas fazem quando têm poder, o que elas podem provocar nos outros. Esse segundo sol é uma segunda oportunidade na vida, de como você se relaciona com cada situação que você vive e suas escolhas. Ela está amadurecendo, vai aprender muito. Eu espero que seja reversivo. Ela esconde uma mentira muito grande e não sei se dá pra perdoar. Sou muito fã dessa novela. Eu assistiria se não estivesse fazendo. Fico muito envolvida com as outras tramas, leio o capítulo quando chega. Eu tenho trabalhado muito, mas vejo a reação das pessoas através da internet, mas sempre acho que pode ser uma bolha, sempre desconfio um pouco. Eu sei que tem pessoas elogiando, mas toda unanimidade é burra, já dizia Nelson Rodrigues. Estou comprometida e sei que o jogo não está ganho. Claro que quando as pessoas falam eu fico feliz, mas tenho um percurso a seguir. Estou sendo desafiada, talvez eu entenda melhor essa reação depois que a novela acabar.
A Rosa ganhou um espaço merecido na trama, até mais que a própria protagonista e tem recebido muitos elogios, não só do público, mas do críticos também.
Eu não concordo. “Segundo Sol” é uma novela muito grande, eu admiro cada um e são ídolos pra mim, mas o discurso da Rosa de liberdade, por ela ser uma garota de programa que assumiu suas escolhas, sem ter medo do que as pessoas fossem falar, essa atitude é muito comovente de segurar a onda e ir em direção à felicidade, é muito admirável. O discurso dela sobre a Maura (Nanda Costa), sobre a sexualidade, de que ela tem que ser feliz e que ninguém fará por ela, comove muitas pessoas. É bom acrescentar essa sonoridade humana especialmente nas pessoas que estiverem duvidando de si. Esse discurso veio muito livre. É maravilhoso, é lindo quando vemos alguém assim, né? Vivemos muito atribulados, muito tensos e quando você vê uma pessoa fluida, falando que está tudo bem, e o que importa é ela, é belo. Por isso que a Rosa brilha. Gosto de personagens desafiadores, sempre apontei para esse lugar, sempre quis isso pra minha vida, pra minha carreira. Estou colhendo o que plantei porque não é fácil e todos os dias é um desafio e uma vitória conseguir levar a verdade pra cada cena. Sofro totalmente porque estou me dedicando aos conflitos, a minha vida está ótima, mas no trabalho eu tenho que resolver conflitos.
Como é a Letícia longe das câmeras, em relação aos cuidados com o corpo, já que você perdeu bastante peso depois de interpretar a Princesa Leopoldina (Novo Mundo, 2017)…
Sou muito feliz comigo mesma! Gosto da minha beleza natural, mas também curto fazer uma maquiagem mais crua ou simples, mas cada momento pede algo diferente. E o legal é não ser escravo de nada, é poder ir e vir e fazer o que você está a fim de fazer em determinado dia. Eu cuido muito da minha pele, eu sei que os personagens precisam usar maquiagem, mas eu na minha vida não sou muito de usar não. Quando vou ao trabalho não uso maquiagem, mas nos eventos adoro fazer algo diferente, um olhar mais ousado, mais divertido. Em relação ao corpo, estou malhando bastante, comendo melhor, me cuidando. Eu tenho tido mais disciplina no meu dia a dia, aliás, algo que a maturidade me trouxe aos 28 anos. Eu sei que sou jovem, mas eu deixava muito de lado essas questões, mas agora sei que me dá mais energia para trabalhar quando treino, quando me alimento melhor. Estou mais equilibrada e é resultado do que as pessoas veem na tela.
Nós falamos sobre feminismo e a Rosa no início da trama tinha muito essa questão em evidência de se posicionar sobre suas ações, mas você, Letícia, se considera uma mulher feminista?
