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Pondé: o inimigo do politicamente correto

“Manifestações pacíficas rapidamente podem deixar de sê-lo, quem nega isso mente ou desconhece a mecânica de movimentos assim”

Em entrevista exclusiva, o filósofo Luiz Felipe Pondé fala sobre o comportamento “politicamente correto” e as manifestações sociais no Brasil

Ele não tem medo de ser desagradável. Com ironia afiada, o filósofo, professor e jornalista, colunista da Folha de S. Paulo, Luiz Felipe Pondé tornou-se declaradamente um inimigo do politicamente correto, comportamento cada vez mais evidente na sociedade brasileira, visto principalmente na cultura e nas redes sociais. Para ele, tudo não passa de hipocrisia. Autor do “Guia Politicamente Incorreto da Filosofia”, Pondé reflete sobre a história do politicamente correto através do pensamento de grandes cabeças, como Nietzsche, Darwin, Rousseau, Kant, Nelson Rodrigues, entre outros. Escreveu também “Contra um Mundo Melhor” e o recente “A Filosofia da Adúltera”, que se norteia pelo universo do dramaturgo Nelson Rodrigues. Durante as manifestações de junho passado, o filósofo foi responsável pelas análises mais realistas do assunto, durante as coberturas da Band, BandNews e em programas da GloboNews, além da coluna que assina na Folha. Nesta entrevista exclusiva à Revista Regional, ele ressalta que “manifestações pacíficas rapidamente podem deixar de sê-lo”. “Achar que as manifestações violentas são parte da democracia é como achar que a guerra é parte da diplomacia. Os bonzinhos puritanos negam esta tese, mas brincam com a possibilidade de manifestação como se elas fossem greve de alunos das Ciências Sociais. Manifestações pacíficas rapidamente podem deixar de sê-lo, quem nega isso mente ou desconhece a mecânica de movimentos assim, que são, antes de tudo, mecânicos e não inteligentes quando atingem o nível de massa”, analisa. Confira a seguir, na íntegra, a conversa com Pondé.

Revista Regional: O que o levou a ser filósofo? O jornalismo veio como consequência dos artigos para a Folha ou antes da filosofia?

Luiz Felipe Pondé: Querer entender o mundo me levou à filosofia e um sentimento de que o mundo não tem sentido. Ela surgiu das leituras e do meu gosto pelo teatro. O jornalismo veio como consequência dela. Na graduação, já pensava na Folha como meio de trabalho.

O senhor sempre diz que o mundo está cada vez mais chato, que há debate público para absolutamente tudo, principalmente na mídia e nas redes sociais. Esse comportamento da sociedade atual pode ser atribuído a que?

São efeitos colaterais da idealização que a democracia faz do ser humano: a ideia de que todo mundo tem algo a dizer e a necessidade natural que neste mundo se tem de nos posicionarmos sobre as coisas. Tocqueville já dizia q a democracia é tagarela.

O mundo politicamente correto também te irrita, como já ouvi em diversas entrevistas. O senhor se assume o inimigo “número um” da patrulha do politicamente correto? 

Não sei se o número um. Não me lembro de ter me definido com esse número. Mas me irrita porque serve de lobby perseguidor de pessoas em instituições culturais e quem defende o politicamente correto normalmente é hipócrita.

Essa questão do politicamente correto é um sintoma mundial ou algo genuinamente brasileiro?

Mundial.

Nas redes sociais existe uma tendência de se polemizar tudo. A Fernanda Lima (envolvida em polêmica por ser escolhida para apresentar o sorteio da Copa e não a Camila Pitanga) disse que o mal atual é que os “anônimos ganharam voz” e muitas vezes os jornalistas não vão mais atrás da fonte ou não a checam e compartilham da mesma opinião de tais “anônimos”, gerando um debate sem fim… É isso mesmo?

Acho que ela (Fernanda Lima) tem toda razão. É a tagarelice da qual falei antes.

Outro comportamento típico das redes sociais é que lá todos são bonzinhos, corretos, cuidam de cachorrinhos, são politizados etc. Isso é um distúrbio mundial? Em sua opinião, é algo passageiro ou vamos ver essa ilusão por muitos anos ainda?

Não é passageiro porque a hipocrisia social é parte do convívio. Esses bonzinhos são os novo puritanos, mas sem pecado, o que faz deles piores.

 As manifestações de junho eram contra tudo e contra todos. Na época, o senhor foi chamado várias vezes por emissoras de TV para analisar a situação. Quais foram os prós e os contras de todo aquele processo? Passados seis meses, podemos afirmar que o Brasil melhorou? Os protestos foram válidos?

As pessoas estão irritadas cotidianamente. O PT criou desde sua fundação uma cultura do ressentimento no país e agora ela está explodindo. Não acho que melhorou desde junho. Acho que foi uma breve crise de representação política. Não creio que manifestações toda hora ajudem necessariamente, veja a Argentina (viveu panelaços e outras manifestações públicas em sua história recente).

Agora em 2014, por conta da Copa e das eleições, alguns atos já estão sendo agendados pela internet. O senhor acha que se a população voltar às ruas trará quais benefícios em plena Copa do Mundo? 

Não acho que trará benefícios. Muito menos imediatos! A Dilma (Rousseff, presidente) ainda será reeleita.

Em que ponto a democracia falha em situações como essa? É proibido proibir as manifestações mesmo que sejam com atos de vandalismo?

