Mucky era um sagui que vivia com uma corda amarrada em sua cintura. Pelo acaso do destino (que quando resolve agir ninguém escapa), Lívia Bótar se deparou com ele no ombro de seu “dono” em plena cidade de São Paulo. “Foi impactante e resgatá-lo tornou-se um desafio. Mais chocada ainda fiquei ao me deparar com a real condição dele, cuja cordinha amarrada estava entranhada na carne. Mucky passou por duas cirurgias – uma para remover a corda e outra, reparadora. Sua recuperação foi referência para que me destinassem outros saguis em condições semelhantes. Minha escolha estava feita, e o destino, selado”, recorda a coordenadora do projeto Mucky, em Itu, que ganhou esse nome em alusão ao primeiro primata resgatado, que completará 28 anos em 06 de agosto.
Até ter se deparado com Mucky, Lívia não tinha nenhum envolvimento com a natureza, ou com as causas “verdes”. Para ela, meio ambiente estava ligado a descansar, caminhar ou programar passeios em parques ou matas longe do “agito” das cidades, até o destino lhe “entregar” o primeiro desafio.
Desde então, sua vida gira em torno desses pequenos animais. “Sabe quantos dias por semana a Lívia trabalha? Sete. Quantas semanas por mês? Todas. Não digo quatro, porque há meses com cinco semanas, não é?”, reforça a voluntária Marcia Torres, que apadrinhou uma funcionária e um macaquinho, em alusão a coordenadora do projeto.
“Desde 1990 minha dedicação é exclusiva e totalmente voluntária. Os poucos bens que possuía na época, foram consumidos em pouco menos de quatro anos, e a manutenção deste trabalho depende exclusivamente da participação de ‘madrinhas e padrinhos’ (pessoas físicas), ou de algumas poucas empresas privadas (pessoas jurídicas), sem nenhuma receita proveniente de qualquer órgão governamental. É impossível realizar qualquer trabalho paralelo que não seja voltado para o Projeto, que me ocupa 24 horas por dia! A instituição é como uma empresa, porém, não tem ‘receita garantida’. Confesso que é um trabalho para ‘poucos loucos’ – ou ‘corajosos’, como queiram”, ressalta a profissional.
O Projeto Mucky ocupa uma área de 20 mil m², tem um plantel de 220 primatas de diversas espécies, distribuídos em mais de 105 viveiros e outros recintos (de acordo com a condição física de cada um) na cidade de Itu. Conta com cozinhas para o preparo do alimento dos macacos e dos humanos; enfermaria; laboratório; alojamentos; sala para convívio; escritório; oficina; almoxarifados; lavanderia. “Nenhuma das instalações físicas está de acordo com o projeto arquitetônico e para que isso aconteça necessitamos de parcerias com construtoras. Trabalham aqui quase 20 colaboradores que atuam internamente ou à distância, e em média 22 voluntários, das mais diversas profissões. A área foi adquirida há oito anos, por meio da participação de diversos colaboradores, depois da instituição ter sofrido ação de despejo de uma chácara em Jundiaí. Na época, uma empresa de São Paulo era responsável pelo pagamento do aluguel e do salário de um dos funcionários, mas, por problemas internos, simplesmente deixou de cumprir o contrato, levando-nos a viver um dos piores momentos de nossa experiência”, recorda emocionada Lívia.
No Projeto, os primatas brasileiros, de qualquer espécie com exceção do macaco-prego, são recolhidos e acolhidos. “Os bichos que chegam aqui tem as mais diversas procedências: apreensões da Polícia Ambiental; resgate do tráfico de animais silvestres; comércio ‘legalizado’; acidentes; centros de triagem; clínicas veterinárias, etc…”, pontua Lívia.
E dentre os maus tratos está o fato de que algumas “lojas” vendem primatas como se fossem petse isso traz danos sérios para os animais. “Os primatas chegam em péssimo estado físico e emocional. Nossa filosofia de trabalho permite tratamentos que respeitam a individualidade e que atendam à necessidade de cada um. Métodos alternativos,como a utilização de acupuntura, hidroterapia, fisioterapia, musicoterapia, homeopatia, florais, permitem atingir resultados surpreendentes, porém nada seria possível se não fosse o amor incondicional da equipe responsável por cada um dos setores do Projeto. O envolvimento, o encantamento e a dedicação são percebidos desde as tratadoras (em sua grande maioria biólogas), veterinários, passando pela responsável do departamento administrativo até o pessoal de manutenção. O resultado é incomparável!”.
