A revista Indústria Regional conversou com três executivas de nossa região, que aceitaram compartilhar conosco sua trajetória, até chegarem ao comando de suas respectivas empresas
Conquistar a estabilidade financeira, abrir e gerenciar o próprio negócio ou ainda sustentar a família. Basicamente, esses três fatores ajudam a explicar o crescimento gradativo da participação feminina no mercado de trabalho, constatado por diversas análises feitas por institutos especializados.
Estatísticas da Relação Social de Informações Sociais (Rais) e do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) apontam que, em dezembro de 2010, o mercado formal de trabalho contava com um estoque de 43,3 milhões de empregos. Deste total, 25,3 milhões estavam ocupados por homens e 17,9 milhões por mulheres. No mesmo período de 2006, 35,1 milhões de vagas foram abertas, sendo que eles ocupavam 20,8 milhões e elas, 14,2 milhões. Neste intervalo de tempo, portanto, constata-se que a participação das mulheres aumentou de 40,64% para 41,48% do total. Todavia, apesar destes avanços, algumas disparidades persistem: a remuneração paga às trabalhadoras, estimada em R$ 1.097,93, continua inferior a dos homens (R$ 1.518,31). Em 2009, comparando a média anual de rendimentos, verificou-se que as mulheres ganham em torno de 72,3% do valor recebido por eles. Em 2003, esse percentual era de 70,8%.
Considerando um grupo mais homogêneo, com a mesma escolaridade e do mesmo grupamento de atividade, a diferença se mantém, conforme revela o estudo “Mulher no Mercado de Trabalho: Perguntas e Respostas”, organizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Tanto para as pessoas que possuíam 11 anos ou mais de estudo quanto para as que tinham curso superior completo, os rendimentos da população masculina eram superiores aos da feminina.
Em meio a este cenário marcado por contrastes, cabe as mulheres enfrentar os desafios impostos pela dupla jornada. Como forma de homenagear a todas as nossas leitoras pelo Dia Internacional da Mulher, “Indústria Regional” entrevistou dirigentes de três empresas – de diferentes portes e segmentos – da nossa região. Elas compartilharam conosco suas conquistas, relembrando as eventuais adversidades e preconceitos que tiveram que superar até chegarem ao comando de suas respectivas organizações. A trajetória de cada uma destas mulheres é um exemplo para todos nós.
Apoio da família
Cada uma de nossas personagens construiu a própria história, mas é possível identificar um ponto em comum entre elas: o apoio da família. Foi assim com Patrícia Cortez Müller Gazzola, diretora da Indústria Brasileira de Bebedouros (IBBL), que possui sede em Itu e oferece uma extensa linha de produtos como purificadores de água, filtros, bebedouros, refresqueiras, além de máquinas especiais e industriais adequadas às mais diversas necessidades.
Desde pequena, ela já frequentava a linha de produção. Aos 14 anos, durante as férias escolares, observava os processos dos diferentes departamentos e ajudava, inclusive, em algumas tarefas. Mais de uma década se passou até que, aos 25, seu pai lhe propôs que assumisse um cargo gerencial. “Fui buscar conhecimento especializado e abracei a causa. As dificuldades eram grandes, porém sempre pude contar com a experiência e apoio do meu pai, demais gerentes e colaboradores”, reconhece.
Atualmente, estão sob sua responsabilidade os seguintes setores: Comercial, Marketing, Tecnologia da Informação, Recursos Humanos, Jurídico, Administrativo e Financeiro. Conciliar todas essas atribuições com a rotina familiar, segundo ela, não é uma tarefa fácil. “A palavra de ordem é dedicação. Assim, as coisas acontecem sempre da melhor maneira possível e os resultados seguramente aparecem. Nós temos que acreditar nos nossos propósitos”, incentiva Patrícia, que nas horas de lazer, gosta de ler bons livros e assistir a filmes, além de outros momentos na companhia do marido e do filho.
Para a executiva, as mulheres vêm constantemente ganhando força no mercado, porém o reconhecimento de seu trabalho ainda pode ser prejudicado em ambientes mais conservadores. Na IBBL, trabalham 164 colaboradores: desse total, 55 são mulheres, o que corresponde a 34%. Ela lembra também que, no corpo gerencial da empresa, a presença feminina chega a 50%, reiterando que esse tratamento igualitário traz reflexos positivos no comando das equipes de trabalho.
Questionada sobre satisfação profissional, Patrícia diz se sentir realizada por ter a chance de trabalhar naquilo que gosta. “Consigo aplicar todo meu aprendizado técnico hoje na empresa e os resultados obtidos nos últimos anos ratificam nosso crescimento e dão-me um fôlego ainda maior para continuar com mais energia. Por outro lado, não foi fácil trilhar esse caminho profissional, pois tinha que provar minha competência o tempo todo”.
Segundo ela, essa cobrança ainda persiste, mas não mais pelo fato de ser mulher e sim porque o mercado é muito competitivo, “de modo que só sobrevive quem busca o conhecimento, a excelência, o diferencial”. A todos que desejam obter sucesso, Patrícia aconselha: “mais importante que falarmos em gênero – masculino ou feminino – é a garra. Portanto, a minha visão sobre as profissionais e as mulheres nesta data é a mesma que em qualquer outra: busquem o conhecimento e a evolução. A postura será sempre a sua grande arma nos degraus que pretende atingir”. São palavras de quem sabe o que diz.
