Irresistível, Claudia Raia sempre foi motivo de admiração. Não só por sua sensibilidade como atriz, bailarina, cantora, mas também por ser uma das pioneiras na produção de musicais no Brasil. Mulher forte, exuberante e cheia de atitude, como só ela sabe ser, este com certeza é um ano especial na vida da atriz, que acaba de completar 30 anos de carreira. E para celebrar esta data, no palco com “Raia 30, O Musical”, Claudia preparou uma superprodução, em que retrata no espetáculo, sua passagem pelo teatro de revista, bem como seus personagens marcantes na televisão. “Na verdade, não é um espetáculo autobiográfico, não é contado cronologicamente. Contamos a história de uma pessoa que desde pequenininha quis uma carreira artística, que sonhou, foi atrás desse sonho, e conseguiu realizá-lo”, disse orgulhosa. Apoiada pela mãe Odette e a irmã Olenka, Claudia foi para os EUA com apenas 13 anos, mas foi aos sete que ela bateu na porta do renomado coreógrafo americano Lennie Dale para tentar a sorte. “Fui muito corajosa”, relembrou. São muitos os trabalhos de sucesso, e claro alguns ficaram de fora, mas por uma questão de estética. “Nós optamos pelos estereotipados, ou seja, mais teatrais, que pudessem funcionar no espetáculo de teatro. Nós passamos por vários momentos icônicos da minha carreira”, explicou Claudia, que também não deixou de fora os perrengues que passou para conquistar essa trajetória de muito sucesso e disciplina. “Adoro debochar de mim mesma. Adoro falar que eu era nariguda, magra feito uma folha de papel. É uma delícia falar e dividir com o meu público”. Quem a vê no palco, não imagina que por trás desse trabalho, foram necessárias nove horas diárias, durante dois meses, de muito ensaio. “A minha vida é fazer aulas porque na dança e no canto é assim, se você ficar duas semanas sem fazer uma aula, parece que regrediu cinco anos”. Para os fãs da atriz, pode-se esperar um espetáculo luxuoso, extremamente requintado e profissional. Você confere agora, nesta edição especial número 150 da Revista Regional, uma entrevista cheia de detalhes, na qual a atriz fala sobre a trajetória que a consagrou, não só no teatro musical brasileiro, mas no mundo televisivo.
Revista Regional: Em comemoração aos 30 anos de carreira, o público jovem tem a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre a sua história. Como foi a construção de “Raia 30, O Musical”?
Claudia Raia: Na verdade, não é um espetáculo autobiográfico, não é contado cronologicamente. Contamos a história de uma pessoa que desde pequenininha quis uma carreira artística, que sonhou, foi atrás desse sonho, e conseguiu realizá-lo. Que desde muito cedo queria seguir este caminho. Lutou e conseguiu! Poderia ser qualquer pessoa, mas por acaso sou eu. Gostaria que o meu público, até quem não me conhece, ou até mesmo o estrangeiro, sentasse aqui e assistisse a um musical de boa qualidade, bem cantando, bem dançado e alegre. Um espetáculo com cenários e figurinos lindos. Nós estamos contando a história de uma pessoa que lutou muito pra chegar até aqui. Que venceu de uma maneira bem-humorada, gostosa, contando também os perrengues, porque adoro debochar de mim mesma. Adoro falar que eu era nariguda, magra feito uma folha de papel. É uma delícia falar e dividir com o meu público. A sensação que eu tenho é de que estou recebendo essas pessoas em casa, porque aqui é a minha casa (São Paulo). Estou contando a minha história desde quando ela começou. É um brinde e quero fazê-lo com o meu público, que na verdade me acompanha há 30 anos. São pessoas que vêm ao teatro, que me seguem desde lá atrás, que ligam a televisão para me ver nos programas, sabe cada personagem que eu fiz. Então, na verdade é com elas que eu quero brindar! Também é claro, com aqueles que me deram a mão, porque uma carreira é feita de oportunidade e não de talento.
Você diria então, que ao longo da sua caminhada, o que mais te motivou a continuar, foram as oportunidades que lhe apareceram?
