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Post: Valdemir Cunha, o redescobridor do Brasil

Valdemir Cunha, o redescobridor do Brasil

Capas dos livros “Brasil Invisível” e do novo “Brasil Litoral” (será lançado em outubro)

O fotógrafo Valdemir Cunha já publicou mais de dez livros tendo o Brasil, sua geografia e sua gente como grandes protagonistas; em outubro, ele lança “Brasil Litoral”, depois do sucesso “Brasil Invisível”

 Talvez nenhum brasileiro conheça tão bem seu próprio país como o fotógrafo Valdemir Cunha, autor de mais de dez livros que têm o Brasil como protagonista, entre eles “Pantanal”, “O Último Éden”, “Brasil Natural”, “Serra da Mantiqueira”, “Viagem à Bahia de Jorge Amado” e “Brasil Invisível”. Em 25 anos de carreira, 20 ele passou viajando pelo mundo e, principalmente, pelos rincões do país registrando imagens nada óbvias da fantástica geografia brasileira e de seu povo.

Valdemir Cunha em foto de Kiko Ferrite: há duas décadas, ele viaja o Brasil e o mundo em busca de paisagens nada óbvias

Em suas andanças, Valdemir redescobriu o Brasil, desvendou um país invisível, de gente simples, esquecida, mas batalhadora e hospitaleira: “rodei por dez anos as regiões mais isoladas de nosso país e em cada lugar por onde passei foi o povo que mais me impressionou. Temos muito a aprender com os brasileiros que vivem fora dos grandes centros, principalmente aqueles que moram em lugares afastados e que guardam um modo de vida com saberes tradicionais.” Nessas travessias, ele redescobriu a gente brasileira e sua diversidade, o seu modo de viver, as suas batalhas e as várias tradições, muitas desconhecidas dos grandes centros.

Formado em Comunicação Social, Valdemir já foi repórter fotográfico e editor da revista “Os Caminhos da Terra”, parceiro do diretor de TV Jayme Monjardim e hoje administra sua própria Editora, a Origem, responsável pela publicação de projetos que têm o Brasil como tema central. Em “Brasil Invisível”, seu penúltimo trabalho, o documentarista traz esse país multicultural, com vários perfis que retratam a rotina, as tradições e o modo de pensar desse povo “esquecido”. Nesta entrevista exclusiva concedida à Revista Regional, Valdemir conta as aventuras vividas nessas andanças pelo Brasil e revela detalhes de seus dois novos projetos, “Brasil Litoral”, que chega às livrarias em outubro, e outro que traçará um perfil sobre o rio Tietê e sua população ribeirinha, que poderá incluir moradores da região.

 

Dunas do Rosado

Revista Regional – São mais de dez livros tendo a geografia e o povo brasileiro como os grandes protagonistas. Como surgiu a ideia?

Valdemir Cunha – Os projetos surgiram a partir dos caminhos que apareceram na minha vida profissional.  Em 1992 acompanhei Jayme Monjardim (diretor de TV) numa longa viagem ao Pantanal. Ele já havia finalizado a novela (Pantanal) que foi exibida pela TV Manchete em 1989 e estava iniciando outro projeto e precisava de um fotógrafo para fazer imagens de locações. Nesse mesmo ano nascia a revista “Os Caminhos da Terra”, que era uma espécie de National Geographic, que nasceu na Eco 92, e comecei a trabalhar para eles e fiquei praticamente os 17 anos da publicação produzindo imagens e trabalhando como editor de fotografia e depois como editor executivo. Em 25 anos de carreira, 20 foram viajando pelo Brasil e pelo mundo produzindo ensaios para revistas de viagem e meio ambiente e foi por conta dessa experiência  que surgiu meu trabalho sobre o Brasil.

 Mas a paixão pela fotografia vem de onde? Dizem que na infância descobrimos nossas verdadeiras vocações. Com você também foi assim?

