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Post: ‘Pelo bem que nos conduz’

‘Pelo bem que nos conduz’

foto: Fotolia
Allie Marie Dias de Queiroz é integrante da Acadil (Academia Ituana de Letras) e escreveu este artigo especialmente para a Revista Regional.

Revista Regional convidou a escritora ituana Allie Marie Dias de Queiroz, integrante da Acadil (Academia Ituana de Letras), para escrever uma crônica especial de Natal. O texto você confere a seguir:

            “Enquanto espero, vou tecendo os fios da memória, fazendo um bordado com a evocação dos sons, dos cheiros, dos afetos que ficaram de momentos já há muito idos nas dobras do tempo. Esperando e bordando, vou esperando nem sei bem o que, talvez aquela fagulha de magia e encantamento que iluminavam os olhos da menininha que ainda mora em algum lugar dentro de mim.

As lembranças dos antigos Natais têm o poder de reavivar esses sentimentos que estão profundamente ligados ao afeto da família e continuam a me transportar novamente à cozinha ancestral, povoada de segredos que me seduziam, verdadeira alquimia produzida mais pelo apuro da experiência que pela receita escrita, que engendravam os delicados quitutes para a festa. 

São os perfumes e sabores que antecipavam ainda no fogão, o gosto do Natal. Era o alerta para a criançada de que já era hora de buscar as caixas do presépio, de colocar a mesa e a toalha de linho alvo em seu canto, comprar mais folhas de papel pedra, catar areia no quintal, porque Belém tinha que ser recriada com todo rigor!

Pequenas caixas camufladas faziam às vezes dos morros, recobertas com capricho pelo papel, bem amassadas para moldar com perfeição o cenário da cidade. Tudo isso aprontado, vinha o desafio de colocar as muitas casinhas, branquinhas e de telhado cor de barro, algumas maiores, outras menores, mas sempre singelas, como que espelhando nossa cidade real. No alto, a estrela guia na entrada da gruta, com o boi e o carneirinho sobre a palha esparramada para criar a manjedoura, esperando, tal qual nós, a chegada dos santos hóspedes.

Areia espalhada pelas vielas e ruas, o pedaço de espelho imitando um lago, chegava a hora de por gente, o pescador, os muitos pastores e crianças, as mulheres com cestos e jarras nos braços, os músicos, gente subindo e descendo pela cidade criada por nossa fantasia. Depois os bichos, galinhas, cabras, ovelhas, bois e até camelos. Por último, as florzinhas de tecido, em minúsculos canteiros, árvores de galhos tirados do quintal e as ramas de samambaias enfeitando o caminho até o alto.

Na semana do Natal chegavam os reis magos e todo dia andavam um pouquinho, indo lentamente em direção à estrela guia. Só cumpriam seu destino no Dia de Reis. A avó cuidava atentamente da tradição e fazia com que Nossa Senhora e São José estivessem lá no tempo certo. Destinava a alguma das crianças a honra de colocar o Menino Jesus no seu leito de palha, momento solene e emocionante, o Natal finalmente havia chegado!

Era assim o Natal nessa casa ituana de meus avós (e na da bisavó também), nada de árvore de Natal ou Papai Noel.

A celebração do nascimento de Cristo era bem caipira, pairava sobre todos um sentimento de plenitude, de compartilhar pequenas bênçãos e grandes alegrias.

A única noite que as crianças tinham permissão para ficar acordadas até mais tarde. O que era mais regalia que proveito, pois quando os sinos começam a anunciar a Missa do Galo, a maioria já tinha sido vítima da agitação do dia, dormindo a sono solto nos imensos quartos da casa antiga, certamente sonhando com os presentes que viriam pela manhã.

Se fechar os olhos sou capaz de sentir o cheiro das rabanadas e do pernil, o suave perfume das ervas que impregnavam a casa, o tilintar de copos e talheres na mesa vestida com as louças e cristais mais finos, as risadas e a conversa animada.

Se fechar os olhos posso ver, mais uma vez, todos eles, o pai, avô, avó, as bisas, tias, tios, primos, alheios ao tempo da eternidade em que habitam hoje, compartilhando a preciosa vida que permitira mais um Natal.

Se fechar mais os olhos, posso ouvir o cantarolar da avó na cozinha, embalando a trabalheira de vários dias com as canções de sua alma, a voz melodiosa conjurando os bemqueres, o amor matriarcal pela sua gente, a fartura de saúde, a abundância da mesa, a esperança renascida no presépio do Menino Deus.

Feche você também seus olhos por uns instantes e reencontre o significado de seu Natal, sinta o afeto e o aconchego entre a família, a generosidade do amor distribuído largamente, a esperança refletida nos olhos crédulos das crianças e daquele do Menino eternamente renascido nas palhas da manjedoura.

Uma tradicional cantiga brasileira, uma prece de Natal, canta assim:

‘Lindas estrelas nascem no céu

Anunciando que o Natal chegou

Cubra-se o mal com um véu

Façamos preces ao Nosso Senhor

Paz na terra aos homens de bem

Ser feliz é nossa vontade

Deus não esquece ninguém

Dá a todos mil felicidades

Aleluia, aleluia,

Pelo o bem que nos conduz

Em louvor ao Menino Jesus’

Pelo Bem que nos conduz, Feliz Natal!”

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