Eu acredito em dois fatores: oportunidade e trabalho. Foram acontecimentos que eu tive e tenho na minha vida. É claro, que também contei com mãos fortes e estendidas, que me concederam grandes papeis, grandes momentos na minha carreira, mas tudo com muita luta e trabalho. Contamos essa história em uma hora e meia. É evidente que vão dizer que faltou algum personagem. Inclusive, porque não é possível fazer alguns de televisão aqui. Nós optamos pelos estereotipados, ou seja, mais teatrais, que pudessem funcionar no espetáculo de teatro. Nós passamos por vários momentos icônicos da minha carreira. É óbvio que algumas histórias não entraram, até porque as músicas têm que combinar, é preciso um roteiro. Alguns espetáculos e personagens de televisão ficaram de fora. Nós não usamos vídeo, não é um musical televisivo. Eu não tenho nenhum preconceito, imagina, eu faço televisão há 30 anos e amo! Mas é um espetáculo teatral, na qual falamos sobre a minha paixão e a minha relação com o palco e como ele me acolheu durante esses anos. Na verdade, o Miguel (Falabella, autor) foi sábio em pegar os clássicos do teatro musical que eu fiz como: “Sweet Charity” (2006), “O Beijo da Mulher Aranha” (2001), “Chorus Line” (1984) e transformar essas letras, contando a minha trajetória. Ficou gostoso, alegre e muito emocionante revisitar a minha história, desde o começo. Ter a minha mãe (Odette Raia) e a minha irmã (Olenka Raia) em cena, que são duas mulheres importantíssimas na minha vida e que me fizeram chegar até aqui, sempre me incentivando, é muito especial. O olho da minha mãe, por ter me deixado aos 13 anos de idade, ir para Nova York. Corajosa! Toda essa visão foi colocada neste espetáculo. O Lennie Dale, que foi meu grande mestre e mentor, para quem não sabe, é um coreógrafo americano muito importante, que fundou um grupo chamado “Dzi Croquettes” que foi um dos espetáculos mais inovadores que o Brasil já viu, aliás, o mundo, porque eles viajaram bastante. O Lennie me adotou aos sete anos de idade, quando eu fui bater na porta dele, dizendo que eu dançava igual a ele. Fui muito corajosa! (risos).
Você comentou que vocês procuraram escolher personagens estereotipados. Quais foram esses personagens e como foi transpô-los da televisão para o teatro?
Foi uma alegria! A Tancinha (Sassaricando, 1987) é um xodó, meu e de todo mundo. Tanto é que agora terá o remake da novela (em 2016). Estou muito feliz, porque ela foi minha primeira oportunidade mesmo, de um grande personagem. Vou contar como foi a abordagem do Silvio de Abreu. Ele estava passando pelos corredores do Projac, e eu nem sabia quem ele era. Ele disse que escreveria um personagem especialmente para mim, e que eu deveria interpretá-lo em sua próxima novela. Disse ainda que escrevia um dos maiores sucessos da minha carreira. Eu falei: “Ah ta! ”. Eu não sabia nem quem ele era. Eu fui até desagradável, disse que ia ver se dava para fazer… (risos). Imagina! Fiquei tão sem graça que terminei falando isso… Mas ele disse que eu faria sim! Nós ficamos íntimos e a partir daí ele escreveu a Tancinha para mim. Colocá-la em cena e de repente virar e dizer: “Olha os melões que tá (sic) fresquinho!”. É uma delícia! Demorei um pouquinho para achar novamente a musicalidade dela, o sotaque, porque já faz muito tempo, mas quando veio, a memória muscular ajudou bastante. Outro personagem é o Tonhão (TV Pirata, 1988). Ele é bem-sucedido porque virou amigo do prefeito, fez licitação, entrou para o ramo das obras ilícitas e ganhou uma grana. Usa terno branco e entra em cena cantando “Morena da Silva”. É uma alegria! Na hora que a gente vê um teatro de revista, uma vedete, um número de plateia, a Claudia Raia criança lá atrás, e de repente vê um homem entrando: “Alguém aí falou em homossexualidade?”. É uma delícia de fazer, uma alegria! O público se diverte assim como nós, que estamos no palco.
É uma verdadeira homenagem aos personagens que não só construíram a sua carreira, mas marcaram o grande público, mas pelo que vimos outras novelas também são lembradas.
Da televisão são apenas esses dois personagens que eu comentei: a Tancinha e o Tonhão. Em algumas situações nós abordarmos, sim, algumas novelas, como “Roque Santeiro” (1985), mas não representando porque é difícil em cena, no palco, um personagem televisivo que não é estereotipado. Tem um personagem que é um esquete delicioso, que é a Olívia costureira e Olívia patroa. Ela é esquizofrênica que vive as duas situações, que é um número de plateia, da comédia, gostoso de fazer também. Uma novidade são os tons da TV Pirata. Pela primeira vez estou apoiada em mim mesma e não é fácil, porque quando você tem um personagem, se esconde atrás dele e deixa que ele vai na frente com um escudo. Dessa vez não tenho essa proteção. O personagem sou eu mesma. É muito difícil! Como você vai recriar você mesma? Será que é realmente dessa forma que eu quero mostrar para o meu público?! Fica dessa maneira?! Essas perguntas permearam a nossa cabeça, até a hora de criarmos uma historinha, mas acredito que estou em cena como sou! Divertida, despojada e falando tudo que eu tenho vontade, cara a cara, desse jeito que sou. A minha vida também é um número de plateia e eu adoro!