Meu pai gostava de fotografia e sempre teve uma máquina nos acompanhando para as viagens que fazíamos, principalmente para o Interior de São Paulo. Quando criança ficava olhando os álbuns dele com fotos da década de 40, 50 e 60 e aquelas imagens me fascinavam. Queria saber a história daqueles pessoas e como as fotos foram feitas. Mas foi na faculdade de Jornalismo que me reencontrei com a fotografia e acabei deixando o texto para me dedicar somente às imagens.

Delta do Parnaíba

 Viajar o Brasil já era um sonho antigo ou foi realmente força do trabalho?

Quando criança sonhava em conhecer o mundo. As pirâmides do Egitos, os templos pré-colombianos, a Ilha de Páscoa, Petra entre muitos outros. Assistia aos documentários da BBC na TV e lia muito livros de viajantes. Mas tudo isso apareceu na minha vida por acaso. Quando conheci o Jayme Monjardim eu fotografava cavalos e foi ele o grande responsável por eu entrar nesse universo de viagens.

Falando do Jayme Monjardim, você já teve algum trabalho ligado à sétima arte ou pretende?

O Jayme, como já disse, foi fundamental na minha vida profissional. Estive 40 dias no Pantanal com ele e depois mais seis meses editando as imagens. Quando estava na faculdade sonhava em fazer cinema em Cuba, mas em 1989, quando o muro de Berlim caiu e a URSS (União Soviética) se fragmentou, Cuba passou por uma grande crise e não arrisquei. Sempre gostei de cinema, mas é um universo diferente e que não surgiu ainda em minha vida.

 De todos os cantos por onde passou, entre tantas andanças, o que você aprendeu sobre nossa gente?

Já viajei por mais de 80 países e não há outro lugar no mundo com gente tão hospitaleira e batalhadora quanto os brasileiros que vivem nos rincões do país. Em meu livro “Brasil Invisível”, rodei por dez anos as regiões mais isoladas de nosso país e em cada lugar por onde passei foi o povo que mais me impressionou. Temos muito a aprender com os brasileiros que vivem fora dos grandes centros, principalmente aqueles que moram em lugares afastados e que guardam um modo de vida com saberes tradicionais. Infelizmente damos as costas para esse povo, mas está na hora de a gente se voltar para eles e tentar reaprender a forma simples de encarar a vida e conviver com o meio onde vivem.

Delta do Parnaíba

E sobre o nosso país? Certamente você pôde constatar nas suas travessias os extremos sociais do Brasil. Existe solução?

Olha, nesses 25 anos de andanças pelos rincões do Brasil deu para perceber que as ações do governo federal a partir de 1994 até no sentido de levar renda às famílias que estavam abaixo da linha da pobreza, deram um bom resultado. Não estou falando de estatísticas e sim de observação.  Lugares onde antes não existia energia elétrica, escolas, médicos. Melhoraram um pouco a ponto de as pessoas passarem a acreditar que seus filhos ou netos podem ter uma vida mais digna. Mas isso só vai acontecer se conseguir levar educação de boa qualidade e saúde para as regiões mais isoladas. Como a desigualdade era muito grande, sei que vai demorar bastante para chegarmos a uma realidade ideal, mas, infelizmente ainda falta gestão eficiente nesses programas. Vou dar um exemplo: estive na região das Reentrâncias Maranhenses fotografando para meu novo livro, “Brasil Litoral”, que será lançado em outubro, e vi algo bizarro do ponto de vista de gestão. Numa ilha que tinha um programa de energia elétrica que era gerada por placas solares, moinhos de ventos e, quando preciso, um motor a diesel, tinha uma escola que possuía energia elétrica 24 horas por dia e não tinha computador para a escola. Já na ilha vizinha, que não tinha energia elétrica, tinha um laboratório de informática com vários computadores na caixa que não podiam ser instalados por falta da energia. Isso é ridículo do ponto de vista de gestão. Os programas sociais não conversam entre si, tão pouco os governos federal, estadual e municipal. Infelizmente no Brasil não existe um pensamento suprapartidário que esteja voltado a atender as populações mais carentes que necessitam de saúde e educação e nas regiões mais isoladas isso fica mais evidente.

