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Orgulho caipira

"Caipira Pitando", pintura a óleo de Jonas de Barros, c. 1900. Acervo Espaço Cultural “Almeida Jr.” (foto Juca Ferreira, 2010); imagens do livro “Memória de Itu” de Jair de Oliveira, Hélio Chierighini e Luís Roberto de Francisco
No mês em que as festas juninas tomam conta do cenário cultural, Regional foi investigar a verdadeira identidade caipira e o orgulho que cidades -como Itu- possuem de ser “caipira”

 

Quem é o caipira? A palavra “caipira” se tornou pejorativa e até mesmo marginalizada ao longo dos anos. Para muitos, caipira é aquela pessoa que fala errado, preguiçosa, ignorante, fora de moda e que não sabe se comportar socialmente. Mas quem é, de fato, o caipira? É a figura da personagem de Simplício, no programa “Praça da Alegria”, são as pessoas retratadas por Almeida Júnior em suas telas ou simplesmente somos todos nós, moradores do Interior, puxando o “r” na hora de falar?

A palavra caipira é usada para as pessoas que vivem no Interior. Constituiu-se com a miscigenação entre europeus, africanos e indígenas, formando em São Paulo um modo de vida parecido com o que chamamos de caipira. “Esse modo de vida é muito marcado pelo jeito simples, religiosidade e pela vida rural. No século XVIII quem era caipira? Todo mundo”, explica o historiador ituano Luis Roberto de Francisco. Segundo ele, quando Morgado de Mateus, na época governante da Capitania de São Paulo, chegou a São Paulo, se deparou com uma sociedade extremamente ligada ao local e cada vez menos a Portugal. “As pessoas falavam o nhengatu e escreviam em português, sendo assim, ele fez um decreto para que a população falasse o português também. Nessa época ainda, acontece o retorno dos que foram à caça de ouro na região de Goiás e Mato Grosso, e assim, essas pessoas queriam investir o ouro que conseguiram em engenhos de cana-de-açúcar”, acrescenta. Com o investimento em terras para formação dos engenhos, Itu passa a progredir economicamente e isso acarreta o progresso cultural, educacional e social. Assim, os filhos dessas famílias passaram a estudar aqui e também fora da cidade e do país. Com esse progresso, aquelas pessoas que ficaram sem informação e fora de suas terras acabaram sendo apontadas como caipiras.

A marginalização da palavra “caipira” veio crescendo através dos anos e podemos dizer até hoje que ninguém gosta de ser considerado como tal. Em 1918, o escritor Monteiro Lobato lançou o livro “Urupês”, onde demonstrava todo seu preconceito com os costumes caipiras. No livro “Terra Paulista – Modos de vida dos paulistas: identidades, famílias e espaços domésticos”, o historiador Luis Roberto deixa claro que Monteiro Lobato sempre viveu sob o “olhar da casa grande” e sintetiza em Jeca Tatu sua visão do homem da roça e sua desarticulação diante do sistema vigente.

Na contramão de Monteiro Lobato, Cornélio Pires, escritor tieteense, lançou “Conversas ao Pé do Fogo” em 1921, onde apresenta um novo olhar do caipira, valorizando sua cultura e divulgando seu linguajar. “Cornélio Pires destaca a vida no campo e lembra que existe também o caipira da cidade”, acrescenta o historiador ituano.

Muito herdamos do modo caipira de viver, além do “r” puxado, como por exemplo, nossas festas religiosas como a “Festa do Divino Espírito Santo” e outras manifestações, como as nossas tão atuais festas juninas.

 

Revalorização

Itu vive uma nova fase, com mais orgulho em se dizer caipira. Após a marginalização desta figura, a cidade aprendeu a usar sua fama como produto, entre eles o principal, a gastronomia caipira. Além disso, a cidade possui o famoso Roteiro Caipira, que já atraiu turistas de todo o país a fim de passar um dia caipira e conhecer as fazendas e antigos costumes da cidade de Itu. “Nós temos um novo momento da tradição caipira, em torno de uma revalorização. Não existe mais aquele preconceito, mas tem pessoas que ainda se ofendem e encaram como pejorativa ser chamado de caipira. Nós temos que entender e aceitar que isso faz parte da nossa história e assim poderemos criar novos conceitos e novos parâmetros”, explica a psicóloga ituana e responsável por diversos projetos do setor turístico, Allie Marie Queiroz.

