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Álcool x adolescentes: relação perigosa

Entre os jovens de 12 a 17 anos, a taxa de dependentes de álcool é de algo em torno de 7%. A estimativa é das últimas pesquisas realizadas pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), com o apoio do Ministério da Saúde

Os jovens estão consumindo cada vez mais bebidas alcoólicas e, o que é pior, cada vez mais cedo. Dia após dia vemos nos noticiários histórias de acidentes de trânsito e outras situações trágicas, como cenas de agressão em bares, clubes e baladas, quase sempre envolvendo adolescentes embriagados. No mês passado, um garoto de 17 anos causou a morte de duas pessoas e deixou outras sete gravemente feridas em uma rodovia da Região Metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais. As vítimas eram todas passageiras de uma van escolar conduzida pelo menor, que perdeu o controle da direção do veículo e acabou colidindo violentamente com uma árvore. O motorista admitiu ter consumido bebidas alcoólicas antes de dirigir e revelou que o acidente se deu em um momento de distração, quando decidiu dar um beijo em sua namorada, que estava no banco ao lado do seu. A menina ficou com o braço esquerdo dilacerado e precisou passar por uma cirurgia delicada.

O caso, que ganhou projeção nacional, é exemplo do quanto essa relação entre adolescentes e o álcool pode ser perigosa. E, infelizmente, a geração atual não tem a mínima consciência da gravidade do assunto. Inclusive aqui na região. Ao menos é o que pensam os especialistas entrevistados para esta reportagem. A conselheira tutelar de Itu, Maria Cristina Pereira Barbosa, conta que está havendo um aumento significativo do problema. Em todas as camadas sociais. “Recentemente, fomos chamados para atender uma menina que estava quase inconsciente de tão alcoolizada. Ela saiu de casa para ir ao shopping, mas foi encontrada perto da rua Santa Rita, no Centro. Essa era filha de um policial militar”, lembra. Maria Cristina ocupa o cargo há cinco anos e já viu muita coisa acontecer no que diz respeito ao uso de álcool por menores de idade.

Geralmente, os jovens não estão onde os seus pais imaginam quando tomam uma atitude imprudente como essa. “Aqui a maior parte das ocorrências se dá em torno de um shopping. Os adultos levam seus filhos até o estacionamento e os deixam livres para aproveitar o momento de lazer com os amigos, acreditando que estão seguros. Porém, muitos desses adolescentes não permanecem dentro do estabelecimento, como dizem e acabam saindo para ruas próximas para beber”, explica a conselheira tutelar, que ainda alerta para o fato de que às vezes eles nem sabem exatamente o que estão consumindo. São misturas de refrigerante com diversos tipos de bebida, algumas com alto teor de álcool, como pinga. “Tivemos um caso de uma menina de 11 anos que entrou em coma alcoólico. Quando acordou, não fazia ideia do que tinha bebido”, afirma. E acontece mesmo. Os adolescentes de hoje acabam entrando em qualquer embalo para se sentirem “enturmados”.

Para o psicólogo Rodrigo Diniz, tanto a necessidade de integração quanto a rejeição por determinados grupos sociais são fatores influentes neste processo de iniciação ao álcool. “As amizades na infância são diferentes das amizades na adolescência, pois, nas primeiras, há um vínculo com características mais primitivas, em torno de uma atividade em comum entre as crianças, indicando ‘práticas’ mais narcisistas. É um vínculo diferente das amizades vividas pelos adolescentes, que envolver capacidades psíquicas mais complexas, como a empatia”, reflete o especialista. O que ele quer dizer é que, sendo assim, essa integração ou rejeição tem um profundo impacto na construção de identidade que realiza os adolescentes. “Quando a organização desses vínculos ocorre ‘em torno’ da bebida como uma prática inerente à identidade do grupo, os modelos de vínculos primitivos são reeditados”, completa. Mas não é só isso. Há uma série de questões que também podem levar os jovens a beber. As principais apontadas por Diniz são as de cunho afetivo-relacionais, socioculturais, econômicos, geográficos, genéticos, sexuais; dinâmica familiar; fracasso escolar e psicopatologias.

Quem pensa da mesma forma é a terapeuta Carla Montalto, que é especialista em dependência química. Ela simplifica, dividindo os fatores que influenciam neste processo entre os seguintes aspectos: biológicos, psicológicos e sociais. E ainda propõe a reflexão de outros pontos considerados importantes para o desenvolvimento dos adolescentes. Sobretudo o papel das famílias, que mudaram tanto de duas, três gerações para cá. “Com a emancipação feminina, hoje em dia os casais permanecem juntos simplesmente porque se gostam, não porque dependem um do outro. Dentro desta realidade, o perfil das famílias mudou. Casamentos são desfeitos e refeitos com facilidade. A educação dos filhos, muitas vezes, acaba ficando para as escolas, o que não está certo, pois esta é uma responsabilidade dos pais. Princípios, costumes, ética e valores devem ser ensinados em casa”, recomenda.

