O Caminho de Santiago é uma nova vida, uma etapa de sua jornada na qual você tem a chance de realmente ser você mesmo, um retorno ao básico do ser humano
Durante séculos e séculos, na verdade, desde o início da Cristandade, muitos peregrinos seguiram Santiago por toda a Espanha e eles ainda continuam a chegar em Santiago de Compostela, vindos de todo o mundo. O Caminho de Santiago significa religião, cultura, esporte, natureza, tradição, paz, mas acima de tudo, liberdade.
O Caminho foi percorrido por imperadores, papas, reis, bravos cavaleiros, templários, nobres, milhares de sacerdotes, agricultores, mendigos, viajantes, saudáveis e doentes, ricos e sem-teto. Todos eles eram peregrinos e todos foram tratados da mesma forma, porque ninguém sabia se o peregrino sujo e cansado que acabara de chegar na vila era um rei, um bispo ou um mendigo. Eles foram e ainda são todos os peregrinos, sempre à procura de algo, sempre trazendo novas ideias.
Os peregrinos seguem o sol durante o dia, de leste a oeste, e a Via Láctea à noite. Eles vêem o nascer do sol no período da manhã e seguem-no em direção ao Ocidente através da caminhada pelos campos dourados ou atravessando as montanhas coloridas.
O Caminho é uma nova vida, uma etapa de sua jornada na qual você tem a chance de realmente ser você mesmo, um retorno ao básico do ser humano, onde se tem a chance de prestar atenção às pequenas coisas que sempre esquecemos no nosso dia a dia. Você se levanta, admira o dia, sente-se em contato direto com a terra, tem a chance de observar a si mesmo, ou ainda a paisagem à sua volta e as pessoas ao seu lado. Durante o trajeto, o contato com outros peregrinos nos faz aprender ainda mais, passamos a ouvi-los, e a nos preocupar com eles também. Logo no primeiro contato, eles deixam de ser estranhos; somos todos iguais rumo a Compostela. Cada um tem uma motivação especial para seguir o trajeto. Ao encontrar pessoas de vários cantos do planeta, percebemos que somos todos grãos de areia na elevação espiritual.
Cada história que ouvimos nos dá ainda mais fôlego e ânimo para seguir o Caminho de Santiago. O alimento espiritual enriquece a alma quilômetro a quilômetro, dia após dia. Mas o físico também pede cuidados, afinal andar por suas estradas, subir suas montanhas e cruzar os seus rios é um desafio de superação física. E ao sentir fome, logo você pensa sobre como e onde você vai comer: debaixo de uma árvore, ao lado de um córrego de água ou na aldeia próxima. Provavelmente você já tenha no seu bolso alguns figos de uma figueira que encontrou pelo caminho ou algumas amêndoas, queijo ou vinho doce que um local apenas deu-lhe sem pedir nada em troca. Você se sente cansado, mas muito saudável. O sol, lembre-se sempre disso, é o que lhe dá mais força.
Porém, quando ele se põe, é hora de descansar e esperar o dia seguinte. Você pode escolher onde você vai dormir: na vila mais próxima, no pequeno albergue, desfrutar de um jantar de comida local e companhia agradável? Ou talvez, sob as estrelas na noite quente? (Basta pensar em quantas vezes você tem essa possibilidade em sua vida normal). Lembre-se de que Compostela significa “campo de estrelas”, ao ver a imensidão delas piscando no céu entenderá perfeitamente o porquê deste nome.
No dia seguinte, o ciclo começa novamente. Você vai escolher o quão longe quer andar e por qual rota se aventurar. Esta é a liberdade que eu mencionei anteriormente, a chance de ser você, a chance de cuidar das coisas realmente importantes. Não há concorrência, mas há uma comunhão com a natureza e outros seres. Depois de ter sido seduzido por seu charme você não pode sequer dizer se foi lá apenas por alguns dias ou anos.
Os vários caminhos
“O Caminho de Santiago começa na casa do peregrino”, prega o ditado. E, de fato, são muitas as rotas que levam até a cidade de Santiago de Compostela. As mais populares delas, porém, são as que começam na fronteira entre a Espanha e a França, à sombra da cordilheira dos Pirineus.
Uma delas é o “Caminho Francês”, que tem início no interior da França e entra na Espanha via Roncesvalles. O outro, considerado um dos mais belos pelos viajantes, é o “Caminho Aragonês”, que ingressa em território espanhol pelo posto de passagem de Somport (localizado no Valle del Aragón, cheio de montanhas, lagoas e bosques).
As duas rotas irão se encontrar, cerca de150 kmdepois, na cidade de Puentela Reina, que as une em um trajeto único rumo a Santiago de Compostela. Na região está a ermida Santa María de Eunate, que, erguida sobre uma planta octogonal no século 12, reúne restos mortais de antigos peregrinos e é considerada um dos lugares mais sagrados de toda a rota.
A cidade de Puente dela Reina, por sua vez, abriga uma das pontes mais famosas de todo o percurso, a Puente de los Peregrinos que, construída no século 11 e sustentada por belíssimos arcos, cruza o rio Arga.
A distância que separa esta etapa da viagem da cidade de Santiago de Compostela é de aproximadamente670 km. Na rota (que abrange mais de 30 cidades) o viajante poderá conhecer, entre outras centenas de atrações, a igreja do Santo Sepulcro (fundada no século 12 e que exibe arquitetura de influências árabes), a região deLa Rioja(a mais famosa produtora de vinhos da Espanha), o Monastério de Santa Maríala Real(fundado em 1052 pelo rei Don García Sanchez III, após ele ter encontrado no terreno uma estátua da Virgem Maria) e a catedral de Santo Domingo dela Calzada, que começou a ser erigida em 1158.
Já na cidade de León, na segunda metade do percurso, o viajante pode conhecer o Convento de San Marcos, usado, em tempos remotos, como hospital para os peregrinos do Caminho de Santiago. É tradição entre os peregrinos depositar pedras de seu país de origem aos pés da Cruz de Ferro, localizada no ponto mais alto (1.490 metros) deste roteiro do Caminho de Santiago, nas proximidades de Astorga. Portanto, não se esqueça de colocar em sua mochila algumas pedrinhas de sua cidade antes de tomar o avião rumo à Europa.
O roteiro, a partir daí, descerá a belas cidades como Ponteferrada (onde há um enorme castelo medieval) e Sarria. E os últimos100 kmpara Santiago de Compostela cruzarão cidades como Portomarín (que abriga a Ponte Romana, erguida em 1112) e Pedrouzo. Após superar a jornada, os peregrinos sobem cantando o famoso Monte do Gozo. No horizonte estará, finalmente, a catedral de Santiago de Compostela, que, com sua imponência e aura sagrada, será a recompensa perfeita para o peregrino extenuado e, muito provavelmente, orgulhoso de si mesmo.
O Caminho de Santiago, porém, não acaba por aí. O viajante tem a opção de seguir andando até o Cabo Finisterre. No local, de frente para o Atlântico, e à sombra de um antigo farol, os peregrinos queimam suas roupas para simbolizar o despojamento dos antigos hábitos e o início de uma nova vida.
Carmo Bueno do Couto fez o Caminho de Santiago em 2009 e escreveu este artigo especialmente para a Revista Regional.
fotos Carmo Bueno do Couto e Microfoto
CONFIRA A GALERIA DE FOTOS