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Post: Sonia Braga especial para a Regional

Sonia Braga especial para a Regional

Sônia fala das polêmicas no Brasil e do filme “Aquarius”, onde interpreta a protagonista Clara

Para os brasileiros, ela é um mito. Considerada uma das melhores atrizes, mas não só da sua geração, Sonia Braga, grande estrela do filme “Aquarius”, de 2016, concedeu uma entrevista exclusiva ao site da Revista Regional. Interpretando na sua língua materna, Sonia ficou feliz por poder falar português num filme novamente. “É impressionante. É um momento de alegria, numa hora de muita tristeza. Nós estamos vivendo em momentos estranhos com esse filme. Porque ao mesmo tempo que temos a alegria de ter feito, é um momento em que a Clara representa essa mulher, brigando pelo direto que tem, e tentando provar que tem esse direito”, concluiu. Consciente das mudanças que vem acontecendo no Brasil, em especial sobre os diretos das mulheres, Sonia acredita que a mídia as trata, como se fosse nos anos 40, e critica o preconceito que ainda persiste. “Uma mulher de 60 anos com um garoto de 20 é impossível, mas um homem com uma menina dessa idade, não tem o menor problema. Uma mulher que toma frente, sua posição diante da sociedade, é uma exceção, e não uma regra”, explica ela, ressaltando que a indústria cinematográfica pode ser um caminho para essas mudanças. Já sobre o grupo de pessoas excluídas, a atriz também revelou sua opinião sobre o assunto. “A tensão é clara. O que eu posso dizer é que os movimentos existem e existiram antes, mas muito calados. Por isso com a chegada da internet, eles tiveram a oportunidade de se organizar. Eu apenas espero que haja mais justiça para todos, e que nós possamos ter um Brasil mais justo”, pontuou, mas falou que a luta deveria ser de todos. “Essa divisão me incomoda demais, porque todas as nossas lutas teve uma união, uma unificação quando fomos para Diretas Já. O Brasil tornou-se um país democrático. E corremos o risco de perdermos essa democracia que é tão jovem”, finalizou. Apesar de não falar sobre política abertamente, a atriz declarou que sua personagem serviu como voz para dizer o que ela, como cidadã está sentindo no momento. “Eu estava precisando destas palavras, desse posicionamento, que eu já estava tendo como cidadã, mas sem uma plataforma. Tem uma cena muito bacana do filme, que é sobre o câncer dela. Quando ela se encontra com os empresários, ela comenta que teve a doença, e que hoje ela prefere dar do que ter. É um pouco do que estamos sentindo atualmente. Vamos pra rua”, estimulou a atriz. Nesta entrevista coerente, Sonia diz o que pensa. Leia, reflita e tire suas próprias conclusões, sobre esta mulher que tem um papel importante, não só na dramaturgia brasileira, mas como formadora de opinião e, principalmente, como cidadã brasileira. Enjoy!

REVISTA REGIONAL: De volta ao cinema nacional, você interpreta Clara, uma jornalista e escritora aposentada que mora de frente para o mar no Aquarius, último prédio de estilo antigo na cidade. O que você usou como referência para interpretá-la?

SONIA BRAGA: Quando eu recebi o roteiro do Kleber (Mendonça Filho, diretor) fiquei muito impressionada, porque realmente foi o melhor trabalho, que eu já li na minha vida. Ele é inteiro e completo. A história, imediatamente se juntou com a minha alma, com o meu corpo, e na realidade, ele me deu uma voz novamente. Quer dizer, todas as palavras que estavam ali, naquele roteiro, era uma voz para a Sonia, para a cidadã na qual eu me tornaria na tela. Eu estava precisando destas palavras, desse posicionamento, que eu já estava tendo como cidadã, mas sem uma plataforma. Com o ‘Aquarius’ eu encontrei, não só essa possibilidade, mas um grupo inteiro de pessoas, que são meus amigos, numa cidade impressionante, com um movimento artístico social e político, incrível. Quando eu cheguei em Recife pra fazer o filme, eu saí de lá, uma pessoa com muitos amigos. E de verdade, eu cresci muito. Da cidade, eu só não fiquei com o sotaque, porque nasci em São Paulo, e toda vez que eu volto, a “porta aberta” volta também (risos). Tem uma cena muito bacana do filme, que é sobre o câncer dela. Quando ela se encontra com os empresários, ela comenta que teve a doença, e que hoje ela prefere dar do que ter. É um pouco do que estamos sentindo atualmente. Vamos pra rua.

As mulheres têm cada vez mais lutado por seus direitos. Como você enxerga essa mulher na mídia, nos dias de hoje?

