Conhecida pelas peças impecáveis, a ceramista Hideko Honma abriu as portas do seu atelier em São Paulo e nos contou sobre a história do artesanato mais tradicional do Japão
Com técnicas de preparo emprestadas das tradicionais porcelanas chinesas, a cerâmica japonesa é muito admirada em todo o mundo. Peças moldadas a partir de argila, água e compostos orgânicos deixaram de ser apenas funcionais para adquirirem status de grande arte nas mãos de mestres e artesãos.
A brasileira Hideko Honma é hoje uma das mais respeitadas ceramistas do país e conta como aprendeu a produzir esculturas, vasos e louças em geral através do profundo respeito pelo artesanato japonês e pela matéria-prima que encontra na natureza.
História da cerâmica no Japão
Paulistana e filha de japoneses, quando completou 40 anos a ex-professora universitária Hideko Honma decidiu conhecer a cidade onde viveram seus antepassados. “Eu dava aulas de Estética e História da Arte, mas desconhecia a importância da cerâmica para meus familiares da cidade de Arita, Distrito de Nishimatsura, no Japão. Um dia decidi ir visitá-los e descobri que o conhecimento dessa arte era fundamental para a compreensão da minha história familiar” – conta.
A cidade de Arita tem forte tradição na produção artesanal de cerâmicas. Antes do século XVI o Japão importava peças e artefatos de países próximos como Coreia e China. A Coreia, que até então vivia sob forte influência chinesa, foi invadida por tropas japonesas que sequestraram o artesão Yi Sam-Pyeong, responsável por ensinar aos ceramistas de Arita técnicas elaboradas para o feitio das louças de porcelana. Com o tempo essas mesmas técnicas foram mais aprimoradas e adaptadas aos costumes japoneses.
Hideko teve a oportunidade de conhecer e estudar com grandes mestres no Japão e aprendeu em Arita a produzir os próprios esmaltes utilizando elementos naturais. “Todas as minhas peças são pintadas com o esmalte que produzo a partir do que encontro na natureza: galhos de árvores, folhas e outros tipos de matéria orgânica”.
O material usado para o preparo das peças é natural e seu processo artesanal. “Costumo dizer que para fazer cerâmica nós precisamos nos conectar profundamente com a natureza e com nós mesmos. Utilizamos os quatro elementos: o barro, que vem da terra, a água para trabalhar o barro, o ar para a secagem e o fogo para a queima. Seu preparo exige muito esforço físico e mental, dedicação e paciência” – lembra a nissei.
O atelier
Graças ao projeto arquitetônico de Douglas Honma, filho de Hideko, seu atelier consegue abrigar todas as peças que são produzidas e vendidas, bem como um ambiente para secagem, o escritório com tatame em estilo japonês, pátio para aulas de cerâmica e os fornos para a queima de peças prontas.
No local há um ambiente muito especial: o jardim de inverno onde estão expostas peças escultóricas criadas por Hideko. Vasos, miniaturas de antigos soldados japoneses, figuras antropomórficas e máscaras de terracota são harmonizadas com as plantas e com o fio de água que cai em uma bela fonte azul feita de cerâmica. Um refúgio que transforma o atelier e transmite ao lugar uma atmosfera bastante espiritualista.
Nas paredes e no chão podemos encontrar vestígios de peças de cerâmica quebradas que racharam durante a queima e foram reaproveitadas na decoração. “É característico dos japoneses a tentativa de maestria, de procurar aperfeiçoar ao máximo tudo o que deve ser feito. Isso é muito paradoxal, pois ao mesmo tempo em que se procura alcançar a perfeição também há procura pelo equilíbrio entre homem e natureza, ou seja, pela aceitação de como as coisas são naturalmente. Gosto do musgo que se forma na parede junto a fonte, bem como das sobras de uma queima de barro, pois existe beleza na maneira como a natureza se comporta” – diz.
Hideko conta que nos últimos anos se aproximou bastante do pensamento budista, em especial pelo trabalho com cerâmica. “Pode parecer estranho para muitos, mas quando se começa a trabalhar com o barro, percebe-se o quanto fazer uma peça com as mãos pode ser psicologicamente transformador. É preciso suor para preparar a argila, e nesse momento você extravasa muitas emoções. Depois, é fundamental ter paciência para começar a criar uma peça, que deve ser lentamente erguida e somente depois desse processo você pode criar o vão de um vaso, por exemplo, onde se aprofunda mais na técnica e compreende o comportamento natural do material, além do tempo necessário para que fique pronto”.
Suas considerações sobre a arte da cerâmica tradicional remetem a observações acerca do comportamento humano em relação à vida. “Assim como o trabalho artesanal exige conhecimento, paciência e respeito pela natureza, a vida nos cobra esse mesmo aprendizado, dia após dia”.
“Passo a maior parte do tempo no atelier, e nunca me esqueço de quem sou e das tradições familiares que decidi seguir. Trabalhar com a argila é uma das maiores alegrias na minha vida, e depois que comecei jamais conseguiria parar” – conclui a simpática Hideko.
A porcelana
A porcelana é uma variedade da cerâmica, geralmente fruto da mistura de quatro ingredientes: argila, minerais chamados de Caulim, rochas do tipo Feldspato e Quartzo puro. Segundo Hideko Honma, próximo a cidade de Arita, no Japão, existe outra cidade chamada Imari onde há grande quantidade de Caulim, um minério branco que aquecido a cerca de 1800 graus transforma-seem porcelana. Esse minério é tão puro que os japoneses sentiram a necessidade de aprimorar suas técnicas de preparo de louças para não desperdiçar um material nobre. Hoje é proibido explorá-lo, mas ainda existem ateliês de grandes mestres ceramistas e museus sobre a história da Cerâmica e da Porcelana Imari, como são conhecidas.
A filosofia Wabi-Sabi
Wabi-Sabi para os japoneses representa uma visão de mundo baseada em um conceito estético, onde a imperfeição e a harmonia encontradas na natureza têm mais beleza do que a tentativa de deixar tudo extremamente perfeito. Assim, se um vaso de cerâmica apresenta uma pequena ranhura, ele pode ser belo e adaptado para uma fonte, se um prato apresentar assimetria depois da queima do barro, ele também pode ser belo porque sua natureza é essa. Se há musgo em volta de um vaso, ele o torna naturalmente harmônico, já que traduz o trabalho do homem aliado ao da natureza.
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texto e fotos: Paula Ignacio