Para conseguir manter o fôlego durante o espetáculo já saíram notícias de que você faz esteira cantando. Quais são as principais técnicas para se manter bem durante o musical?
Eu tenho alguns hábitos que são esdrúxulos, mas não vou poder contar, porque se eu não falei até agora… (risos) Mas quando eu fizer 80 anos, vou fazer “Raia Que o Parta” e conto tudo. Não vai sobrar para ninguém! Meus filhos vão liberar porque vão saber que estarei louca! Não vou deixar pedra sobre pedra (risos). Daí eu falo mesmo, coisas íntimas, sexuais, tudo! Porque aqui nós não podemos contar nada, aliás, nós temos um código que toda vez que vai escapar da minha boca, cortamos para esse código. Quem for assistir ao espetáculo vai entender o que estou dizendo. Mas falando sério! A minha preparação é dançando oito horas por dia, me movimentando o tempo inteiro. É claro que sempre tem uma dieta, por causa das roupas que uso durante o espetáculo, eu fico mais exposta. Rolou uma dieta e eu devo ter perdido uns três quilos. Faço muita malhação, musculação, aulas de balé, canto, sou praticamente uma escrava do maestro Marconi (Araújo, direção musical e vocal). Continuo estudando e fazendo aulas. A minha vida é fazer aulas porque na dança e no canto é assim, se você ficar duas semanas sem, parece que regrediu cinco anos. Como assim?! Há dez dias eu fazia e agora não faço mais? É cruel! Eu tenho que estar o tempo todo preparada para tudo, mesmo quando estou fazendo novela, continuo fazendo as minhas aulas, das oito da manhã às dez da noite. Sobre correr cantando na esteira, é verdade. Descobri há muito tempo, antes de encontrar o maestro Marconi que me deu a solução logo em seguida, que para cantarmos e dançarmos, precisamos de fôlego. Ou seja, o público precisa acreditar que estamos lixando as unhas, mas na verdade estamos morrendo no palco, mas não podemos contar e nem demonstrar. Existe um momento em que nós abrimos as costelas, uma vai para o norte e a outra para o sul. Elas ficam absolutamente abertas para não ofegarmos. Estou morrendo, mas não estou ofegando, na verdade, as costelas estão abertas. A dança é anaeróbica, ela tem picos e nós ficamos ofegantes, mas não podemos deixar que aconteça no microfone, porque ficaria desagradável. Há muitos anos eu desenvolvi essa técnica, eu corria, fazia pico de um minuto, parava super ofegante e dava a nota longa para tentar descobrir o limite. Quando conheci o maestro ele me deu a chave, que é esse esquema da costela, uma técnica em que eu treino o músculo, porque ele tem que se manter aberto, mesmo morrendo.
Você disse que chegou a perder três quilos para este trabalho. Quando tem que controlar a alimentação torna-se um sacrifício? Ficar sem chocolate, por exemplo, é muito complicado?
Não sou chocólatra e quando como é um pedacinho. Degusto um pedaço quase que para o mês inteiro. Não sou muito de comer doce, mas o chocolate é o único que eu ainda como. Na verdade, os cuidados são complementares. É a alimentação, uma vida toda de treino, quer dizer, não dá para chegar aos 49 anos sem ter tido um passado respeitável. É muito trabalho, luta e, claro, segurar um pouquinho aqui e ali.
Seu espetáculo é grandioso, mas muitos artistas reclamam da falta de patrocinadores. Ter o nome Claudia Raia ajuda na hora de conseguir mais verbas?
Conseguir patrocinadores é muito difícil. Não muda nada se é o Miguel Falabella ou a Claudia Raia. É uma luta convencer os patrocinadores de que um projeto cultural é importante para a empresa, para o país e para a cidade, que o espetáculo que você está trazendo tem uma importância artística. Estes recursos estão cada vez mais difíceis. A meia entrada toma cada vez mais a nossa verba. É difícil manter um espetáculo em cartaz mais do que dois meses, mesmo sendo solidificado, porque hoje com 90% da casa você não paga o seu elenco. É necessário o patrocínio. Não temos toda a receita, temos meia por causa da meia entrada. Acabou, não temos como manter em cartaz. Só levamos ferro na cabeça! É importante falarmos desse assunto porque é uma realidade que o público desconhece e até mesmo o empresário. Os recursos são fundamentais. Espero, sinceramente que cuidem da meia entrada porque é uma ação só do governo, que na verdade, prejudica os produtores, porque nós não temos meio salário, meio som. A meia entrada precisa existir sim, para os idosos e estudantes, mas deveria destinar um percentual. Às vezes temos casa lotada com meia entrada. O governo deveria abrir o olho. Deveria haver incentivo. Somos nós que fazemos os espetáculos acontecerem. Além da Lei Rouanet, que é importante e ajudou muito no teatro musical, precisamos de mais. A cultura tem que ser olhada com mais carinho.