Persistir vale a pena
Algumas mulheres acabam abrindo mão de seus próprios projetos em função do casamento. Isso não significa, porém, que a nossa segunda entrevistada deixou de atuar como técnica de enfermagem para ficar em casa. Ao contrário. Mas, para entender esta história, é preciso voltar no tempo. Na mesma época de seu casamento, o marido de Elizabete Speroni Rodrigues dava início às suas atividades no ramo de confecção e precisava de alguém para auxiliá-lo.
Embora não conhecesse nada sobre o segmento, ela não hesitou em deixar de exercer sua profissão para juntos montarem um novo negócio. E se hoje a Eneida Confecções fabrica lingeries (sutiãs, calças e tangas), fitness e moda praia, distribuindo a sua produção entre lojas próprias, denominadas “Lingeries Excellence” – com unidades em Salto, Itu, Indaiatuba e Santo André – e outras redes; o início foi mais tímido: naquela época, eram apenas dez funcionários.
“Foi uma época de muito esforço e trabalho, porque não é fácil para a mulher conciliar a profissão, com o papel de dona de casa, esposa e principalmente mãe: procurei, sempre que possível, estar presente na vida de meus três filhos, mas muitas vezes batia-me uma tristeza, porque o trabalho me absorvia mais do que eu queria, e me fazia pensar se todo aquele sacrifício realmente valia a pena. O que me consolava é que sempre pude contar com a colaboração de meu marido: juntos, fomos partilhando e enfrentando todos os problemas e também as vitórias”, desabafa.
Quase três décadas e meia se passaram desde a fundação e, como parte de um processo natural, altos e baixos foram registrados neste intervalo de tempo. No auge de sua produção (180 mil peças / mês), a Eneida Confecções empregou mais de cem colaboradores. Todas as peças eram vendidas no Bairro do Brás, em São Paulo, e enviadas, por meio de representantes, para o Nordeste. Tempos depois, a empresa passaria a atender os magazines, como, por exemplo: C&A, Avon, Riachuelo, Pernambucanas e Lojas Marisa. Hoje em dia, no entanto, a mão-de-obra foi terceirizada. “Isso foi bom tanto para nós quanto para as funcionárias, que melhoraram seus ganhos. Além disso, a possibilidade de trabalhar em casa lhes permite passar mais tempo com seus filhos”, conclui.
Mesmo com tamanha correria, a empresária faz questão de ressaltar que as atividades em família não foram deixadas de lado. Nos finais de semana, o clube de campo era garantia de diversão para os filhos. Ela e o marido adoram dançar, por isso vão a muitos bailes; uma vez por ano, o casal também gosta de viajar juntos. Em todos os momentos, nossa personagem faz questão de estar bem arrumada, uma vez que “toda mulher gosta de ser vaidosa”.
Tendo como base suas próprias palavras, pode-se concluir, com segurança, que a persistência de Elisabete foi recompensada. “Fazendo uma retrospectiva, sinto-me uma mulher realizada profissionalmente. Tudo valeu a pena, pois consegui manter minha família unida; hoje eles estão começando a tomar a frente da confecção e das lojas, deixando-me mais livre para curtir os netos. Por essa razão, eu digo: acredite, seja otimista e tenha fé. Todo esforço um dia é recompensado”, finaliza.
Em família
Situação semelhante ocorreu com Noeli de Fátima Fioravanti. Onze anos já se passaram desde que a nutricionista deixou a multinacional onde trabalhava há mais de uma década – era a responsável pela administração do restaurante – para gerenciar o negócio da família, a Indústria Cerâmica Itutex, localizada em Itu. Segundo ela, essa foi uma experiência importante, pois lhe deu a bagagem necessária para exercer esta função.
O desafio de Noeli é colaborar para que a empresa – que hoje conta com 60 colaboradores, dos quais 16% são do sexo feminino – cumpra sua missão: melhorar constante a qualidade do produto comercializado, em prol da satisfação dos clientes. Para atingir esse objetivo, optou-se por adotar o modelo de gestão unificada.
A gerente administrativa da Itutex acredita que a diminuição das desigualdades entre homens e mulheres no mercado de trabalho é uma questão de tempo. “Há 15 anos, quem imaginaria uma mulher na Presidência do Brasil?”, questiona, lembrando que “hoje, a presença em cargos executivos de grandes empresas é cada vez mais frequente. Ao mesmo tempo, vale ressaltar também que o percentual de famílias chefiadas por mulheres também vem crescendo”.
Ela tem razão. Segundo um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), entre 2001 e 2009, esse índice subiu de aproximadamente 27% para 35%. Em termos absolutos, são quase 22 milhões de famílias que identificam como principal responsável alguém do sexo feminino. Algumas hipóteses foram levantadas como explicação para este fenômeno: a mulher ganha mais que o homem, possui mais escolaridade ou tem uma situação de trabalho mais estável.
Noeli – que, em suas horas de lazer, gosta de dançar, ver um bom filme e estar com os amigos – diz que é maravilhoso ser mulher. “Eu me reverencio e também a todas nós, pelo exercício dessa dupla jornada. Para conciliar as atividades profissionais, com as de mãe e esposa, conseguimos fazer um dia de 24 horas render como se ele tivesse 72 horas”, revela, bem-humorada. De fato, essa é uma capacidade que só pessoas muito especiais possuem. Por essa razão, a equipe de “Indústria Regional” reforça, mais uma vez, os seus cumprimentos a todas as leitoras pelo Dia Internacional da Mulher.
reportagem de Piero Vergílio
fotos Arquivo pessoal