Além do Roteiro Caipira, nos dias de hoje Itu aproveita cada vez mais suas raízes caipiras em prol do turismo. A Prótur possui vários roteiros para conhecer a cidade; entre eles, há o trajeto que passa por algumas fazendas ituanas, onde o turista pode conhecer as instalações que foram mantidas através dos séculos de história e se deliciar com a culinária e música caipira. “Essa raiz jamais será apagada, eu acho que se conseguirmos olhar para o nosso passado sem preconceito nós poderíamos utilizá-lo e poderíamos nos conhecer mais”, acrescenta. Toda nossa história é fundamental para nossa formação. Allie afirma que além do nosso linguajar, nossa maneira de ser e se socializar também são heranças de uma cultura caipira, como a desconfiança, o conservadorismo, e até mesmo algumas expressões como “faísca de pão”, “ó” para cumprimento, “treler”, “bulir” e ditos populares.

 

Elias Lobo, Almeida Júnior e Simplício

Três figuras distintas que trabalharam com o tema regional e caipira. Todos ituanos, o primeiro, Elias Álvares Lobo, escreveu em 1859 a música para um libreto de José de Alencar, a obra foi pioneira na temática regional e o primeiro libreto escrito por um brasileiro e musicado aqui. O texto de José de Alencar, escrito em 1857, intitulado “A Noite de São João”, é uma comédia, inicialmente em um ato e, posteriormente em dois, esta última musicada por Elias Lobo, em Itu. “Um sertanejo do Nordeste escrevendo sobre o universo caipira, que clareza tinha ela sobre o assunto. Então Elias Lobo transforma esse texto em uma música local, com cara de modinha, e a modinha paulista é caipira”, explica Luis Roberto de Francisco.

Nosso famoso artista plástico, Almeida Júnior, após estudar na França e observar artistas realistas – entre eles o mais importante, Courbet, que representava o simples cotidiano -, trouxe vários desses conceitos para o Brasil. “Isso é um salto de qualidade extraordinária, de uma visão acadêmica. Os antigos que eu conheci e que também conheciam outros antigos, que por sua vez, conheceram Almeida Júnior, falavam que ele retratava o caipira, mas não era caipira. Mas isso não quer dizer que ele não valorizasse o universo e a cultura caipira. Porém, o linguajar caipira ele nunca perdeu”, conta o historiador ituano. “Imagine esse rapaz em Paris, falando francês com sotaque caipira”, brinca.

Além deles, nosso saudoso Simplício ganhou vida através do humorista Francisco Flaviano de Almeida, que tornou Itu famosa por seus exageros. Ele foi sucesso na “Praça da Alegria”, programa veiculado pela extinta TV Tupi. A brincadeira de sua personagem no programa, o caipira Honório e sua esposa Ofélia, teve início em 1967, que acabou se tornando uma das maiores marcas da cidade, e fazendo com que Simplício ficasse famoso por todo o Brasil. Em algumas de suas cenas, o então caipira dizia que São Paulo era uma vila perto de sua cidade, Itu, onde tudo era imenso. Sempre carregando no sotaque do Interior ele contava vantagens e pedia para a mulher dizer o tamanho das coisas em Itu. “Vai, Ofélia, diga para o homem de que tamanho é a abóbora lá de Itu!”, assim que a mulher respondia, abrindo os braços: “É deste tamanho!”, ele a corrigia, bravo: “Não Ofélia, não é a pitanga, é a abóbora!”.

Elias Lobo, Almeida Júnior e Simplício enalteceram a figura do caipira e os costumes do Interior paulista, que fazem parte da história de todos que aqui vivem ou viveram, sejam descentes de europeus, africanos ou indígenas, por fim somos todos, caipiras! Sim, sinhô!

 

reportagem de Gisele Scaravelli

foto: “Caipira Pitando”, pintura a óleo de Jonas de Barros, c. 1900. Acervo Espaço Cultural “Almeida Jr.” (foto Juca Ferreira, 2010); imagens do livro “Memória de Itu” de Jair de Oliveira, Hélio Chierighini e Luís Roberto de Francisco

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