 

Dunas douradas em Piaçabuçu, Alagoas

Entre tantas imagens fantásticas que você já registrou de nosso país, qual a mais especial?

Na verdade o que mais me fascina é o povo. Adoro retratar o modo de vida de nossa gente e, principalmente, como o meio em que vivem e a geografia mudam a forma de pensar dessa gente. Estou produzindo um livro chamado “Água”, que irá mostrar o homem que vive no sertão sem água e o ribeirinho da Amazônia que vive com excesso dela. Nesse livro vou apresentar a alma desses dois brasileiros que são tão diferentes por conta do meio em que vivem. E é essa gente que me encanta mais nas minhas imagens.

Refazendo a pergunta. Qual a foto que carrega uma história especial? Seja na maneira como foi captada, seja pela dificuldade ou pela história por detrás dela.

Confesso que não me apego a imagens e sim a histórias. Eu me considero mais um contador de histórias do que um colecionador de imagens. Então o que mais me marca são histórias como a de um seringueiro da reserva extrativista Chico Mendes , no Acre, que colocou a mão numa seringueira e me disse: “tá vendo essa árvore seu moço? Ela é meu caixa eletrônico. Na cidade o senhor tem uma máquina onde coloca um cartão e sai dinheiro. Aqui ela é meu caixa eletrônico. É dela que tiro o dinheiro para sustentar minha família e por isso que cuido tanto dela e de outras tantas seringueiras. Por isso elas precisam existir”. São histórias como essa que me fazem querer viajar mais pelo Brasil e tenho uma grande coleção de histórias assim, uma melhor que a outra. E eles valem muito mais que imagens.

 

Dunas douradas em Piaçabuçu, Alagoas

De todos os títulos qual o preferido?

Sempre o que está por fazer. Hoje estou envolvido num projeto sobre a imigração alemã no Brasil e também num novo livro sobre o rio Tietê. E esses dois assuntos e os dois livros são meus preferidos. Claro que o “Brasil Litoral” que vai às livrarias agora em outubro vai ganhar uma atenção especial, mas ele já está pronto. Não é mais meu. O “Brasil Litoral” agora pertence aos olhares que irão encontrá-lo a partir de outubro. Já o meu olhar está nos projetos novos que ainda não existem como livros.

“Brasil Invisível” traz retratos de uma gente batalhadora, a cara real do Brasil, digamos assim. O que pôde aprender com essa diversidade?

Que nós, das grandes cidades, esquecemos que a vida é mais simples do que se parece e que podemos viver bem com muito menos. Vi durante os dez anos viajando pelo Brasil uma felicidade e um apego a coisas simples que me impressionaram. O viver de portas abertas, de conhecer e ajudar o vizinho, de servir um bom café a qualquer visitante que chegue com um sorriso no rosto. O trabalhar de forma honesta para melhorar a vida dos filhos e da família. O viver sem medo. Claro que isso só é possível em pequenos vilarejos. Em lugares isolados onde as comunidades precisam trabalhar em conjunto e cada um ajudar o outro. Mas será que nos grandes centros urbanos isso não é possível? Percebi no “Brasil Invisível” que nós, das grandes cidades, precisamos nos voltar para o Interior e tentar resgatar aqueles valores que nossos avós, bisavós e de gerações passadas tinham com o modo de viver. A simplicidade e a honestidade. Valores ainda presentes nos rincões do país.

Delta do Parnaíba

Talvez nem mesmo os políticos presidenciáveis tenham andado tanto pelo Brasil como você nesses registros fotográficos. Tem o cálculo de quantas localidades, de quantos quilômetros percorridos?

Muito difícil dizer, mas andei muito pelo Brasil e pretendo conhecer melhor a Amazônia que é um mundo e quero ir mais fundo no sertão. São duas regiões que vou focar nos próximos trabalhos.

