“Casas entre bananeiras
Mulheres entre laranjeiras
Pomar amor cantar.
Um homem vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar… as janelas olham.
Êta vida besta, meu Deus!”
(Carlos Drummond de Andrade)
Há muito tempo Itu deixou de ser essa cotidianidade expressa nos versos irônicos do poeta modernista. A monotonia vista por esse olhar à vida interiorana já contrasta com relação ao mundo urbano em que vivemos e onde o espaço se legitima como um locus de forças sociais e políticas antagônicas, lutas em jogo, regulação de conflitos e consequente retomar de ideias, de espaços onde não há mais lugar para o espírito da diversidade entre rural e urbano, pois o ituano hoje opera na dimensão de um presente que se desprende da visão simplista de vila, onde se operava o sentido de filiada à Capitania de São Paulo, nos tempos de um tal Morgado Mateus. Não é mais a vila dos engenhos de açúcar, do plantio do algodão, do café… E tão pouco é a sociedade privilegiada, oriunda de um momento social, político e militar que se esbarrou no campo de luta por uma República constituída. Novas gentes chegaram. O velho chavão “gente de quem?” ficou no passado. Há que se pensar nas migrações, na variabilidade, na heterogeneidade como elementos disciplinadores de uma nova estampa, de uma nova ordem social, política e econômica.
Repensemos sobre essa Itu. Há que se ver as ruas como novos espaços dominados pelo acúmulo de transeuntes em busca de um comércio diversificado. Carros, motos, bicicletas… Falta espaço para tudo isso! Os estacionamentos vivem superlotados. As lojas, farmácias, restaurantes, bares e pequenas boutiques vivem apinhados de gente que contribui para a grande economia da cidade.
A chamada Rua do Comércio continua sendo o foco das atenções de grandes casas comerciais. O Mercado Municipal delegou seus serviços aos supermercados. Nos seus arredores só circulam ônibus superlotados de passageiros vindos das periferias populacionais. Pequenas casas de comércio ponteiam os espaços substituindo na memória de alguns velhos ituanos as famosas “casinhas” da Rua Santa Cruz.
A Candelária e suas igrejas filiadas deixaram de ser os únicos templos dos nossos tradicionais fiéis. Centros de oração, igrejas evangélicas e outras comunidades religiosas acolhem seus seguidores.
E os sinos? Não mais se constituem uma alegoria às seis da tarde como à Hora da Ave Maria. O movimento eletrônico tomou das mãos do velho sineiro essa tarefa singular.
A nossa história adormece nas páginas guardadas em nossas bibliotecas – por sinal, bem cuidadas – à espera dos estudiosos desta urbe que já foi gênese de uma história republicana ímpar. Há que se desvendar o véu e se mostrar os grandes personagens que sempre foram o palco da nossa memória cultural. Como esquecê-los? Como não louvar ações que resgatam um Elias Lobo, um Almeida Júnior, um Padre Bento e tantos outros que perseguiram e perseguem até hoje o nosso cotidiano?
Itu constitui-se no centro urbano que já foi espaço de uma cultura predominantemente caipira, mas que, apesar dos revezes políticos, e ainda dos seus quatrocentos anos, carrega uma tradição dialetal que navega no jeitão de sua gente, nos seus modos de buscar novos espaços em dialética com a modernidade. É esta cidade a gênese de constantes renovações em busca de um devir político comprometido com sua história e com sua gente.
Durce Gonçalves Sanches é Mestre em Comunicação, integrante da Acadil (Academia Ituana de Letras) e escreveu este artigo especialmente para esta edição de Revista Regional em comemoração aos 402 anos de Itu.
foto: Livro “Memória de Itu”