Porque tanta dedicação?
O Projeto Mucky preenche uma lacuna que o governo não consegue suprir, porém, Lívia ressalta que o trabalho do local deveria ser outro. “Nós deveríamos simplesmente fazer aprevenção e a educação. Se o homem conseguisse se relacionar com as outras espécies de maneira harmônica, sem prepotência, com respeito e responsabilidade, estaríamos alcançando outro grau de evolução. O governo deveria ouvir e prestar atenção à sinalização de alguns segmentos da sociedade. Deixar burocracias de lado, eliminar a corrupção, facilitar as ações, fiscalizando com eficácia e trabalhando com transparência, são ações do poder público que tornariam nossa atuação mais efetiva. É difícil conversar com uma criança e ensiná-la que o lugar do animal é na mata, se o governo simplesmente permite que sejam vendidos no petshop da esquina. É de tirar o fôlego”, desabafa.
E se em paralelo o governo permite a venda de animais em cada esquina, por outro temos uma crescente de pessoas que defendem a causa, mas que efetivamente pouco fazem. “O que se vê é uma ‘onda verde’, que busca muito mais ‘maquiar as ações’ do que diminuir o impacto do homem em relação ao meio ambiente. A realidade não é bem essa. O desmatamento corre solto; o tráfico de animais silvestres é uma triste realidade que movimenta milhões de dólares; o envenenamento do solo e da água com os mais diversos produtos químicos só aumenta, e o Brasil, assim como o planeta Terra, não terá tempo suficiente para ‘reverter o estrago’, a não ser que uma rede de ações efetivas seja implantada. A participação da sociedade num trabalho como o nosso depende do grau de consciência do cidadão comum e dos empresários. Nenhum incentivo governamental é facilitador. Acreditar no trabalho, colher os resultados através da qualidade dos tratamentos oferecidos aos nossos ‘pacientes’, sentir a mudança do comportamento das pessoas por meio dos projetos de educação ambiental são um desafio cotidiano, porém receber apoio financeiro para a continuidade é um fator prioritário e emergencial”, fala a coordenadora.
E encontrar pessoas que estejam dispostas a fazer parte do Projeto é um desafio e tanto, porém, existem voluntárias, como Marcia, que não medem esforços para dar um pouquinho de si aos animais recolhidos. “Meu testemunho é de que o pessoal doMuckyé fenomenal. Os que trabalham lá e os voluntários. Mas principalmente quem trabalha lá, porque quem trabalha precisa ganhar e isso é duro quando não se tem uma receita fixa. Nem sempre os pagamentos de salários são feitos em dia porque não há dinheiro!Tudo que o Mucky tem vem de doações. Nós precisamos dar as mãos e conseguir uma sustentaçãomais sólida para ele”, desabafa a voluntária.
E se você também quiser fazer parte dessa rede do bem, existem diversas formas. Acesse o sitewww.projetomucky.org.bre conheça mais. Quem sabe você não “adota” um primata que será eternamente grato por ter sido tirado das mãos de donos malvados? A natureza é viva e assim precisa permanecer!
Como ajudar o Projeto Mucky
Como já dito, o Projeto Mucky depende de você para continuar fazendo bem aos primatas. Além de ajudar na manutenção do local, os padrinhos e madrinhas, também ajudam no pagamento dos colaboradores. Existem diversas frentes que você pode escolher para contribuir:
– “Seja padrinho de um funcionário”: subsidia salários dos profissionais especializados e treinados na instituição;
– “Seja padrinho de um primata”: destinado a pessoas físicas;
– Responsabilizando-se pelo tratamento de grupos específicos de primatas (recuperação, assistência veterinária, alimentação);
– Comprando os produtos com a marca Mucky;
– Financiando projetos orientados para pesquisas (não invasivas), aquisição de materiais, equipamentos e/ou construções de espaços;
– Doando alimentos, produtos de limpeza, medicamentos, materiais para construção, entre outros;
– Participando com trabalhos voluntários.
Para conhecer o Projeto, acesse o site da instituição www.projetomucky.com.br , e veja quem são os moradores do local, pois, para a seguridade dos animais, as visitas não são abertas ao público, apenas os parceiros, padrinhos e madrinhas podem agendar a visita com alguns meses de antecedência.
reportagem de Yara Alvarez
fotos: AdalainaSorg e Edvaldo Antunes/Divulgação