Censura é exercício de tensão social. A depender de como nasce ou se dá, recebe diferentes nomes: regulamentação, imperativo moral, correção política, freio democrático etc. Aliás, até a nomenclatura reflete o interesse ou o grupo que prevaleceu no seu estabelecimento. O que para alguns é defesa de ideais elevados, para outros é puramente autoritarismo.
No meio dessa selva patinarão sempre a mídia e a intelectualidade. Porque não há uma receita simplista para dizer quando um limite sugerido ou imposto é censura disfarçada (que é odiosa, sim), e quando é realmente uma necessidade para preservar outros interesses legítimos, às vezes duramente conquistados. Os casos precisarão sempre ser analisados um a um, pesadas as circunstâncias em que se deram e o contexto em que se encontram.
Acatada essa fórmula, crucificar Paris Hilton pelas caras e bocas que fez num comercial de cerveja é descabido, numa sociedade que compactua com a erotização precoce de crianças, endeusa mulheres seminuas e considera normais cenas tórridas de sexo em horários vespertinos da TV. É a condenação de um arbusto no meio de uma floresta.
Por outro lado, a mesma sociedade ocidental, que hoje deplora a censura e o autoritarismo, lutou durante séculos para que a dignidade do indivíduo fosse preservada no meio do coletivo. Assim, não há que se confundir a licença concedida a um humorista para ser irônico, com o direito de humilhar a terceiros e expô-los à chacota, para obter risos e palmas a qualquer preço. Sujeitos como Danilo Gentili e Rafinha Bastos são apenas frutos de um momento social em que se tornou aceitável que alunos surrem professores, que crianças ordenem em suas casas o que desejam comer e adolescentes dirijam os carros dos papais, sem que haja coibição firme e eficaz. Porque, aos olhos de uma parcela dessa sociedade, rendida do ponto de vista ético e mesmo racional – isso seria tolher a liberdade. Ora, isto não é liberdade. Assim como não é humor. É apenas a frouxidão que incentiva o abuso, ou a grosseria que imagina ser humor. Observe-se a postura típica com que os dois citados se fazem fotografar. Seu gestual e suas expressões faciais parecem dizer: – Viram como sou terrível, debochado, perigoso e irrefreável? Ou seja, a exata crença de um adolescente mimado, que pensa ser melhor que outros comediantes, que fizeram humor sem rastejar, e que pensa conhecer o mundo mais do que ninguém.
Já o chamado “controle social da mídia”, defendido por setores do governo federal não passa de manifestação de um vício das esquerdas: o de que, quando chegam ao poder, mostram-se mais autoritárias que a direita que combatiam. Insana paixão ideológica que, pelo desejo de impor uma suposta justiça social, se afasta da moderação e até mesmo da razão. Se lhes for permitido, entram nas redações para o patrulhamento ideológico. Digo com isso que o ordenamento jurídico da nação, as leis que temos, já são suficientes para impedirem eventuais abusos, sem a necessidade de se institucionalizar um controle censor a partir de Brasília. Não estamos na Venezuela.
Mas, a selva é densa. Como impedir que a TV se torne meio de arrecadação e proselitismo das igrejas? Como evitar que minorias sejam alvos de anedotas que estimulam o preconceito? E como fazer isso sem que a liberdade de expressão se veja arranhada? Não há outro caminho que não o de sopesar lutas e valores conflitantes, caso a caso. Dificilmente haverá uma única ótica para julgar. Lembrar cuidadosamente dos caminhos de civilização percorridos, das dores suplantadas e dos riscos inerentes a cada escolha é tarefa do cidadão consciente, do homem de imprensa, do pensador, do dirigente, que se verão sempre obrigados a refletir duas vezes e ouvir vários clamores, antes de proferir sua sentença.
Se há outras receitas, seriam a do julgamento fácil e o da precipitação. Ambas, meio caminho andado para a injustiça e o retrocesso.
Valderez Antonio Bergamo Silva é bacharel em Direito e mestre em História, ocupa atualmente a Secretaria de Cultura e Turismo de Salto, e colaborou com a seção Plural da Revista Regional.