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Post: Regina Navarro Lins em entrevista exclusiva

Regina Navarro Lins em entrevista exclusiva

“O principal vilão que impede as pessoas de viverem com mais satisfação e menos culpa me parece ser a exigência de exclusividade amorosa e sexual nas relações estáveis”

A psicanalista e escritora Regina Navarro Lins, expert em relacionamentos amorosos e sexuais, analisa o comportamento sexual do brasileiro, separa amor de sexo e prevê: “o amor romântico e a exigência de exclusividade estão saindo de cena”

             Falar abertamente sobre sexo ainda pode ser um tabu para muitas pessoas, mas o assunto está cada vez mais desmistificado pela mídia, inclusive pela TV aberta, onde se tem a participação de sexólogos e psicanalistas prontos para responder a todos os tipos de dúvida. Na Rede Globo, por exemplo, “Amor & Sexo”, de Fernanda Lima, é um dos maiores sucessos da emissora. Uma das participantes fixas do programa é a psicanalista e escritora Regina Navarro Lins, autora de 11 livros sobre relacionamento amoroso e sexual, entre eles o best seller “A Cama na Varanda” e “O Livro do Amor”. Além da literatura, ela escreve também para jornais, mantém coluna aos domingos no O Dia, do Rio de Janeiro, e ainda apresenta crônica semanal na rádio Metrópole, de Salvador. Regina é super requisitada para palestras em várias cidades do Brasil e também atua nas redes sociais, postando sobre relacionamento amoroso e sexual (no Twitter: @reginanavarro e no Facebook: regina.navarro.lins). Sem papas na língua, a profissional costuma ressaltar sempre que amor é uma coisa, sexo é outra. “Amor e sexo são impulsos totalmente independentes e é possível se experimentar prazer sexual pleno desvinculado das aspirações românticas”, afirma. Regina vai além e prevê uma era do poliamor daqui a alguns anos: “o amor romântico está saindo de cena e levando com ele a sua principal característica: a exigência de exclusividade.” Para ela, “o modelo de casamento que conhecemos dá sinais de que será radicalmente modificado. Dentro de algumas décadas, um parceiro único pode se tornar coisa do passado.” Nesta entrevista exclusiva, Regina fala sobre o comportamento sexual do brasileiro, os dilemas, as principais queixas que recebe de leitores e pacientes, o culto excessivo ao corpo e as novas formas de prazer sexual. Uma conversa sem censura e totalmente esclarecedora.

Revista Regional: Mesmo com tanta abertura que tivemos nas últimas décadas, parece que falar sobre sexo ainda soa como tabu no Brasil, talvez pela educação ou por correntes religiosas. A senhora percebe isso?

Regina Navarro Lins: O sexo sempre teve destaque na história da humanidade. Dependendo da época e do lugar, foi glorificado como símbolo de fertilidade e riqueza, ou condenado como pecado. Na nossa cultura cristã o corpo é visto como inimigo do espírito. Há uma expectativa de que todos se sintam culpados e envergonhados por causa dos seus órgãos sexuais e suas funções. As pessoas sofrem muito com seus desejos, medos e culpas. Desde os anos 60 estamos vivendo um processo de profunda mudança das mentalidades, que é lenta e gradual.

Uma de suas teses recorrentes é a de separar sexo de amor e mostrar que casar com o príncipe encantado é algo praticamente impossível. A sociedade está preparada para entender isso? Houve uma evolução nesse sentido de desassociar contos de fadas com vida real?

Amor e sexo são impulsos totalmente independentes e é possível se experimentar prazer sexual pleno desvinculado das aspirações românticas. O amor é uma construção social e em cada época se apresenta de uma forma. Se você quer saber se a sociedade está preparada para as mudanças, lhe convido a vir comigo aos anos 50 ou 60. Se alguém naquela época dissesse que algumas décadas depois seria natural uma mulher fazer sexo antes do casamento seria tachado de louco. Logo diriam que a sociedade não estava preparada para tanta ousadia. O mesmo ocorria em relação à separação. As mulheres separadas eram discriminadas. Deixavam de ser convidadas para os lugares, eram chamadas de vagabundas. Muitas escolas não aceitavam filhos de pais separados. Eles eram olhados com piedade.

Quais os relatos e queixas mais frequentes que a senhora recebe, tanto em consultório quanto por meio das redes sociais, sobre a vida amorosa e sexual das pessoas? Qual o principal vilão da irrealização amorosa e sexual nos nossos dias?

