O músico Elias Álvares Lobo foi o primeiro brasileiro a escrever uma ópera de cunho nacional em português. O que muitos não sabem é que esse grande artista era ituano
Autor da primeira ópera brasileira escrita em português, Elias Álvares Lobo de Albertim nasceu em Itu, em 09 de agosto de 1834, e foi batizado pelo padre Elias do Monte Carmelo, filho do padre Jesuíno do Monte Carmelo. Do padrinho, ganhou o nome, imortalizado graças ao talento do músico ituano. Elias era um dos filhos do segundo casamento de José Manuel Lobo. Ainda quando menino, o jovem Elias, com apenas seis anos, perdeu o pai e o padrinho, viveu com a mãe Tereza Xavier de Jesus e seus irmãos em Itu até o ano de 1875.
Acredita-se que seu interesse por música começou desde cedo por influências de seus irmãos mais velhos, que eram músicos e também por frequentar o Colégio Ituano, onde a disciplina de música era obrigatória. “O irmão mais velho do primeiro casamento, José Lobo de Albertim era músico, então Elias Lobo já tinha essa influência em casa. Todos os filhos do segundo casamento de José Manuel Lobo estudaram música e atuaram na música. Quando deixaram de frequentar o Colégio Ituano, Elias se tornou aluno de padre Jerônimo, na Igreja do Bom Jesus”, explica o historiador Luís Roberto de Francisco, que conhece a história do músico ituano a fundo, tendo publicado em 2001 o livro biográfico “Elias Álvares Lobo – um momento na música brasileira”.
Tomando aulas de música com padre Jerônimo, Elias Lobo aprendeu rudimentos que até então eram privilégios da elite ituana. Com o passar dos anos demonstrou cada vez mais interesse pela música. Segundo Luís Roberto, em seu livro “Elias Álvares Lobo – um momento na música brasileira”, na segunda metade do século XIX as bandas eram pontos de encontros de músicos em Itu. Antigos alunos do padre Jerônimo, com quem Elias tomou aulas, e alguns do tempo de padre Jesuíno do Monte Carmelo, tocavam diversos instrumentos. Ele afirma que: “Na roça ou na cidade, nas festas, nas procissões, em toda parte a banda irrompe dobrados e danças para alegria de todos os caipiras da cidade”. É nesse contexto que Elias, que fazia parte do grupo de músicos mais jovens, dá início a sua produção artística, por volta de 1850 e assim, começa a produzir marchas para bandas. “Cinco anos depois ele escreve sua primeira missa. No total foram 15”, acrescenta o historiador. Nessa época, Elias já havia se casado com Elisa Eufrosina da Costa e era professor de música, além de tocar.
“A Noite de São João”
Durante dois anos, Elias Lobo viveu no Rio de Janeiro, sempre indo e vindo de Itu, onde estava sua família. “Os filhos dele nasceram aqui. Ele sempre trabalhou como professor tanto aqui quanto no Rio de Janeiro. Lá ele foi com o objetivo de apresentar a ópera”, acrescenta Luís Roberto. Foi no ano de 1859 que Elias Lobo escreveu a primeira ópera brasileira “A Noite de São João”. Ele trabalhava demasiadamente e se dividia entre Itu e Rio de Janeiro. Quando teve acesso ao libreto de José de Alencar chamado “A Noite de São João”, o músico ituano criou a primeira ópera totalmente brasileira e com temas regionais, como uma festa caipira em noite de São João. “Foi a primeira ópera brasileira escrita por um brasileiro, em português. Até então havia óperas escritas em italiano e outras óperas escritas por estrangeiros. A dele foi a primeira com um caráter nacional. Ele pega esse argumento da festa na roça e faz a música em cima. Uma música que é um conjunto de modinhas com referência brasileira. A ópera tem início com duas violas caipiras acompanhando o coro”, detalha Luís Roberto.
“A Noite de São João” conta a história de dois primos que se apaixonam numa festa na roça. São 12 cenas em dois atos, sete para o primeiro e cinco para o segundo. A peça foi executada inicialmente na capital paulista para um público de acadêmicos, ainda sem orquestração. Mas no início de 1860, Elias Lobo começou a trabalhar incansavelmente para orquestrá-la e assim, apresentá-la ao imperador Dom Pedro II.
A ópera é, então, levada para o Rio de Janeiro. Em sua obra, o historiador ituano afirma que as dificuldades financeiras para que Elias fosse à, então, capital, executar a ópera orquestrada para o imperador, não foram poucas. O músico lecionou mais do que pode, na época dava aulas para filhos de fazendeiros de Itu.
Elias Lobo consegue, finalmente, ser recebido por Dom Pedro II, que marca a data de 14 de dezembro de 1860, para que houvesse tempo para ensaios. Na noite combinada, Carlos Gomes, à frente da orquestra, torna realidade o sonho do maestro ituano e apresenta ao imperador e a todos que estavam no Teatro São Pedro de Alcântara, entre eles o autor do libreto, José de Alencar, a primeira ópera brasileira, “A Noite de São João”. “A ópera é levada para o Rio de Janeiro e também a missa nº 4, a mais longa em área da música sacra brasileira. É um certo sucesso na época”, explica Luís Roberto.
Em uma noite apenas, o músico ituano conseguiu mais do que imaginara um dia, o pagamento de seus direitos autorais pela Companhia de Ópera, ser conhecido e passar a ser o primeiro brasileiro, ituano, a compor e executar uma ópera brasileira. Assim, passou a ser uma figura muito respeitada, principalmente em sua cidade natal. O historiador ituano Luís Roberto acredita que uma execução de sua ópera pode ter acontecido em Itu. “É possível que tenha acontecido a execução em Itu, pois, na época já existia o Teatro São Domingos, mas como não havia jornal, não há registro”.
A obra do maestro ituano é de grande importância para a música nacional e sua história e produção artística de grande valia para o povo ituano. Atualmente, três quartos de sua obra são de posse do Museu da Música de Itu, uma parte está em posse do IEB – Instituto de Estudos Brasileiros – e outra, pequena, em posse de particulares. Entre suas produções, podemos destacar também o Hino Republicano de São Paulo, que escreveu quando era ligado ao PRP – Partido Republicano Paulista –, feito em 1880, que tem sua partitura original exposta no Museu da Música, em Itu, desde 22 de abril. “Eu acho que a consciência de um artista passa muito pela observação da obra. O nosso grande problema é que a obra do Elias Lobo foi feita entre 150, 120 anos atrás e de lá para cá, ninguém mais a tocou. Com o trabalho do Coral Vozes de Itu na década de 90, ele volta a ser ouvido. Mas é necessária uma estrutura para ser apresentada, que nesse momento não dispomos”, explica Luís Roberto quando questionado sobre a preservação da memória do maestro na mente dos ituanos.
Elias Lobo participou da Convenção Republicana em 1873, criou dois métodos no ensino de música que foram editados pelo Governo do Estado e em 1883 ficou viúvo. Um ano depois, no dia em que completou 50 anos, casou-se novamente com Isabel de Arruda, 30 anos mais jovem. Em 1887, mudou-se com a família para São Paulo, depois de ter vivido em Itatiba e Campinas, assim, dando início à atividade didática em escolas públicas. Antes de falecer, reescreveu toda sua obra sacra para canto e harmônio. Em 15 de dezembro de 1901, faleceu em São Paulo deixando 13 filhos e uma vasta obra musical que se resume em duas óperas, 15 missas e pequenas peças sacras.
texto: Gisele Scaravelli
imagens: Museu da Música de Itu