Envolvida politicamente, Letícia Sabatella é o tipo de atriz que defende a Amazônia, critica as reformas políticas, já foi a diversas passeatas, sofreu ameaças, foi hostilizada, e luta pela liberdade feminina. E é assim que ela também encara seu próximo personagem em “Tempo de Amar”, onde interpreta Delfina, uma mulher que foi encaixada a um padrão, sem muitas opções de escolhas. “Ela representa um modo de viver e pensar muito arcaico, mas ao mesmo tempo ela é vítima desse conceito. É muito parecido com algumas situações que acontecem, nos dias de hoje, de como as mulheres são oprimidas e oprimem também”, explica. Intensa, Letícia se questione sobre o tipo de sociedade em que vivemos, e como poderíamos transformá-la mais justa e igualitária. “Nós sempre temos que procurar superar todas as diversidades que estão a nossa volta. Eu com o pensamento mais complacente, gosto de olhar para as pessoas e ver, que poxa, a sociedade poderia dar conta, de uma maneira melhor, desse mal que existe dentro de todos nós”, ressalta. Sempre muito engajada, a atriz representa uma minoria de atores, que falam o que pensam sobre a atual situação do país, em especial na cultura. “Nós estamos vivendo essa crise absurda da cultura no país. Esse desmanche no Rio de Janeiro. Enfim… Estou dentro de todos os protestos, que fazem com que nossa soberania nacional e democracia, sejam retomadas, pra que a nossa identidade e dignidade não sejam perdidas”, completa. Confira abaixo a entrevista que a atriz concedeu à Revista Regional DIGITAL:
REVISTA REGIONAL: Nós sabemos que sua personagem Delfina, em “Tempo de Amar”, é uma vilã, mas como você descreveria essa mulher, fazendo um paralelo aos dias de hoje?
LETÍCIA SABATELLA: A Delfina representa um modo de viver e pensar muito arcaico, mas ao mesmo tempo ela é vítima desse conceito. É muito parecido com algumas situações que acontecem, nos dias de hoje, de como as mulheres são oprimidas e oprimem também. A novela tem essa questão do tempo de amar, mas ela distorce esse amor. É quando sente o desejo, de que a filha tenha espaços, que ela não teve. A maneira como ela enxerga as possibilidades, da filha galgar novos horizontes, melhores do que os dela, é dentro de uma lógica muito perversa, de muita opressão. A Delfina é vítima de um machismo, e ela exerce, e vai sendo tomada pela inveja e o rancor que crescem com o tempo. O não reconhecimento do lugar dela, do que ela já fez, a torna venenosa. Ela é vingativa! São sentimentos muito humanos, mas levados a um universo muito patológico. Eu consigo compreendê-la. Ela é uma mulher que não tem espaço, vai se ressentindo dessa falta de reconhecimento. Não é assumida, e a filha também não. E ao mesmo tempo, tem essa síndrome de Estocolmo. É atraída pelo caminho da perversidade, da inveja, que se torna patológico, mas quando olho pra ela, é muito possível, alguém na situação dela, não encontrar uma saída melhor. É engraçado.
Você acredita que de alguma forma essa personagem trará alguma discussão sobre o papel da mulher?
Nós sempre temos que procurar superar todas as diversidades que estão a nossa volta. Eu com pensamento mais complacente, gosto de olhar para as pessoas e ver, que poxa, a sociedade poderia dar conta, de uma maneira melhor, desse mal que existe dentro de todos nós. Qual seria a sociedade mais igualitária? Mais justa? Um tratamento mais de reconhecimento desse espaço, pra essa mulher?! Não que a sociedade dê conta, ou que seja totalmente culpada, mas ao mesmo tempo, que tipo de sociedade podemos construir, ou viver?! É possível dar conta do mal que existe dentro de nós?! Eu vejo muito na relação das tribos. Não existe ser humano, com todas as suas centralizações, mas é uma sociedade, uma filosofia de vida que melhor funciona. Nós temos no patriotismo, uma relação de opressão. Será que damos conta da maldade que existe? Esse tema é atual e universal.
Essa não é a primeira vez que você interpreta uma vilã. É mais fácil pro ator?
Não é fácil, mas é bem rico. Dá pano pra manga. Uma agilidade para articular. A Delfina vive para articular. Ela é uma pessoa que dá trabalho pra si mesma. Ela foi rejeitada desde a mãe, a maneira como ela foi criada dentro de casa, à margem da família, como ela serve ao patrão, desde que ela era moça. Esse assunto, nunca foi colocado num lugar na sociedade. É como se fosse alguém, num espaço bem menor, do que ela caberia. Ela tem uma grande mágoa. É complexa, tem uma inteligência e agilidade mental pra articular tudo. Não tem simplicidade. Alguém que teve as asas bem cortadas.
Quando você fala sobre sua personagem, poderia dizer que faltou amor?
Ela serve ao patrão (José Augusto – Tony Ramos) sexualmente. Ela tem uma filha com ele, que não é reconhecida por ele, a Tereza (Olívia Torres), que é irmã de Maria Vitória (Vitória Strada). As duas não sabem. É uma situação muito moralista, de costumes da época, que hoje em dia, é mais fácil de compreendermos, o transtorno psíquico que isso pode levar, no caso dessa personagem. É como você analisar uma Medéia de Shakespeare. Um personagem que vai sendo colocada, numa panela de pressão, vai criando tantas opressões, e a que ponto ela pode chegar?! Mistério!
Seguindo esse raciocínio, pelo o que ela pretende lutar?
Na verdade, ela não sabe o que é o amor. Ela vai lutar para que a filha dela tenha um lugar ao sol, melhor do que o dela. Ela quer tirar desse relacionamento, o que melhor puder servir a filha dela. Pra isso, ela irá mentir, articular, manipular. Matar acho que não. Pelo menos, não chegou nesse ponto. Mas ela será capaz de muita coisa.
Mesmo se dedicando a novela, você pretende se envolver em outros projetos?
Eu continuo com a Caravana Tonteria, algumas apresentações de Trágica.3, onde eu faço a Antígona. Também fiz a trilha. Vou estrear um projeto que é Piaf-Brecht, uma história contada através Edith e Bertoldo. Esses personagens narram as histórias de Piaf e Brecht, pra ver quem é o melhor. É uma brincadeira de dois palhacinhos, que vão brigando o tempo todo.
E na sua opinião, quem é o melhor?
É a mesma coisa que dizer cabeça ou coração?! Eu por exemplo, vario. Tem horas que a cabeça rege mais, e tem momentos que o coração dá uma rasteira na cabeça. É bom porque dessa forma, vou me equilibrando.
Quando estreia?
Vai estrear em São Paulo, primeiro em Santo André, e depois vai pro Sesc.
Atualmente você está trabalhando no Rio de Janeiro, por causa da novela. É mais difícil levar peça de teatro pra cidade?
Nós estamos vivendo essa crise absurda da cultura no país. Esse desmanche no Rio de Janeiro. Enfim… Estou dentro de todos os protestos que fazem com que nossa soberania nacional e democracia sejam retomadas, pra que a nossa identidade e dignidade não sejam perdidas.
texto: Ester Jacopetti
foto: João Miguel Junior/TV Globo