Para quem questiona, a terapeuta adianta que seus argumentos estão de acordo com pesquisas científicas, que comprovam a eficiência da participação das famílias na prevenção da iniciação dos jovens ao álcool ou outras drogas. E aí também entra a questão da espiritualidade. Estudos revelam que relacionamentos familiares adequados, associados com a prática da espiritualidade, seguram os jovens na iniciação ao álcool. “Isso porque oferecem mais ferramentas para esses adolescentes se segurarem em momentos difíceis, de frustrações, em que precisam ter o controle das emoções”, explica. A sociedade de consumo em que vivemos estabelece a busca pelo prazer imediato, principalmente na adolescência, que é quando o cérebro funciona de maneira mais impulsiva, por uma questão de maturidade neurológica. “Essa experimentação cada vez mais precoce, tanto do álcool quanto de outras drogas, nada mais é do que a ansiedade, a ausência da capacidade de lidar com problemas”, afirma.

Algo que, na opinião dos especialistas consultados por Regional, somente a conscientização pode mudar. Os adolescentes precisam entender que o álcool pode causar impactos gravíssimos no desenvolvimento cerebral, além de trazer inúmeros prejuízos ao resto do organismo. Em longo prazo, pode até gerar quadros demenciais irreversíveis. Sem contar que abre portas para a utilização de outras drogas, sejam lícitas, como o tabaco, ou ilícitas, como a maconha. “Até então, ninguém estava mostrando esse lado para os adolescentes. Ao contrário. As campanhas de bebidas alcoólicas, especialmente as de cerveja, associam o consumo desses produtos ao sucesso. Estão cheias de mulheres bonitas e rapazes se dando bem. Exatamente o status que os jovens tanto querem”, observa Carla. Hoje, com a nova lei antialcool, surge a esperança por uma mobilização maior no sentido da prevenção da ingestão do álcool por crianças e adolescentes.

Sancionada no final do mês passado pelo governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, a referente legislação proíbe o consumo de bebidas alcoólicas por menores de idade em estabelecimentos comerciais. A venda já era proibida por lei, mas a diferença é que, antes, o consumo não era regulamentado de algum adulto comprasse a bebida para um adolescente. Neste caso, ninguém poderia ser multado. Agora, haverá punição com multas que podem chegar a R$ 87 mil e punição do local. A medida foi tomada diante da preocupação com os números crescentes de casos de menores envolvidos com o álcool. Para se ter ideia, entre os jovens de 12 a 17 anos, a taxa de dependentes de álcool é de algo em torno de 7%. A estimativa é das últimas pesquisas realizadas pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), com o apoio do Ministério da Saúde. Um percentual consideravelmente alto para um assunto tão grave. A expectativa é que, mesmo dependendo de fiscalização, um serviço ainda tão defasado no Estado de São Paulo (e no Brasil), o índice venha a cair daqui para frente. Pelo bem desses jovens e de outras gerações que estão por vir.

Por enquanto, para quem não sabe como agir perante uma situação envolvendo o tema, o psicólogo Rodrigo Diniz dá a dica. Tentar manter o jovem longe dos ambientes onde circulam bebidas alcoólicas, através de proibições ou punições, não orientará o jovem sobre os seus prejuízos. É claro, os pais têm o dever de não incentivar o uso de bebidas alcoólicas por adolescentes em qualquer lugar. Mas, quando falamos em orientação, penso que os pais devem lidar com essa temática de maneira preventiva, através da escuta e da comunicação. É muito importante que se estabeleça o hábito da comunicação entre os familiares, para que os pais possam acompanhar de maneira ‘mais aproximada’ qual relação se estabelece entre seus filhos e a bebida alcoólica. Este hábito pode vir através de reuniões familiares diárias, na hora do jantar ou almoço, por exemplo, nas quais é possível estimular os vínculos familiares e o exercício de conversas que favoreçam o jovem quanto às diferenças entre beber socialmente ou se embriagar. Através de ‘construções’ deste tipo, o jovem irá dispor de um ‘repertório maior’ para poder criar seus próprios meios de estabelecer tais limites”.

 

reportagem de Caroline Rizzi

foto Microfoto

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