São 30 anos de muitas histórias e vivências com várias pessoas que fizeram parte desta caminhada. Como é olhar para a sua vida hoje?
São estilhaços de memórias contados de maneira muito dinâmica. São pessoas que foram realmente muito importantes na minha vida, assim como os personagens. Lennie Dale, minha mãe, minha irmã, Sweet Charity, a mulher aranha, o MC do Cabaré enfim… Na verdade, é um pouco como a minha cabeça funciona. Durante todo o dia, minha vida é um musical. Penso o tempo todo num trecho de uma música e, de repente, vejo um personagem que eu fiz. Como, por exemplo, a mulher aranha entrando, e daqui a pouco faço o olhar que me lembra a Charity e vem outra música. É uma loucura a minha cabeça! É um pouco disso que acontece no palco.
Além de parceiros na vida, você e o Jarbas (marido) de vez em quando dividem os palcos, como foi no caso de “Crazy for You” (2013). De certa forma, desgasta um pouco a relação?
Não! É uma delícia, uma festa, uma celebração! Nós dois somos muito parecidos, somos muito alegres. Nossa relação é no meio da arte, dentro e fora dos palcos, tudo misturado! É realmente uma delícia!
Falando um pouco sobre família, o Enzo (filho) está se tornando um homem cada vez mais lindo, mas como ele lida com a fama dos pais?
Ele é um menino muito tranquilo e lida com essa situação desde que nasceu. Ele tem um pai (Edson Celulari) e uma mãe que são atores. Ele não é nem um pouco deslumbrado, na verdade é um caminho sem volta, se você for por aí… Ele quer construir uma vida, uma carreira e está indo atrás do que quer, que é o mais importante de tudo. Ele já se acostumou com o assédio e leva numa boa. É super bem-humorado.
Você é uma das percussoras no Brasil ao trazer os grandes musicais para o país. Como é ter essa responsabilidade, justamente num período em que os musicais tomam conta do teatro nacional?
Já faz 30 anos que produzo meus espetáculos. De 15 anos pra cá o gênero musical caiu no gosto popular completamente. Hoje é uma das maiores bilheterias e as pessoas se preparam para ver um musical. A melhor frase que ouço, depois do espetáculo é que elas não precisam ir à Broadway, porque nós temos aqui na nossa casa, em português, musicais de boa qualidade. É uma delícia! Eu, por exemplo, faço algumas sessões de teatro para cegos, para ONGs, para as classes menos favorecidas, por um preço que todos possam pagar. Hoje em dia, se você parar para pensar, nem mesmo no cinema você gasta R$ 50. A minha intenção é popularizar o teatro musical, porque quero que o povo tenha acesso. Que eles gostem, dancem, sapateiem. É essa a alegria que nós queremos levar para as pessoas.
Quando a gente conversa com algumas bailarinas e até mesmo atrizes, elas citam você como referência. Como é ser exemplo para outras pessoas?
É uma responsabilidade muito grande, porque fui uma das pessoas que inventou tudo isso, que quis trazer através do teatro de revista, o musical americano, com conteúdo ainda em inglês. Nós estamos começando a fazer o nosso próprio conteúdo, com os nossos artistas e cantores. É biográfico, mas ainda não temos compositores, mas estamos caminhando e fazendo cada vez melhor. Ser referência para esses jovens que começam muito cedo, porque existe escola de teatro musical, fica sempre essa sensação de responsabilidade. Eu pelo menos tento ensinar e cooperar com essa nova formação de elenco e músicos. É muito importante. Na minha época não havia essas possibilidades no Brasil, mas tive a sorte de ter nascido dentro de uma escola de dança. Eu tive um pouco de tudo, mas porque minha mãe me proporcionou. Fui morar fora do país, estudei dança e tive oportunidades. Por isso, procuro dar aos jovens de hoje, através da minha palestra essa chance. Quando eu fiz o espetáculo “Pernas pro Ar”, (2009) viajei 17 capitais fazendo palestras e mostrando como se faz um musical, desde sua criação até estar no palco. Estamos ensinando alguma coisa.
texto: Ester Jacopetti
fotos: Divulgação