Com essa “bagagem” e também como jornalista, talvez você possa expressar uma opinião mais realista das manifestações ocorridas recentemente no país. Elas retratam realmente todo o povo, inclusive esse “Brasil invisível”, ou é um movimento classe média como afirmaram alguns?

Engraçado. Quando elas estouraram em junho eu estava nas Reentrâncias Maranhenses. Tinha saído de São Paulo em maio e nada estava acontecendo. Acompanhei tudo pela TV e na Ilha dos Lençóis, quase na divisa com o Pará, a comunidade de 400 pessoas não estava entendendo nada do que via pelo Jornal Nacional. Tenho certeza de que uma comunidade que visitei na Serra do Divisor, extremo oeste do Brasil, no Acre, também não entendeu nada o que estava acontecendo. E em muito lugares que visitei, provavelmente todos tiveram as mesmas dúvidas. Mas quando surgia a palavra corrupção e nas entrevistas ou matérias se falava no mau uso da verba pública, todos entendem. Porque essa população que vive em regiões mais isoladas são as principais vítimas desses desmandos. Nesse “Brasil invisível” não existe um movimento tão organizado, quem chega nessas pessoas são a igreja, os sindicatos de trabalhadores rurais, ONGs, mas a ideia de que o Brasil tem que mudar já chegou sim nesse Brasil invisível que conheço bem.

 

Foz do São Francisco

Entre tantas fotografias, qual aquela que você ainda não fez? Qual sonha fazer?

Queria fazer um livro chamado “Brasil Visível”, onde todas as crianças estejam em boas escolas, onde todas as pessoas tenham acesso a bons hospitais sem filas, onde os políticos trabalhem com ética e honestidade e todas as pessoas respeitem o meio onde vivem. Essa é uma história que queria contar com minhas imagens sobre um Brasil diferente e melhor.

Tem um número de retratos já feitos?

Meu banco de imagens tem mais de 200 mil fotografias, mas já fiz muito mais que isso.

Num novo livro, você vai falar do rio Tietê. Como será esse projeto? Incluirá as três fases: nascente, poluição e renascimento? O rio já foi pauta de um outro trabalho, correto? Qual a diferença entre ambos?

Fiz um livro sobre o Tietê por encomenda em 2009, mas não fiquei satisfeito. Esse novo projeto vai ser feito com a cara da minha Editora (Origem). O rio Tietê teve e tem um grande importância para o Estado de São Paulo e para a ocupação do Interior do Brasil. Em 2009 consegui informações otimistas sobre o rio. A mancha de poluição tinha recuado muito em função de ações do governo do Estado e quero ver como  rio está agora. Mas nesse novo trabalho quero mostrar quem mora nas margens do Tietê, quero apresentar essa população ribeirinha que convive com o rio diariamente.

 

Foz do São Francisco

Passará por nossa região: Itu, Salto, Porto Feliz, no Interior?

Vou sim, gosto muito dessa região e por conta do meu trabalho sempre descubro coisas novas e pessoas com histórias interessantes para contar.

Já tem data de lançamento?

O lançamento está previsto para maio de 2014.

Em sua empresa, a Editora Origem, você trabalha com projetos direcionados à temática brasileira. Como ela trabalha? Recebe projetos/pilotos para seleção?

A Origem nasceu para fazer projetos ligados à cultura, população e geografia de nosso país. Estou exclusivamente na Origem desde 2010 e por enquanto estou estruturando a empresa apenas com meus projetos, mas a ideia a partir de 2015 é publicar outros autores que trabalhem também com essa temática. Tenho uma lista grande de amigos que gostaria de publicar e estou bem próximo de alcançar esse objetivo. Sempre digo que a Origem não é uma Editora que publica apenas Valdemir Cunha, mas tenho que amadurecer a empresa antes de cuidar de trabalhos de outros autores.

entrevista e texto por Renato Lima

Capas dos livros “Brasil Invisível” e do novo “Brasil Litoral” (será lançado em outubro)

fotos Valdemir Cunha

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