Houve grande evolução a partir da década de 70, mas homens e mulheres ainda sofrem demais com seus medos, culpas e frustrações. Pouca gente tem coragem de tentar novos caminhos. Apesar das frustrações quase todos recorrem ao que já é conhecido. O desconhecido assusta, dá medo, gera insegurança. No que diz respeito à vida a dois isso quase sempre acontece. O principal vilão que impede as pessoas de viverem com mais satisfação e menos culpa me parece ser a exigência de exclusividade amorosa e sexual nas relações estáveis. Será que não está na hora de começarmos a questionar se fidelidade tem mesmo a ver com sexualidade?

 Há pouco tempo, a senhora afirmou numa entrevista que a bissexualidade, assim como o sexo a três ou grupal são uma tendência. O que comprova isso? São mudanças de hábito, digamos assim, que vieram pra ficar ou só uma moda passageira?

O pesquisador americano Alfred Kinsey concluiu em seu estudo que a homossexualidade e a heterossexualidade exclusivas representam extremos do amplo espectro da sexualidade humana. Para ele, a fluidez dos desejos sexuais faz com que pelo menos metade das pessoas sintam, em graus variados, desejo pelos dois sexos. E a terapeuta americana June Singer afirma que “quando exploramos o material sexual nos níveis profundos da psique, inevitavelmente chegamos a um estado no qual os sentimentos sexuais são muito mais soltos e fluentes do que as pessoas normalmente se dispõem a admitir.” Acredito que cada vez mais as pessoas se sentirão livres para buscar prazer sexual, e muitas vão experimentar relações amorosas com ambos os sexos.

 A mulher ainda se prende ao príncipe no cavalo branco, aquele homem perfeito e “exclusivo”? Li um estudo que aponta quadros graves de depressão por conta disso. Chega realmente a afetar a saúde da mulher?

O amor romântico povoa as mentalidades do Ocidente desde o século XII, mas só pôde fazer parte do casamento da década de 1940 para cá. O problema desse tipo de amor é que ele é calcado na idealização, não é construído na relação com a pessoa real, mas sobre a imagem que se faz dela. Por isso, com a intimidade da vida a dois no casamento, na maioria dos casos, surge o desencanto. Num estudo sobre a relação entre a depressão e o amor romântico, o psiquiatra italiano Silvano Arieti concluiu que as mulheres casadas sofrem mais de depressão do que os homens na proporção de dois para um. Nas outras categorias – solteiras, divorciadas e viúvas -, as mulheres têm taxas mais baixas que os homens. Os fatores socioculturais que estão por trás da depressão feminina se encontra o fato de que o objetivo dominante para muitas mulheres não é a busca de um “eu” autêntico, mas a busca do amor romântico. Ainda bem que as mentalidades estão mudando e muitas pessoas começam a se livrar desse tipo de amor.

Embora a História seja construída a partir de ciclos de repetições, a imagem da mulher executiva, atuante, solteira e independente é historicamente inédita – a ela sempre coube papéis, no mínimo, subalternos. A partir de sua experiência é possível acreditar que essa nova personagem já foi totalmente assimilada? Se não, quais são os principais obstáculos para sua aceitação?

Os papéis masculinos e femininos sempre foram muito bem definidos. O homem para ser considerado masculino tinha que mostrar força, sucesso, poder. Da mulher feminina esperava-se que fosse meiga, gentil, compreensiva, deixasse claro que não gostava muito de sexo e se esforçasse, acima de tudo, para corresponder ao que o homem esperava dela. A partir da década de 60 as mulheres começaram a mudar. Exigiram igualdade de direitos e liberdade sexual. A fronteira entre os papéis do homem e da mulher estão, desde essa época, se dissolvendo. E isso é ótimo. Acredito ser um pré-requisito para uma sociedade de parceria entre homens e mulheres. O principal obstáculo é a mentalidade patriarcal, da qual muitos ainda não conseguiram se libertar. Entretanto, o homem machista é cada vez menos aceito e desejado.

Na Idade Média se propagou a renúncia, a condenação do corpo em favor do “espírito”. Ecos dessa condenação puderam ser ouvidos ao longo de séculos. Como a senhora vê o culto ao corpo que vivemos hoje na cultural ocidental, inclusive aqui no Brasil?