A violência pode ser uma forma legítima de se manifestar politicamente. Assim como a ordem de bater de volta em caso de violência. As pessoas comuns não gostam de violência, só poucos. A democracia é um regime que opera institucionalizando conflitos. Achar que as manifestações violentas são parte da democracia é como achar que a guerra é parte da diplomacia. Os bonzinhos puritanos negam esta tese, mas brincam com a possibilidade de manifestação como se elas fossem greve de alunos das Ciências Sociais. Manifestações pacíficas rapidamente podem deixar de sê-lo, quem nega isso mente ou desconhece a mecânica de movimentos assim, que são, antes de tudo, mecânicos e não inteligentes quando atingem o nível de massa.

 

“Não creio que manifestações toda hora ajudem necessariamente, veja a Argentina”

Vimos a primavera árabe, depois Egito, Turquia, Brasil e recentemente Ucrânia. Em que os protestos brasileiros se diferenciaram dos demais países?

Contextos distintos, movimentos mecânicos de massa semelhantes. Ucrânia quer ser Europa e não quintal da Rússia, árabes estão ainda mais longe de nós. A tentativa de dizer que há “um” mundo árabe é pra quem não conhece o Oriente Médio e o norte da África. Há brigas tribais, religiosas, basicamente. A política aí, como demanda de democracia, é uma pequena parte dividida entre socialistas, que são na verdade antidemocráticos, como a história mostrou, e liberais, que são vistos como pró-americanos. Há também conflitos entre sunitas, xiitas -e alauítas aliados a estes-, ramos do Islamismo. O mundo árabe está bem distante da oposição entre liberal e socialista na sua maioria, quanto antes deixarmos essas categorias pra entendê-los, melhor. Nós aqui temos um estado endemicamente corrupto, indiferente à população, e uma briga cultural menor, mas muito clara na mídia –como começa a ficar- que é entre uma mentalidade mais liberal e uma mais coletivista. O debate cultural no Brasil acabou de começar. Quando se reclama da corrupção, a esquerda, como o movimento MPL (Passe Livre), considera queixa da direita classe média, porque a esquerda não tem problema com a corrupção -sempre foi corrupta em seus governos na história; no Brasil, por ignorância ou má fé, se associa a esquerda à pureza moral.

O senhor também é professor e como tal deve analisar o comportamento de seus alunos. Por que vemos tantos jovens de classe média (ainda sustentados pelos pais) protagonizando atos anticapitalistas? Há alguma explicação para esse mundo alternativo, “livre do sistema” como eles dizem, que cada vez mais ganha seguidores?

É uma mistura de raiva porque tem que arrumar o quarto, isto é, assumir responsabilidades, com tédio, e uma necessidade de realizar o marketing da juventude desde os anos 60 que é parecer questionador. Acho que os jovens ainda vão sofrer muito com esse marketing da juventude revolucionária.

Sei que muitos universitários foram reprimidos por colegas e até mesmo por professores por não concordarem com os atos de junho. O senhor, enquanto professor, presenciou algo? Existe uma ditadura do pensar?

Não vi, mas recebi muitos e-mails, e sempre recebo de alunos que contam – são mais comuns em cursos de Ciências Humanas- como são vítimas de patrulha ideológica pelos colegas e professores. Uma das maiores mentiras da nossa época é achar que o movimento estudantil seja “democrático” ou que os professores sejam uma classe essencialmente ética.

Como escritor, o senhor fez sucesso com várias obras, como o “Guia Politicamente Incorreto da Filosofia”. O último trabalho traz uma análise sobre o adultério e a obra de Nelson Rodrigues. De onde surgiu essa ideia?

Acho o Nelson o melhor psicólogo social do Brasil. As Ciências Humanas, que deveriam analisar o mundo, pregam ao invés disso.  O Nelson descreve a vida como ela é. Quanto ao tema, gosto de pensar a mulher e nossa relação com elas. Acho que é um dos caminhos mais retos para entender o mundo.

Se Nelson Rodrigues vivesse na sociedade atual, ele faria o mesmo sucesso com suas crônicas?

Sim, mas sofreria mais porque o mundo hoje é mais repressor em termos ideológicos no plano da cultura. Vivemos perto de uma ditadura Gramsciana: controle do pensamento não via armas, mas via instituições que silenciosamente impedem o pensamento de se reproduzir.

Nelson Rodrigues costumava tirar a cortina da hipocrisia, principalmente com relação ao sexo. Hoje existe um cheiro de puritanismo no ar. Li recentemente que o governo japonês está preocupado com a baixa natalidade no país e, por isso, incentivando os jovens a fazerem sexo. Isso acontece por que a juventude japonesa tem deixado a vida sexual de lado por conta da tecnologia e outros interesses. Esse comportamento pode virar uma tendência mundial? É uma consequência da questão desse puritanismo ou até mesmo da ilusão das redes sociais, considerando que na internet o parceiro pode ser perfeito, algo que jamais encontraremos na vida real?

Acho que você já levantou hipóteses ótimas na sua pergunta. Digo sempre que a revolução sexual foi uma mentira e que nos deixará todos brochas e sem interesse nas mulheres. Acho que também essas redes (sociais) ajudam a ninguém viver de fato, vivemos numa espécie de delírio contínuo. Também acho que há um puritanismo, mas vem do politicamente correto, das feministas, que não entendem nada de mulher, e do desejo de se fazer um mundo perfeito. A mania de saúde e “espaço” também não ajuda. Sexo só vai bem com imperfeição.

O senhor tem um projeto na TV. Como é essa série de programas?

Já foi a primeira temporada, “Peripatético” na TV Cultura. A produtora está captando para a próxima. Trata-se de um programa de conversas sobre temas contemporâneos em que passamos um dia juntos falando deles. Um mini reality!

Para terminar, todo politicamente correto é um hipócrita?

Não conheço nenhum que não seja, mas reconheço que devemos ter educação doméstica.

 entrevista e texto: Renato Lima

foto: Flávia Watanabe

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