Eu sou feminista. Comecei a ler e pesquisar sobre esse assunto e existem muitos tipos de mulheres que são feministas. Dar alguns exemplos será complexo, mas existem muitas linhas sobre o pensamento feminista. Nós temos que lutar pela igualdade e direito de espaço, mas não acho que as mulheres são iguais aos homens, nós somos diferentes, e ser diferente não quer dizer que é mais ou menos. Nós temos dificuldade em entender isso. Eu não tenho respostas, é um assunto muito complexo. Ela é muito feminista sim, meu corpo, minhas regras e esse trabalho dela é como qualquer outro. E dentro das próprias feministas, cada uma acredita em algo, algumas são contra e outras a favor da legalização da profissão.
É impressionante o número de novelas que você fez recentemente, emplacando uma após a outra. Quando “Segundo Sol” acabar você pensa em se envolver em novos projetos?
Depois que a novela acabar quero descansar porque eu venho emendando um trabalho no outro. Eu sai de “Novo Mundo” e fiz “Cine Holliúdy” que foi gravado na Serra da Bocaina, que simula o Ceará, porque é uma série que se passa nos anos 70. Se eu não me engano, estreia em janeiro. Depois comecei a novela. Eu tive breves pausas, então eu realmente estou sentindo que preciso descansar pra mudar de ares, até pra digerir tudo, porque acontece muita coisa durante a novela, na vida. Pela primeira vez, e é até engraçado pra mim, não tenho algo pra dizer, mas estou aguardando o lançamento do filme que eu comentei. E em 2019, farei um filme com a Julia Rezende que é algo que nós já estávamos lendo há um tempo, e eu havia feito “Ponte Aérea” (2015) com ela entre Rio e São Paulo com o Caio Blat e nós temos uma parceria maravilhosa e faremos um filme juntas.
Você comentou sobre o contato com o público; as pessoas falam com você sobre a Rosa ser uma garota de programa, e o que ela representa?
Diretamente não, mas algumas comentam que conhecem alguém, eu não sei se essas pessoas assumem porque ainda é tabu, mas as pessoas acabam dando esse relato de que conhecem uma moça, e é sempre na terceira pessoa. A Rosa não é julgada e a galera a acolhe, entende o posicionamento dela. Ela é muito corajosa e olha pra essa questão do corpo, da sexualidade de um jeito sem moralidade, sem julgamento, sem hipocrisia. As pessoas criticam, julgam, mas a indústria pornô, por exemplo, têm mais acesso online do que as redes sociais juntas. Precisamos falar sobre isso. É um tema muito interessante. A Rosa me ensina a pensar sobre a sexualidade de maneira saudável com menos preconceito. O que vai para esse lugar é natural é orgânico e durante as cenas, o telespectador merece que seja honesta e verdadeira. Não há nada de errado. São novos tempos e a interpretação está indo para um modo mais realista e nós estamos aprendendo muito com a linguagem da série, do cinema, e as cenas de amor vem nesse pacote e nos ajudam a contar uma história. Nós trabalhamos a sedução todos os dias na vida. Existe a coisa da Bahia que emana, que vem da comida, da música, um afrodisíaco no ar e sentimos na novela. A Rosa tem uma relação muito tranquila com o corpo, muito livre, uma afirmação da naturalidade, da sensualidade. É libertador! É uma sensualidade nata que vem da África, do mar, da maresia, do cheiro, do tempero. Essas qualidades eu ainda não tinha trabalhado numa personagem. É lindo porque nós precisamos lidar com a sensualidade a sexualidade de um jeito mais saudável. Nós precisamos porque existem muitos abusos, estupros, por causa da nossa falta de inabilidade de lidar com o corpo. Nós estamos há milênios e não sabemos lidar com isso. É uma querendo dar pitaco na outra, chamando fulana de não sei o que, observações, juízo de valores, um medo que nós temos de andar de um jeito ou de outro. A Bahia é evoluída nesse quesito. É uma afirmação do que se é, do que se vive, da cor que se tem, de ser um lugar forte e sobrevivente, a origem do nosso país e existem muitos signos ali. É muito interessante.
texto: Ester Jacopetti
fotos: Renan Oliveira