Eu acho que a mídia, ainda trata a mulher, como se fosse anos 40. Uma mulher de 60 anos, nessa época era muito velhinha. A minha avó, por exemplo, se eu não me engano, faleceu com essa idade. Mas não podemos esquecer que muita coisa mudou. O ser humano se envolveu de uma maneira incrível, e dentro da sociedade, a mulher tomou uma posição mais forte, muito mais presente. Eu acho que, na realidade, a indústria não acompanha muito isso, em termos de relação, entre homem e mulher, por exemplo. Vou ser mais explicita. Uma mulher de 60 anos com um garoto de 20 é impossível, mas um homem com uma menina dessa idade, não tem o menor problema. Uma mulher que toma frente, sua posição diante da sociedade, é uma exceção, e não uma regra. Isso tudo ainda precisa de um acerto da sociedade, da indústria cinematográfica, das artes com as mulheres. Algumas estão se tornando roteiristas, e revelando tudo isso, mas ainda existe um caminho para percorremos. A minha personagem conseguiu abrir espaço para essa discussão. Às vezes, essas mulheres existem, mas elas não são protagonistas.

A briga não é apenas das mulheres, mas de grupo de pessoas excluídas, desfavorecidas, homossexuais. Você acredita que esse cenário também está mudando?

A tensão é clara. O que eu posso dizer é que os movimentos existem e existiram antes, mas muito calados. Por isso, com a chegada da internet, eles tiveram a oportunidade de se organizar. Mas eu também acredito que existam sim, algumas dificuldades, mesmo com a tecnologia. Eu apenas espero que haja mais justiça para todos, e que nós possamos ter um Brasil mais justo. Espero que as crianças, e eu venho dizendo desde sempre, que elas e os brasileiros consigam cumprir seus destinos, mas desde o berço. Elas precisam ser cuidadas, alimentadas, as mães, as mulheres. Como eu já disse, existe a Delegacia da Mulher, mas precisamos da clínica feminina também. São coisas específicas, que precisam ser lidadas. Mas tem uma coisa: essa divisão me incomoda demais, porque todas as nossas lutas, teve uma união, uma unificação quando fomos para Diretas Já. O Brasil, tornou-se um país democrático. E corremos o risco de perdermos essa democracia que é tão jovem.

Em algum momento você ficou de fora de algum trabalho por ser “A Sonia Braga” – uma grande atriz?

Eu não sei dizer, se teve algum papel que eu não fiz. É uma resposta que na realidade, eu não tenho. Tem uma coisa que eu falo, e que as pessoas ficam meio assim na hora. É que eu não sou muito atriz. O ator de teatro, se ele realmente não trabalha, sofre muito. É um pouco diferente. O ator se ele não está trabalhando no cinema, no teatro ou na televisão, ele sofre muito, mas na realidade, eu não sofro. Gosto de ficar andando e tirando fotografias, participando da vida, de uma maneira que é um pouco observar. Talvez, por isso, e em consequência disso, eu esteja pronta para determinados personagens, porque estou muito mais ligada à vida, do que ao cinema, a essa linguagem. Estou como observadora da vida. É muito difícil para mim saber se alguma vez eu não fui chamada. Acho que alguém precisa responder por mim.

 Existe uma frase do filme que ficou muito famosa: “Quando a gente não gosta, é velho, quando gosta, é vintage”. Se nós não nos renovamos, a sociedade se incomoda. Como é essa coisa do velho e do novo conviverem juntos?

Eu morei um tempo no Rio de Janeiro, e quando voltei para São Paulo, nos anos 60, eu já frequentava muito o Centro da cidade. Eu passeava na Estação da Luz. Essa parte da cidade, para mim, sempre foi um lugar muito importante, porque é histórica. É o valor da nossa própria história. É onde nós aprendemos a conviver com o futuro, inclusive a segui-lo, sem cometer os erros do passado. É interessante no facebook, e algumas pessoas me criticaram muito, de eu ter comprado um apartamento no Centro do Rio de Janeiro. Mas quando elas viajam para a Europa, sempre estão em frente a um prédio antigo, posando no Centro da cidade. O primeiro lugar que elas vão, é para Downtown, porque é lindo, é chique. Nós perdemos isso. O Centro do Rio foi destruído, não existe mais, está acabado. Veja bem, como é possível uma cidade que poderia ser muito saudável, ter criado um lugar como a Barra da Tijuca, que é um lugar muito feio, onde tem um shopping center, que colocaram a Estátua da Liberdade na frente?! É um tipo de gosto, que o mínimo que eu posso dizer, não é o meu. Não é nem a questão do vintage e do velho, mas a preservação da história. Nós só temos uma história. Essa é que a verdade. Não estou falando em paixão pela biografia, mas ter certo respeito, para poder contar e continuar. Uma coisa que não existe no Brasil, por exemplo, que é um país perfeito, é trem. O transporte público não funciona como deveria. No Rio, os trens que funcionam para os subúrbios, por exemplo, não é humano. Essas questões sempre me preocuparam muito. Eu não sei nem de onde surgiram essas preocupações, mas acho que foi desde quando eu comecei a observar. Quando eu morava em São Paulo, eu ia trabalhar de ônibus. Eram muito lotados, e eu percebia que era muito difícil de chegar ao trabalho, no Centro da cidade, onde eu trabalhava na Cagesp. Era um centro de armazém, alguma coisa assim. Eu tinha uns 14, 15 anos, mas eu já observava, e desenvolvi esse grande amor por ter esse Centro da cidade, uma história. Quando se destrói um prédio, você está destruindo um pouco daquele bairro. Hoje em dia, não existem mais bairros, ele acabou. Normalmente, os encontros são feitos em shopping centers. Existiu uma época no Rio, e eu não sei se você sabe desse movimento, mas coisa desse tipo não permanece na mídia durante muito tempo. Nos anos 80, eu saia com a minha família, para varrer as praças. Nós chamávamos de “movimento loucos varridos”. Mas não pertencíamos a nenhuma fundação, éramos nós da família, cada um como cidadão, que queria as praças, as praias limpas. O princípio era o seguinte: Os lugares que estão limpos, não geram violência. Nós comprávamos vassouras, sacos de lixo, e saíamos com esse princípio, e nós também levávamos um grupo de chorinho para tocar para a gente. Fica a proposta.