O culto ao corpo e o sacrifício que, principalmente, as mulheres fazem em função dele não é novidade. No século XIX, o uso do espartilho dificultava a respiração, fazia mal à coluna, deformava os órgãos internos, tornava difícil se sentar ou subir escadas. Algumas mulheres ajustavam-no tanto para que a cintura não passasse de 40 cm, que acabavam com feridas debaixo dos braços e ao redor da cintura. Isso sem falar nas que morreram por terem o fígado perfurado pelas costelas. O historiador da cultura Morris Berman afirma que os ocidentais perderam o próprio corpo. Estando fora de contato com a verdadeira realidade somática, há uma tentativa de afirmação através de satisfações como sucesso, fama, auto-imagem, dinheiro etc. E mesmo fora do corpo observa-se uma preocupação paradoxal com o corpo e sua aparência. Tenta-se melhorá-lo com maquiagem, roupas, cirurgia plástica, alimentos naturais, vitaminas e exercícios.

Em seus livros, a senhora fala que daqui a algumas décadas teremos uma era do “poliamor”. O que seria isso? Como a senhora acha que a sociedade será capaz de ter essa mudança de conceitos?

Apesar de nosso tabu cultural contra a variedade de parceiros, são muito comuns as relações extraconjugais. Todos os ensinamentos que recebemos desde que nascemos – família, escola, amigos, religião – nos estimulam a investir nossa energia sexual em uma única pessoa. Mas a prática é bem diferente. Uma porcentagem significativa de homens e mulheres casados compartilha seu tempo e seu prazer com outros parceiros. A questão é que isso vem, geralmente, acompanhado de culpas e medos. Atualmente, existe um movimento organizado, que difunde a ideia do poliamor. São pessoas que recusam a exigência de exclusividade nas relações amorosas. Esse movimento existe, nos EUA, nos últimos 25 anos, acompanhado de perto por movimentos de outros países. Em novembro de 2005 realizou-se a Primeira Conferência Internacional sobre Poliamor em Hamburgo (Alemanha). No poliamor uma pessoa pode amar seu parceiro fixo e amar também as pessoas com quem tem relacionamentos extraconjugais ou até mesmo ter relacionamentos amorosos múltiplos em que há sentimento de amor recíproco entre todas as partes envolvidas.

Pregar o amor livre não te trouxe represálias ou algum tipo de agressão por parte de grupos conservadores aqui no Brasil?

Nunca preguei o amor livre. Sou crítica ao fato de todos terem que se enquadrar em modelos para serem aceitas socialmente. Jamais proporia a substituição de um modelo por outro. O problema dos modelos é que todos se tornam parecidos, as singularidades desaparecem. A grande vantagem do momento em que vivemos é cada um poder escolher a sua forma de viver. Se alguém quiser ficar casado durante 30 anos e só fazer sexo com o parceiro ou parceira, pode. Ter três parceiros ao mesmo tempo, também pode. Viver sem parceiro fixo também é uma opção. Essa liberdade era impensável há algumas décadas. A questão é que mesmo se frustrando no amor e no sexo, muitos temem o novo. Não ter modelos para se apoiar gera insegurança, o desconhecido apavora. Então, esses se agarram aos modelos tradicionais de comportamento apesar de todo o sofrimento que isso provoca. Para se viver bem é preciso ter coragem. Estamos no meio de um profundo processo de mudança das mentalidades. Quanto aos ataques, sempre existem conservadores prontos para isso. Não podemos esquecer de que quando o telefone surgiu, no início do século 20, foi um escândalo. Os moralistas diziam que era uma indecência, porque uma moça podia estar recostada e a voz de um homem entrar pelo seu ouvido.

Para concluir, o amor romântico e o “felizes para sempre” existe ou nunca existiu?

O amor romântico, pelo qual a maioria de homens e mulheres do Ocidente tanto anseiam, se caracteriza pela idealização do outro e traz a ideia de que você tem que encontrar alguém que te complete, sua alma gêmea. Esse tipo de amor prega a fusão total entre os amantes e a ideia de que os dois se transformarão num só. Agora, a busca da individualidade caracteriza a época em que vivemos; nunca homens e mulheres se aventuraram com tanta coragem em busca de novas descobertas, só que, desta vez, para dentro de si mesmos. Cada um quer saber quais são suas possibilidades, desenvolver seu potencial. O amor romântico propõe o oposto disso, na medida em que prega a fusão de duas pessoas. Ele então começa a deixar de ser sedutor. Um amor baseado na amizade e no companheirismo está surgindo. Haverá menos idealização e você vai poder perceber melhor o outro. O amor romântico está saindo de cena e levando com ele a sua principal característica: a exigência de exclusividade. Sem a ideia de encontrar alguém que te complete, abre-se um espaço para outros tipos de relacionamento, com a possibilidade de se amar mais de uma pessoa de cada vez. O modelo de casamento que conhecemos dá sinais de que será radicalmente modificado. Dentro de algumas décadas, um parceiro único pode se tornar coisa do passado.

entrevista e texto: Renato Lima

foto: Divulgação

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