 Você falou um pouco sobre tecnologia, e o filme foi bastante divulgado na internet, e ganhou repercussão na época de Cannes. Como você encara essa divulgação?

É muito interessante, porque eu sou da época em que ‘O Beijo da Mulher Aranha’ (1985), por exemplo, e nós fomos para o Oscar e tal, de vez em quando chegava um telegrama (risos). Entende?! Então, é interessante ver esses dois momentos na minha vida, que tem essa impressão de que eu fiquei longe do Brasil. Mas esse agito que aconteceu na internet foi maravilhoso. Hoje em dia, quando eu quero publicar uma nota, eu coloco no facebook. Porque sou eu que estou escrevendo, é a minha verdade, e até para desmentir alguma notícia. São as minhas palavras. É uma coisa muito bacana que está acontecendo. Quanto a ajudar ao filme ou não, é o nosso trabalho, e nós temos muito orgulho, foi muito bom. Tudo que está escrito ali é verdade.

Você fez “Tieta” (1996) e depois não apareceu mais no cinema como protagonista. Em algum momento sentiu-se traída por ter ficado tanto tempo fora?

Vou te contar uma história. Eu fiz “A Moreninha” (1970), “Mestiça”, “A Escrava Indomável” (1973), “Dona Flor” (1976), e “Gabriela” (1983). Quando eu estava terminando Gabriela, eu tinha um namorado que era da equipe. Eu comentei com ele que gostaria de fazer um filme com um papel pequeno, tipo uma participação especial, porque eu nunca participo do filme. Estou sempre me maquiando, trocando de roupa, e nunca estou no set de filmagem. Eu não visito o set, porque as pessoas ficam muito tímidas, porque não é o meu lugar. O jornalista quando visita, percebe que existe um ambiente que é estranho. Existe uma intimidade com as pessoas, que não é a sua. Eu tive um encontro com o Hector Babenco (diretor), que queria falar comigo. Ele disse que nem sabia como me propor, mas gostaria que eu fizesse uma pequena participação no filme dele. Era uma cena da varanda e tchau. Mas eu perguntei se eu poderia participar do set, e ele disse que sim. Fiz um filme, no qual participei da gravação, num dia. Coisa boa é fazer cinema. Mas em “Aquarius” eu tinha a responsabilidade de não ficar nenhum dia doente, e nem faltar. Mas foi emocionante receber esse roteiro. Eu estou com 66 anos, mas acho que qualquer atriz ficaria feliz em receber esse roteiro, em qualquer idade. É precioso, porque me devolveu um rosto. Tem uma história em Niterói, em que eu fui com a minha irmã ao shopping center, há um tempo atrás, e uma moça ficou dizendo que me conhecia de algum lugar. Daí ela perguntou se eu havia trabalhado no shopping (risos). Se você não estiver na televisão, não importa se fez “Gabriela”, “A Dama da Lotação” (1978), “Dona Flor”, “Tieta”.  Se você trabalhou tanto tempo, vai perdendo o seu rosto, vai se afastando no barquinho e vai embora, desparece mesmo. “Aquarius” devolveu o meu rosto para o Brasil. Devolveu-me a minha língua mãe. Fazer um filme inteiro em português é impressionante. É um momento de alegria, numa hora de muita tristeza. Nós estamos vivendo em momentos estranhos, com esse filme. Porque ao mesmo tempo em que temos a alegria de ter feito, é um momento em que a Clara representa essa mulher, brigando pelo direto que tem, e tentando provar que tem esse direito.

 Sua personagem, durante uma entrevista, é questionada se prefere ouvir músicas no MP3 ou discos, mas como você prefere?

É como a Clara mesmo diz: “O importante é ter música”. Eu tinha uma coleção muito grande, porque sou dessa época que a Clara viveu. Mas como eu comecei a viajar muito, os meus discos ficaram no Brasil e, infelizmente, inclusive alguns documentos que eu tinha, ficou na casa de um amigo, que teve uma enchente. Eu perdi muita coisa. Mas eu tenho um disco do Tom Jobim, que fica num lugar especial, que ele assinou para mim. Essa é a mensagem da garrafa, na qual ela se refere no filme. Eu dei para o Kleber, uma trilha sonora em vinil, de “Dona Flor e Seus Dois Maridos”. Depois ele me mandou uma foto com os dois filhos e o disco. É a mensagem da garrafa.

 entrevista/texto: ESTER JACOPETTI

foto: André Arruda

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